Marta Leandro: "Há avanços, mas são lentos face às necessidades do planeta"
Marta Leandro, vice-presidente da Direção Nacional da Quercus, falou com o DN sobre as principais decisões que se espera que possam sair desta conferência do clima. O primeiro esboço do texto final não é consensual e ainda vai ser revisto para agradar todos os países.
Quais são as decisões mais importantes a sair da COP27?
Há duas conclusões importantes em que esperamos que existam realmente avanços. A primeira tem a haver com o acordo sobre perdas e danos climáticos. Há, pelo menos, dez anos que estamos a falar desta questão da equidade e solidariedade norte-sul. Este mecanismo protege os países que têm menos recursos e responsabiliza os que têm historicamente mais responsabilidades em termos de emissões de gases com efeito de estufa (GEE). Estes países com mais responsabilidade têm uma dívida climática e ecológica para com os menos ricos e que são as principais vítimas.
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Vimos as cheias no Paquistão, por exemplo, em que um terço do país ficou submerso e este contribui com cerca de 1% para as emissões globais de gases com efeito de estufa. Os países comprometeram-se com a meta de 100 mil milhões de dólares anuais, um valor que consideramos insuficiente face aos prejuízos climáticos que já se verificaram.
Esta é uma grande meta mas, infelizmente, temos países, nomeadamente os Estados Unidos, que estão a querer desresponsabilizar-se, sem assumir compromissos de uma forma mais assertiva. Os contributos nacionalmente determinados têm de ser atualizados de modo a garantir que ficamos o mais perto possível de limitar o aumento global da temperatura aos níveis pré-industriais (1,5ºC). É preciso haver um desinvestimento nos combustíveis fósseis, que são os principais contribuintes para esta crise climática, e uma aposta nas energias limpas. O que fizermos nesta década vai ser de extrema importância para atingirmos uma situação de segurança climática para todo o planeta e para as gerações futuras.
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A meta de 1,5ºC é realmente possível?
Na Quercus pensamos que é difícil porque as intenções dos decisores políticos e económicos não estão na prática a caminhar para a redução das emissões. Temos insistido muito nesta questão que é essencial, em particular até ao final da década, e gostaríamos de ver os governos, não só em Portugal mas em toda parte, a fazer um esforço de mitigação. Não é uma meta impossível, mas vai depender da vontade política e de manter a pressão sobre os decisores.
A guerra na Ucrânia de alguma forma desviou o foco das decisões políticas para outras questões? O que é que isso pode significar?
A guerra expôs as nossas fragilidades. Estávamos numa situação de dependência energética externa, além de numa situação de enorme dependência fóssil. É difícil compreender a dualidade dos governos, incluindo o português. Temos um primeiro-ministro que vai à COP incentivar a necessidade de descarbonizar a economia, mas que também foi recentemente a Moçambique dizer que vai comprar mais gás, além de tentar criar gasodutos quando a Europa tem de desinvestir o mais possível no gás. Nesta COP também se falou muito dos lobistas fósseis, em que muitos deles integram delegações nacionais e têm acesso direto às reuniões e aos textos que estão a ser escritos. Há mais representantes dos lóbis fósseis do que dos dez países mais afetados pela alteração climática em curso. Isto é preocupante porque pode inverter os compromissos climáticos que precisamos para manter a segurança climática.
Nesta COP27 os países ricos pediram a todos os outros, incluindo os mais pobres, para reduzirem emissões. O que é que isto revela sobre estas conferências e a sua necessidade na luta pelas alterações climáticas?
Infelizmente a ONU é uma organização lenta e burocrática mas para a Quercus é importante que este fórum diplomático climático se mantenha. Se não houvesse COP"s a situação seria ainda pior. No entanto, gostaríamos de ver COP"s mais ambiciosas, com compromissos políticos de facto efetivos, sem esta ambiguidade entre o que se diz e se faz, e sem tantos interesses dos fósseis, que têm um papel que não é de todo desejável. A pressão da rua e da sociedade civil continua a ser um fator de extrema importância para que os decisores políticos e económicos a sintam e ajam em conformidade. Apesar de tudo tem havido avanços. Agora face às necessidades do planeta são avanços lentos.
Como é que Portugal se tem envolvido na luta contra as alterações climáticas nesta COP27?
Portugal tem de ter um discurso e uma prática coerentes. Estamos a viver uma situação de emergência climática e o Governo tem de agir em conformidade. Através do PRR estamos a apostar em obras que não fazem sentido, quando [o dinheiro] podia estar a ser utilizado em investimentos mais relevantes. Apesar de todos os esforços que têm sido feitos em Portugal nos últimos anos, ainda temos a lei do clima por implementar, além de termos de fazer uma descarbonização de todos os setores da atividade económica. Temos de fazer um esforço legislativo em que os diplomas a adotar tenham em conta o impacto climático e ambiental que vão trazer.
sara.a.santos@dn.pt
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