Há uma década que não havia tantas violações
A violação deve ser crime público? Quase 107 mil portugueses querem mudanças na lei. O tema que divide os partidos vai quinta-feira a debate no Parlamento, na semana em que ficámos a saber que o número de processos aumentou na ordem dos 30% . No DN, os testemunhos sob anonimato de mulheres violadas.
É a subida mais alta na última década: mais de 500 inquéritos pelo crime de violação, um aumento na ordem dos 30%, segundo apurou o DN.
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Os dados do Relatório Anual de Segurança Interna de 2022, que em breve serão divulgados, indicam uma tendência de subida já registada no relatório de 2021 [houve um aumento de 26%] e o alerta de que o "aumento do número de violações praticadas por desconhecidos ou indivíduos sem relação com a vítima e do número de indivíduos de escalões etários mais jovens constituídos como arguidos parecem ser os indicadores que irão, de futuro, merecer particular atenção".
Se os últimos dados, de 2021, indicavam uma "preponderância da relação de conhecimento [e familiar] entre autor e vítima" perto dos 60%, ficando os "desconhecidos" na ordem dos 30%, os novos dados, ainda provisórios, confirmam as "suspeitas" do ano passado: "Um aumento de violações praticadas por desconhecidos ou indivíduos sem relação com a vítima."
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© Ilustração Vítor Higgs
A evolução do número de inquéritos pelo crime de violação, que teve uma quebra em 2020 [foi o valor mais baixo da última década: 315], subiu em 2021 (397 casos), mas ainda assim distante dos anos de 2017 a 2019, com uma média de 420. Agora voltou a subir.
O novo relatório deverá agora revelar se o padrão de arguidos e vítimas se mantém - predominava o escalão dos 21 aos 30 anos - ou se houve alterações significativas, por exemplo, na percentagem de vítimas entre os 16 e os 18 anos, que representavam 18,5% dos casos.

© Ilustração Vítor Higgs
Os 106.991 portugueses que querem mudar a lei
Se fossem um partido, teriam mais votos que o Livre, mais votos que o PAN, mais votos que o CDS, cerca de metade dos votos de PCP, BE e IL. Se fossem um partido reuniriam gente da esquerda e da direita, das artes, da justiça, das universidades, da política, do ensino e de outras tantas "profissões" da "sociedade civil".
Não são, mas têm o respaldo "político" de Manuela Eanes, Dulce Rocha, Francisca Magalhães Barros, Isabel Aguiar Branco, Garcia Pereira, Rui Pereira, Joana Mortágua, Paula Teixeira da Cruz, Teresa Morais, Teresa Leal Coelho, Maria Castello Branco, Catarina Furtado, Nuno Markl, Carolina Deslandes, Clara Sottomayor, Teresa Féria, Teresa Pizarro Beleza e Helena Pereira de Melo, entre outros 106.991 "militantes" [os subscritores da petição], que no Parlamento vão "sensibilizar" os 230 deputados para que a violação seja crime público.
"Apresentei queixa, mas o processo caiu por terra. Fui coagida pelo procurador a desistir", testemunho anónimo de uma vítima ao DN.
Na petição que vai a debate no plenário, na próxima quinta-feira [e que avaliará também os projetos de lei do BE, PAN, Chega, IL e PS], é referido como argumentação que "todos os dados atualmente conhecidos revelam que essa exigência [a necessidade de queixa da vítima] implica a impunidade de muitos crimes de violação - podemos mesmo dizer que determina a impunidade da sua grande maioria. Tal como sucede na violência doméstica, acertadamente transformada em crime público, também neste caso as vítimas receiam a retaliação do agressor e a própria estigmatização social. Por isso o crime de violação deveria passar a ser público, não apenas pela sua natureza e pela dignidade e carência de tutela dos bem jurídicos protegidos (que envolvem diretamente, para além da liberdade e da autodeterminação sexual, a essencial dignidade humana), mas também pelo risco de o agressor escapar impune na maioria dos casos e prosseguir a sua carreira criminosa".
