“Há que ser paciente e baixar as expectativas. As reformas em Saúde levam muito tempo”
O Governo apresentou o programa para a área da Saúde centrado numa grande prioridade: combater a desigualdade no acesso aos cuidados. E destaca duas novidades: uma para os utentes - a criação de um cheque para consultas de especialidade, o que só há para cirurgias e saúde oral, sempre que o Serviço Nacional de Saúde (SNS) não tiver capacidade de resposta - e outra para os profissionais - a criação de um Plano de Motivação, que irá “envolver as 67 carreiras” do serviço público. Mas serão estas medidas e as restantes, integrantes dos oito pontos definidos pelo Governo, suficientes para resolver os problemas do SNS a curto e médio prazo? O presidente da Associação Portuguesa dos Administradores Hospitalares (APAH) diz de imediato: “Temos que baixar as expectativas e ser pacientes, as reformas em Saúde levam muito tempo a surtir efeito.”
Para Xavier Barreto, o programa para a Saúde tem “prioridades bem definidas e medidas positivas e interessantes”, mas, salvaguarda, “um programa é por natureza um conjunto de ideias sucintas com pouco detalhe e precisamos de documentos técnicos para percebermos exatamente como vamos trabalhar. E é isso que esperamos poder discutir com a tutela da melhor forma possível”.
O administrador hospitalar não descarta a possibilidade de “algumas destas medidas poderem ter um efeito imediato, como a que pretende devolver mais autonomia aos hospitais”. Aliás, espera mesmo que "tal aconteça, e rapidamente, pois é fundamental e estratégico para as unidades”. Mas também é da opinião que “não há planos mágicos nem milagrosos”. “É preciso perceber que o plano de emergência que vai ser preparado em 60 dias não virá resolver todos os problemas do SNS. Há que ser paciente”, sublinha.
Cheque consulta e plano de motivação são novidades
Este é o primeiro alerta de quem está no terreno a gerir unidades hospitalares e para quem o programa para a área da Saúde “faz sentido”. “Há várias medidas que consideramos positivas, mas a questão é sempre como é que vão ser aplicadas e, neste aspeto, faltam-nos detalhes”, argumenta Xavier Barreto. Mas, à partida, considera haver novidades para se combater “a principal ameaça ao SNS, que é a falta de recursos humanos”.
Neste aspeto, salienta o “Plano de Motivação para os Profissionais de Saúde para captar recursos humanos, mais autonomia para as unidades e maior flexibilidade na contratação, mais incentivos para equipas das urgências e para captar médicos aposentados”.
Por outro lado, e no que toca ao acesso de cuidados, Xavier Barreto, destaca o que chama de “cheque consulta” como uma das principais novidades, medida que até agora só existia para a área cirúrgica e para a saúde oral, através do cheque-dentista. A grande questão em relação a esta novidade é “onde termina esta prestação de cuidados”, questiona. “Será que este voucher é só para a consulta? E se desta resultar a necessidade de exames ou até de outros tratamentos? O que acontecerá? O doente regressa ao hospital público ou não? Pelo que li no programa, percebi que o voucher seria só para a primeira consulta, mas é preciso termos mais informação para se perceber como é que a medida vai ser aplicada”, sublinha.
À partida, “é uma medida positiva, mas não será suficiente para resolver o problema do acesso”. O mesmo argumento aplica ao Plano de Motivação para os Profissionais, que diz ser “positivo”. “Percebi que pode assentar no desempenho e no mérito para destacar os melhores, mas há outras questões que devem ser incluídas, como a formação contínua e mais envolvimento dos profissionais na organização e funcionamento das unidades.”
No programa, o Governo assume “garantir o acesso a uma consulta de especialidade na rede de unidades de saúde convencionadas para este efeito, sempre que seja ultrapassado o tempo máximo de resposta garantido no SNS”, tal como a garantia de que irá “aproveitar a experiência de médicos de família aposentados que pretendam continuar a trabalhar no SNS, criando condições para que tal possa acontecer”. Quer ainda “alargar o âmbito e a cobertura do programa Cheque-Dentista” e abrir “projetos-pilotos de Unidades de Saúde Familiares modelo C”.
Parcerias com privados têm de salvaguardar SNS
São medidas que não deixam dúvidas em relação ao regresso de parcerias com entidades privadas ou outras, o que leva o presidente da APAH a defender: “As parcerias com o setor privado podem ser positivas se salvaguardarem a integridade do SNS e se não resultarem em iniciativas perversas que levem ainda à saída de mais profissionais do SNS para serem contratados para projetos dos privados. Isto, não faria sentido e estaríamos a dar um tiro no pé em relação ao SNS.”
Xavier Barreto diz mesmo não “rejeitar, à partida, USF do tipo C (geridas por entidades privadas ou cooperativas). As PPP tiveram bons resultados nos cuidados hospitalares e não há nenhuma razão para que não tenham nos cuidados primários, mas tal tem de ser feito com as devidas cautelas”. Por exemplo, “não podem ser dados incentivos às USF tipo C diferentes dos que estão a ser dados às USF tipo B (gestão SNS). Era um risco enorme que se correria, porque poder-se-ia dar o caso de os profissionais começarem a deixar as USF do SNS para se agruparem e criarem USF privadas. E esse risco não se pode correr”.
O administrador hospitalar considera positiva a medida para reformular “a rede de referenciação dos serviços de urgência”, pois “é importante obter-se uma rede mais coerente na concentração das respostas”. Por outro lado, chama atenção para “a criação de uma consulta para doença aguda nos cuidados primários” - o que pode traduzir-se numa rede de centros de urgência nos cuidados primários. “É um ponto que a APAH defende há muito tempo. É o que existe em vários países da Europa, como na vizinha Espanha. E se queremos reduzir a procura das urgências hospitalares, sobretudo por doentes que embora tenham uma patologia aguda e precisem de tratamento, não são urgentes, temos de ter uma resposta alternativa. Não podemos esperar que as pessoas deixem de ir aos hospitais se não tiverem essa resposta nos cuidados primários.”
No que toca à reformulação da organização e hierarquização da Direção Executiva do SNS e se esta faz sentido nesta altura, o presidente dos administradores hospitalares assume: “É o ponto em que mais dúvidas tenho, porque do que li do programa não se percebe que proposta têm e o que querem fazer.” Resumindo, “há boas ideias no plano”, a grande questão é como é que estas vão ser aplicadas. “E não será fácil.”