Há dez vezes mais alunos que têm a escola em casa
Em quatro anos letivos, de 2012-13 a 2015-16, o número de alunos que estudam em casa - através do ensino doméstico, a cargo dos pais, ou individual, com tutores - disparou de 63 para 661 crianças, segundo dados cedidos ao DN pelo Ministério da Educação.
A opção continua a não ser consensual. Em entrevista ao DN, a pedopsiquiatra Ana Vasconcelos defende que, em circunstâncias normais, as crianças "gostam de estar na escola" e é lá que devem estar. "O ser social que é o humano, a partir dos 6 ou 7 anos, gosta de estar com os seus pares a maior parte do dia", diz.
Mas, mesmo com números que continuam a ser residuais no universo de mais de um milhão de estudantes - de acordo com o ministério, "esta opção abrange essencialmente crianças no 1.º ciclo" -, há claramente uma tendência que tem vindo a ganhar adeptos entre os portugueses.
Sofia Gallis, presidente da Associação Movimento Educação Livre (MEL) - que apoia famílias que optam por abordagens pedagógicas alternativas -, defende que o crescimento exponencial dos alunos neste ensino se deve a "uma maior consciência por parte dos pais daquilo que querem para a educação dos filhos". Não esconde que há uma parcela de inadaptação dos alunos cujas famílias escolhem este sistema. Mas associa-a mais a um "descontentamento com a escola" do que a fragilidades das crianças. "Notamos um crescendo de alunos mais velhos, que sempre foram à escola, e os pais decidem tirá-los e passar para o ensino doméstico", conta. "Não tem que ver com os resultados escolares, necessariamente", garante. "Tem que ver com mal-estar físico e psicológico. A não encaixar na norma. E cada vez são mais os alunos que não se encaixam."
Os alunos nestes regimes têm de realizar exames nacionais e provas de equivalência à frequência a todas as disciplinas no final de cada ciclo. E, apesar de não existirem dados oficiais, Sofia Gallis garante que, entre os filhos dos associados da MEL, "a grande maioria passa" nestas provas.
Defende também que o conceito de sucesso não se esgota nas notas. "Queremos alcançar boas notas? Bem-estar emocional e psicológico? Queremos proporcionar experiências ricas, em contextos de vida real que promovem a aprendizagem?", ilustra.
Quem não consegue explicar a subida é Manuel Micaelo, coordenador da Fenprof para o 1.º ciclo. "Por vezes acontecem estes movimentos, mas não vejo nenhuma razão objetiva que o explique", frisa. O dirigente lembra que "as crianças têm direito à educação. Se os pais querem ficar com elas ou pedir que vá alguém a casa ensiná-las, também têm esse direito. Não me parece que tenha grandes vantagens nomeadamente ao nível da sociabilização, que é diferente".
"Interagem muito mais"
João Taborda da Gama, jurista e colunista do DN, e a mulher são um dos novos casos de famílias que decidiram testar este modelo. Um dos seis filhos, uma rapariga, que estava a sentir dificuldades de adaptação à escola, vai aprender em casa neste ano: "Ela está muito contente, mas ainda é cedo para fazer uma apreciação minimamente constante", admite, acrescentando que esta ainda não é uma decisão definitiva, muito menos algo que pensem para já generalizar. "Tem muito que ver com as crianças, não se aplica a todas. Estamos a experimentar", resume.
Mas também há famílias que assumem esta opção como "um despertar para uma nova filosofia de vida. E não olham para trás".
Sílvia e Paulo Cópio têm três filhos, entre os 15 e os 9 anos. Todos passaram pela escola tradicional antes do ensino doméstico. Dos resultados dos filhos, Sílvia não adianta muito - "não ligamos às notas", explica -, não deixando de confirmar que em todos os casos estes são "melhores" do que os que obtinham na escola.
Prefere também sublinhar os ganhos globais na qualidade de vida da família: "Os miúdos não brincavam. Tinham trabalhos de casa e projetos para fazer ao fim de semana. Por termos três filhos, os nossos dias eram muito condicionados pela escola", conta.
Sobre o possível isolamento dos filhos, garante que essa é uma ideia que não poderia estar mais errada, pelo contrário, garante. "A inadaptação, influenciada também pela timidez", foi um dos fatores que pesaram na decisão da família. E os resultados são claros: "Sinto os meus filhos muito mais sociáveis agora. Interagem muito mais com as pessoas, são mais abertos."
Pedro, o filho do meio, diz ter encontrado formas de manter o contacto com os antigos colegas. "De vez em quando, como tenho o telemóvel, ligo para os meus amigos nos intervalos da escola deles. E podemos sempre combinar coisas ao fim de semana", acrescenta. Quando à aprendizagem, diz, "a diferença é que temos mais atenção para nós e é mais fácil aprender" e "não há horários". Além disso, acrescenta a mãe, há um grupo de famílias com a mesma opção, o que acaba por alargar o círculo de amizades dos filhos.
A família tem uma organização semanal que contempla atividades educativas programadas às segundas, quartas de manhã e sextas-feiras. Os outros dias são livres: "Podemos ir a um museu, ao parque, ficar em casa se fizer sentido em determinada altura."
Outro "mito" que gosta de desfazer é o de que esta opção está reservada a famílias ricas. A maioria das pessoas que conhece que optaram pelo ensino doméstico, garante, encaixam no perfil "da classe média e classe média baixa. São pessoas que tiveram de fazer opções, nem sempre fáceis", conta Sílvia. Ela própria, especialista em preservação de património e museologia, abdicou de um vínculo de vinte anos para abraçar o seu ideal.