Os 106.991 peticionários, que lembram que "este crime [de violação] exprime fortes tendências compulsivas e apresenta taxas de reincidência elevadas", afirmam que "não deve recear-se que esta transformação do crime possa conduzir a condenações injustas", dado que "o Ministério Público (MP), na fase de inquérito, e os tribunais, nas fases subsequentes do processo, terão de investigar se o crime de violação foi mesmo cometido, tendo em conta as regras gerais de imputação penal e as garantias concedidas à defesa - incluindo os princípios constitucionais da presunção de inocência e in dubio pro reo".
Francisca Magalhães Barros, escritora, pintora, ativista pelos direitos das mulheres e primeira peticionante - que irá estar com Dulce Rocha, procuradora e atual presidente do Instituto de Apoio à Criança, na Assembleia da República -, diz que é urgente mudar "a situação atual e vergonhosa das sobreviventes de violação".
"Então não sabem as senhoras deputadas que as sobreviventes de violência doméstica também são violadas? Qual é a diferença? A violência doméstica é um crime público graças à luta de ativistas e uma luta demasiado dura de anos. Só passado demasiado tempo se tornou crime público, fazendo com que as mulheres possam ter voz, possam ter representação, possam agir, serem ouvidas, lutarem contra este flagelo. As mulheres violadas não têm esse direito?", questiona.
"Sinto uma revolta muito grande por saber que já passou o tempo de apresentar queixa e que ele
nunca pagará", testemunho anónimo de uma vítima ao DN.
Em causa está, em particular, o artigo 178.º do Código Penal, que prevê que "o procedimento criminal pelos crimes previstos nos artigos 163.º [Coação sexual], 164.º [Violação], 165.º [Abuso sexual de pessoa incapaz de resistência], 167.º [Fraude sexual], 168.º [Procriação artificial não consentida] e 170.º [Importunação sexual] depende de queixa, salvo se forem praticados contra menor ou deles resultar suicídio ou morte da vítima".
Há uma "particularidade" que Francisca Magalhães Barros contesta e que muitos outros consideram não fazer sentido, que é o tempo de atuação do MP nos casos de violação, e também de coação sexual, estar limitado a um "prazo de seis meses a contar da data em que tiver tido conhecimento do facto e dos seus autores, sempre que o interesse da vítima o aconselhe".
"Os violadores não podem ficar impunes após seis meses", alerta a ativista.
Outra "particularidade" é o facto, nos "Atos sexuais com adolescentes", no artigo 173.º, no ato "sexual de relevo" - ou seja, se "consistir em cópula, coito oral, coito anal ou introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objetos" -, ser necessário queixa, "salvo se dele resultar suicídio ou morte da vítima", à semelhança do que está previsto no artigo sobre a violação de adultos: "Depende de queixa, salvo se forem praticados contra menor ou deles resultar suicídio ou morte da vítima."
De que vítimas estamos a falar?
Isabel Aguiar Branco, advogada, recorda que a argumentação hoje usada contra a conversão do crime de violação em crime público é muito "semelhante à que foi utilizada quando foi a discussão sobre se a violência doméstica deveria passar a crime público".
Isabel Moreira, deputada socialista, que diz nunca ter denunciado "crime de violação e chamei sempre as autoridades quando testemunhei indícios de crime de violência doméstica", defendeu, num artigo no Expresso, que o que "as vítimas de violação precisam é da garantia de que todas as escolhas estão ao seu alcance, isto é, precisam de ver assegurado um caminho de apaziguamento que não passe pelos tribunais, se assim o entenderem, e com acesso aos tribunais se assim o entenderem".
"Mas o que uma vítima de violação não precisa é que lhe roubem a vontade, sendo ela forçada a um processo e à dor processual", acentua, justificando que, sendo a violação crime público, "levaria a uma mão-cheia de processos arquivados por falta de provas, uma nova dor e a promessa de estatísticas descredibilizadoras das vítimas".
"Uma coisa é a teoria do direito, outra a realidade", responde Isabel Aguiar Branco. "É que andar no terreno faz muita diferença. Eu lido com elas todos os dias, lido com vítimas de violência doméstica e vítimas de violação. Em 30 anos, conheci muitas mulheres. O trauma com que ficam impede-as de tomar consciência, de ter a lucidez suficiente e a força emocional suficiente para fazerem queixa. E isto acontece durante muitos anos", acrescenta.
