Há mais jovens a peregrinar em Fátima neste 13 de maio
Luana Balão chama a atenção no meio de uma roda gigante. Estão (quase) todos vestidos de verde fluorescente, à exceção dela e de uma amiga. Veste o traje académico do Instituto Politécnico de Portalegre, onde é aluna de enfermagem, na Escola Superior de Saúde. Aos 20 anos, faz a sua primeira peregrinação a Fátima, para cumprir uma promessa. É uma entre os milhares de jovens que neste 13 de maio contribuíram para mudar o retrato envelhecido, numa certeza coletiva: há mais jovens a peregrinar em Fátima.
Não há números que o possam sustentar oficialmente, mas há as evidências. E esse aumento bem pode justificar o crescente número de grupos inscritos em cada peregrinação, que o reitor do Santuário, Carlos Cabecinhas, acredita que peque por defeito. Na visita que fez aos postos de apoio, os voluntários foram unânimes: “Referiam que este ano o número tinha aumentado em relação ao ano passado. E recordo que, no ano de 2023, depois das limitações impostas pela pandemia, assistimos a um regresso em força destes peregrinos”. Talvez não exatamente os mesmos. Na verdade, ao longo dos últimos dias, o DN encontrou em reportagem vários jovens que faziam o caminho pela primeira vez.
Luana vai limpando as lágrimas que escapam junto aos óculos redondos. Prefere não revelar a origem da promessa, mas sabe que, neste momento em que o grupo de Estremoz chega ao Santuário, não há como não ser o centro das atenções: numa imensa clareira, ao centro da roda que aquela centena de pessoas acaba por fazer, estão os sapatos de Luana. Prometeu e cumpriu: vestiu-se a rigor, e fez a caminhada a partir de Torres Novas assim calçada. Tem agora os pés ligados. A mãe, a tia e a avó, integram o grupo. E vão sabendo como está. Também ela confirma as palavras do bispo de Leiria-Fátima, José Ornelas, sobre a crescente aproximação dos jovens. Também ela se sente cada vez mais ligada à religião.
Não muito longe, encontramos Nuno Pires, 31 anos, acabado de chegar ao recinto do Santuário, de bicicleta. É a décima vez que faz a peregrinação nestes moldes, desta vez sozinho. “O que eu pretendo é aumentar a minha fé. E o facto de vir sozinho permite-me essa reflexão”, conta ao DN este analista económico, que partiu no domingo de manhã de Santa Iria de Azóia.
“É difícil saber o que vai no coração de cada um, por isso não podemos atribuir uma causa a este aumento de peregrinos jovens”, aponta o bispo José Ornelas. Mas recorda os dois estudos que, no ano passado, por altura da Jornada Mundial da Juventude, davam conta de que 60% dos jovens valorizavam as referências religiosas, enquanto 40% declaravam-se praticantes. “Conheço muita gente que vem e não são cristãos. O que me parece é que estão num tempo de busca. Não creio que seja uma moda.”
Mas estará a Igreja preparada para dar resposta a esse desafio, para encetar uma renovação de discurso? À pergunta do DN o bispo responde com a necessidade de mudança. “É um grande desafio. A Igreja tem de fazer um caminho na reelaboração das suas linguagens, para encontrar novos modos de pensar. É preciso que sejam os nossos jovens a falar. Temos de lhes dar responsabilidade, passar-lhes o microfone.”
José Ornelas não tem dúvidas de que, para isso, é preciso “uma linguagem nova”. “O tempo mudou. Temos de ter outras respostas. E isto vale para a Igreja, como para a política”, frisa. A propósito, devolve a pergunta: “Veja a minha geração, que está agora a sair de cena. Quem fez a Revolução de Abril? Capitães jovens! Foram eles que fundaram partidos, que tomaram as rédeas. Depois tivemos foi dificuldades de passar a bola para a frente”, admite.
No recinto do Santuário encontramos várias congregações, e numa delas destacam-se jovens freiras. São parte do Instituto do Verbo Encarnado, vêm de vários pontos do globo. As mais novas têm 24 e 29 anos, e desde adolescentes que decidiram entregar-se à vida religiosa. “O nosso Instituto nasceu no dia em que o Papa João Paulo II coroou a imagem de Nossa Senhora de Fátima, em 1984. E por isso temos uma grande ligação”, conta ao DN a mais velha.
Certo é que este domingo, um mar de gente iluminou o Santuário de Fátima para a procissão da velas. Os registos das entidades oficiais apontam para 250 mil peregrinos, um número apenas igualado antes da pandemia. O recinto começou a encher-se ao final da tarde, paulatinamente, até que ficou repleto. A peregrinação internacional aniversária conta este ano com grupos de peregrinos oriundos de 33 países, além de Portugal. Até ao início da noite fizeram-se anunciar nos serviços do Santuário de Fátima 186 grupos. Mas serão muito mais, como admite o reitor.
Mais peregrinos desde janeiro
Nos serviços do Santuário inscreveram-se mais de 50 grupos de peregrinos a pé. Mas a maioria dos grupos não se inscreve, e por isso não poderão ser contabilizados. Dos que constam oficialmente dos registos, o maior partiu de Travanca, diocese do Porto, e o que chegou de mais longe a norte veio de Montalegre. Já do sul, a nota equivalente aponta para Aljustrel, diocese de Beja.
O aumento de peregrinos começou a ser notado na chamada época baixa. Ou seja, entre janeiro e abril. E aí os números são expressivos: “Nestes primeiros quatro meses registámos 1 023 682 participantes em 3004 celebrações. Em relação ao ano passado isso significa um aumento de 26,5%”, sublinhou o reitor Carlos Cabecinhas.
Mas é nos grupos estrangeiros que o Santuário regista ainda uma maior afluência. Se entre as peregrinações de portugueses o número se ficou pelos 243, e mais de 58 mil participantes, já entre os estrangeiros foram contabilizados 845 grupos, embora com menos participantes (mais de 36 mil). E foi precisamente no último mês que dispararam as visitas. De 71 grupos em janeiro passámos para 506 em abril, quase o dobro do registado em igual período do ano passado. Espanha e Polónia continuam a liderar o top-10 dos países, seguidos de Itália, Estados Unidos da América, Brasil, Coreia do Sul, Filipinas, México, Croácia e Ucrânia.
Num encontro com os jornalistas que antecedeu a celebração deste domingo, a primeira da peregrinação internacional aniversária, o padre Carlos Cabecinhas admitiu que pode estar em causa algum “desvio” dos grupos que habitualmente se deslocavam à Terra Santa. A guerra na faixa de Gaza tem afastado qualquer peregrinação, bem como o turismo religioso.
A peregrinação deste ano é presidida pelo cardeal Juan José Omella, arcebispo de Barcelona. No encontro com a imprensa, afirmou sentir-se “mais um peregrino em Fátima”. “Estar aqui é uma experiência profunda, onde renovamos a nossa fé. Isto é como um carro que para na bomba de gasolina para abastecer”, ironizou o cardeal, ao mesmo tempo que destacava a Mensagem de Fátima, e tudo aquilo que ali se encontra em tempo de peregrinação. “É uma mensagem de fraternidade, de conversão à santidade, e também de alegria. Mostremos alegria, que é tão importante”, sublinhou.