"A reação mais comum", explica a advogada, que informa que "há estudos que sustentam tudo isto", é que "todas as vítimas entram em processo de negação. Fazem de conta que aquilo não aconteceu. Há um longo período em que ocultam esse trauma, passam anos a ocultar delas próprias este trauma, este sofrimento. Tanto que esse stresse pós-traumático muitas vezes se transforma em doenças físicas".
"Ainda hoje não consigo dormir no escuro, não durmo descansada. não lido bem com elogios" , testemunho anónimo de uma vítima ao DN.
O perfil das vítimas, as que vão a tribunal, revelado no Relatório Anual de Segurança Interna 2021, identifica quatro grupos: as mulheres entre os 21 e os 30 anos (25%) são o alvo preferencial dos violadores; a segunda faixa etária é a dos 16 aos 18 anos: 18,5%; depois seguem-se outras duas com percentagens muito próximas: 11,7% entre os 31 e os 40 anos e 11,3% entre os 41 e os 50 anos.
Rui Pereira, antigo juiz do Tribunal Constitucional, ex-ministro e professor de Direito - e que esteve envolvido em reformas legislativas do Código Penal e do Código de Processo Penal, nomeadamente -, defende que a violação deve ser crime público porque é "absurdo pretender que protegemos melhor as vítimas não punindo os agressores".
Para o antigo ministro socialista há um retrato nacional que não deve ser esquecido: "As elevadas cifras negras, que muito mais elevadas seriam. Porém, por medo de retaliações, da estigmatização social, etc., muitas mulheres não apresentam queixa nenhuma. Tornar o crime público não resolve todos os problemas, mas ajuda a tornar mais efetiva a perseguição do crime." E entende que as exigências de prova [para violência doméstica e violação] são exatamente idênticas. Observa que a questão da revitimização não se coloca porque os processos podem, por exemplo, não ser públicos. E, porque, defende, devem "ser criados mecanismos de apoio à vítima".
Isabel Aguiar Branco acrescenta, e são relatos que lhe foram transmitidos diretamente, que "muitas mulheres não apresentam queixa por ficarem atordoadas, ficarem com medo. A violação destrói a autoestima de uma mulher, algumas até incorporam o preconceito da culpa. E não se esqueça de que na maior parte dos casos a violação ocorre nos círculos das amizades e familiares, não são estranhos. E muitas até dentro do próprio casamento. Conheço muitas vítimas destas".
"Acordo durante a noite com pesadelos. Não consigo confiar em ninguém" , testemunho anónimo de uma vítima ao DN.
Garcia Pereira, advogado, recorda que, "à semelhança da violência doméstica, todos nós sabemos que há situações objetivas de constrangimento que levam as vítimas a não apresentar queixa-crime no prazo de seis meses... e os violadores ficam à solta". E, também à semelhança da violência doméstica, "durante décadas ou não havia queixa ou, quando havia, a vítima chegava lá, pressionada, e retirava a queixa. E depois acabava assassinada. Isto aconteceu uma série de vezes".
O advogado defende que a violação deve ser crime público, mas que a lei também deve "salvaguardar" que, "se a vítima se opuser", o MP deva ter isso em consideração.
Francisca Magalhães Barros, Isabel Aguiar Branco e Rui Pereira, nomeadamente, sabem da dificuldade em convencer a maioria dos deputados - a "resistência", como lhe chama Garcia Pereira -, até porque a maioria socialista não aceita a conversão do crime de violação em crime público, mas esperam que, pelo menos, possa ser alargado, como pede Francisca Magalhães Barros, "o prazo para apresentação de queixa, criado apoio psicológico e que haja gabinetes de apoio por todo o país".
"Sei que a Assembleia da República não vai deixar passar. Tenho essa perfeita noção. Conheço a posição do PS. Essa escola de pensamento. E no PSD é muito parecida", diz Isabel Aguiar Branco.
"Daqui a uns anos, acredite, tal como aconteceu com a violência doméstica, tudo isto vai ser invertido. É pena que não haja agora perceção suficiente", lamenta Rui Pereira.
O que defendem os partidos?
Só cinco apresentaram propostas: o BE apresentou um projeto de lei que "consagra os crimes de violação, de coação sexual e de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência como crimes públicos"; o Chega quer "atribuir maior proteção às vítimas de crimes sexuais"; o PAN pretende consagrar "a natureza pública dos crimes de violação e outros crimes contra a liberdade sexual"; a IL quer que "os crimes de violação, de coação sexual e de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência" sejam "crimes públicos"; o PS, no projeto de lei que apresenta, "reforça a proteção das vítimas de crimes contra a liberdade sexual, alterando o Código Penal e a Lei de Acesso ao Direito e aos Tribunais".
À partida parece que todos, à exceção do PS, defendem o "crime público". Na verdade, só a proposta do BE o defende "totalmente" ou, como diz Cláudia Santos, deputada socialista, "todos os outros" apresentam uma "solução híbrida, um crime mais ou menos público".
"Não criam um crime verdadeiramente público, criam uma solução mitigada em que o MP pode iniciar o processo sem queixa, qualquer pessoa pode fazer a denúncia, mas depois a vítima pode ir ao processo dizer que não quer. E isso não é um crime público", constata.
"Iam culpar o meu decote e o ter bebido uns copos, iam-me culpar a mim. fui fraca" , testemunho anónimo de uma vítima ao DN.
No projeto do BE, a "violação", a "coação sexual" e o "abuso sexual de pessoa incapaz de resistência" passam a ser "crimes públicos". Só os crimes de "fraude sexual", "procriação artificial não consentida" e "importunação sexual" ficam a depender de queixa, "salvo se forem praticados contra menor ou deles resultar suicídio ou morte da vítima".
"Há 22 anos, por proposta do BE", recorda o partido, "a aprovação da violência doméstica como crime público começou por levantar preocupações sobre a intervenção na vida privada. As mesmas preocupações são agora expressas em relação à violação, mas estamos em crer que os efeitos negativos para as vítimas, na violência doméstica como nos crimes sexuais, podem sempre ser superados com melhorias nos processos de investigação e julgamento. Todas as vítimas e a sociedade têm de ser defendidas contra estes crimes".
Por isso o BE recupera a "argumentação que promoveu a violência doméstica a crime público e que mudou para sempre o estatuto deste crime na sociedade também no caso da violação e da coação sexual: "Tal preceito não constitui nenhuma atitude paternalista nem significa uma perda de autonomia das mulheres. Antes pelo contrário, constitui a forma de desbloquear situações dramáticas de modo a preservar uma verdadeira autonomia das mulheres e a afirmação da sua dignidade como seres humanos."
Joana Mortágua, deputada do BE, entende que a violação "é um crime pelo qual a sociedade tem que se responsabilizar, porque são crimes, nós sabemos, muito difíceis de denunciar, envolvem muita estigmatização, muita vergonha, dão-se muitas vezes em contextos de hierarquia ou mesmo de família, de conhecidos".
"E, portanto, muitas vezes a vítima não tem condições de denunciar, mas o crime permanece e permanece também o criminoso", sublinha.
O BE está, garante a deputada, "complemente disponível para [com os outros partidos] encontrar formas de preservar em todo o processo a intimidade da vítima, essa privacidade e dar todo o acompanhamento social e psicológico" e até "alargar o tempo para a denúncia". O que não pode acontecer, defende Joana Mortágua, é que, ao abrigo do "argumento da proteção da intimidade da vítima, a sociedade lave as mãos da censura e da justiça".
"Cheguei a casa e meti-me na banheira com lixívia. Sentia-me tão suja...", testemunho anónimo de uma vítima ao DN.
Cláudia Santos, deputada do PS, que defende o contrário do BE, afirma que não se pode "instrumentalizar a vítima, obrigando-a a ir a um processo penal, a perícias médico-legais, se ela não o desejar. Não pode haver um crime em que a vontade da vítima não interesse nada. Acreditamos na autonomia das vítimas adultas de crimes sexuais e queremos garantir que tenham essa resposta se quiserem a resposta punitiva".
No entanto, "a vítima nunca tem, em caso algum, um poder absoluto de impedir o início de um procedimento penal por estes crimes" [referência ao pressuposto no n.º 2 do artigo 178.º do Código Penal], porque já hoje o MP pode dar inicio ao processo "sempre que o interesse da vítima o aconselhe" - uma exceção nos casos em que haja suspeitas "fundadas de que a vítima está intimidada, coagida e continua a correr o risco de ser vítima de crimes sexuais. Ou que tem alguma diminuição cognitiva", explica Cláudia Santos.
"Já estamos noutra fase. Já ninguém defende o crime público puro, nem o crime semipúblico puro. Por isso mesmo o PS quer alargar para o dobro o prazo para apresentação de queixa, criar via verde de acesso ao apoio judiciário e corrigir a lacuna no artigo 164.: onde está escrito "praticar" acrescentar "sofrer", ficar "praticar e sofrer".
O PAN, no projeto de lei que apresenta, defende "natureza pública dos crimes de violação, de coação sexual, de fraude sexual, de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência e de procriação artificial não consentida", mas que a vítima "possa, a todo o tempo, requerer o arquivamento do processo".
No entanto, explica Inês Sousa Real, "o MP só poderá rejeitar tal requerimento quando, de forma fundamentada, considere que o prosseguimento da ação penal é o mais adequado à defesa do interesse da vítima e que o pedido se deveu a qualquer tipo de condicionamento por parte do arguido ou de terceiro, caso em que deverá promover sempre a aplicação das medidas necessárias à sua proteção contra eventuais retaliações ou coação".
"Fiquei anos até conseguir andar na rua sozinha e sentir o mínimo de segurança" , testemunho anónimo de uma vitima ao DN.
A Iniciativa Liberal, que também quer "qualificar como crime público os crimes de violação, de coação sexual e de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência [...], quer garantir, ao mesmo tempo, à vítima a faculdade de requerer a suspensão provisória do processo, de forma livre e informada". E, tal como os restantes partidos, também a IL, afirma Patrícia Gilvaz, diz ser "necessária a implementação de medidas multidisciplinares, nomeadamente de aumento do apoio psicológico às vítimas, e a sensibilização e formação das forças e serviços de segurança, bem como dos magistrados".
A mudança, acredita a deputada, facilitaria o "desbloqueio de várias situações e levaria um maior número de denúncias e de investigações e apuramento da responsabilidade dos envolvidos [...], e, aumentando as possibilidades de abertura de procedimento criminal, os eventuais futuros agentes do crime sentir-se-ão inibidos de o praticar".
Dos três partidos que não apresentaram propostas [PSD, PCP e Livre], somente os sociais-democratas não responderam às questões do DN. O Chega, que apresenta um projeto de lei, também não respondeu.
"Durante muito tempo a vida deixou de fazer sentido. Isolei-me e tornei-me numa pessoa triste", testemunho anónimo de uma vítima ao DN.
Alma Rivera, deputada do PCP, diz que nos "crimes desta natureza é a vítima que deve estar no centro das preocupações do legislador e deve ser especialmente protegida, nomeadamente tendo em conta que a imposição de um procedimento criminal independentemente da sua vontade (ou mesmo contra a sua vontade) pode constituir, só por si, uma violência e uma revitimização".
A deputada do PCP considera que da "alteração do crime de violação de semipúblico para público resultariam ainda outras consequências que não podem ser desconsideradas em relação a prazos de prescrição, possibilidades/obrigações de denúncia e investigação obrigatória", sendo possível "encontrar soluções sem ter necessariamente de alterar a natureza do crime para público, não pondo em causa a autodeterminação da vítima. A vítima não pode ser instrumental à realização de uma Justiça pública".
Ou seja: o PCP "mantém grandes reservas quanto à configuração do crime de violação como crime público".
Já o Livre considera que se está perante "um tema difícil, cuja reflexão estamos a aprofundar, mas há duas coisas óbvias que precisam de ser compatibilizadas: a primeira é que a vítima e a sua vontade de participar ou não no processo têm de ser respeitadas; a segunda é que temos, enquanto comunidade, obrigação de proteção e defesa em relação às possíveis futuras vítimas de qualquer violador que não fosse investigado e julgado por não haver queixa".
"A dificuldade", confessam, "é achar o ponto certo de equilíbrio, e é nesse plano que estamos a fazer o debate".
artur.cassiano@dn.pt
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