Grávida do Barreiro esperou horas para entrar no Hospital de Cascais para ser assistida. Feto chegou sem vida
Uma grávida de 38 anos, com 31 semanas de gestação, sentiu-se mal na noite de quarta-feira, dia 2 de julho, com fortes contrações e sentindo que o movimento do bebé era diferente, “menor atividade”, segundo contam ao DN. A grávida liga para Linha SNS24 para saber o que fazer e, segundo indica na sua história clínica, terá estado uma hora sem ser atendida. O agravamento das dores levam-na a ligar para o INEM para pedir socorro, o qual, e segundo é referido também ao nosso jornal, terá estado 1h50 minutos, até conseguir encaminhar a grávida, que chegou às 4h00 da manhã à urgência do Hospital de Cascais, já “com descolamento da placenta, hemorragia e o feto sem vida” .
A denúncia é feita ao DN pela presidente da Federação Nacional dos Médicos (Fnam), Joana Bordalo e Sá, que diz ser “mais uma notícia trágica” sobre a resposta do SNS na área da obstetrícia. A dirigente sindical conta ainda ao DN que entre o contacto para a Linha SNS24 e a chegada ao hospital de Cascais passaram mais de cinco horas. “Sabemos que à 1:30 a utente contactou o INEM e só chegou as Cascais às 4 horas da manhã”, o motivo na morosidade da resposta parece dever-se ao facto de a urgência de obstetrícia do Barreiro estar fechada e outras unidades não terem vagas como a de Santa Maria ou da Maternidade Alfredo da Costa, em Lisboa, na área da neonatologia. Segundo explicaram ao DN, Garcia de Orta não tinha vagas também e Setúbal não recebe prematuros.
Para Joana Bordalo e Sá este é mais um caso de “muita consternação e de muito pesar com um fim trágico pela resposta do SNS. Uma mãe que estava em sofrimento e desespero viu o SNS a falhar num momento muito crítico. Por isso, e desde já, em nome da FNAM, endereçamos à família e à grávida as mais sentidas condolências”, acrescentando que “nenhuma grávida deveria passar por esta angústia. E, muito menos, por ser uma consequência direta do colapso de um serviço que a deveria ter protegido nos cuidados”.
A sindicalista reforça o que é dito na edição desta sexta-feira do DN sobre o verão em que os profissionais preveem que “pode ser igual ou pior do que em 2024”. “É o resultado de uma política total de abandono deste Ministério da Saúde de Ana Paula Martins, e que é inadmissível em pleno século XXI”. Ou seja, “uma mulher com sinais evidentes de urgência obstétrica ter de esperar tanto tempo e ter de atravessar o Tejo à procura de um serviço que estivesse aberto e com capacidade para lhe dar resposta, sendo transportada já de forma tão tardia. Esse tempo foi muito precioso e revelou-se fatal para o feto”.
O DN contactou já a Direção Executiva do SNS sobre este caso, confrontando com todos os dados disponíveis, e pedindo uma reação. Recorde-se que, em resposta ao DN, nesta quinta-feira a DE-SNS refere que em caso de falhas nas escalas e de outras situações as soluções têm sido encontradas em conjunto entre Unidades Locais de Saúde e a DE. Mas não obteve qualquer resposta sobre o assunto até à hora de publicação desta notícia.
O DN enviou ainda questões para a Linha SNS24 para apurar o motivo do não atendimento, referido pela grávida, na noite de quarta-feira, e obteve a seguinte resposta dos Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (SPMA), organismos que gere a linha telefónica: "Cumpre esclarecer que não há registo de qualquer constrangimento na Linha SNS 24 nos dias 2 e 3 de julho. O tempo máximo de espera para atendimento de utentes grávidas situou-se, entre as 23 horas do dia 2 de julho e as 2 horas do dia 3 de julho, nos 73 segundos. também não obteve resposta". A SPMS repete também o que é dito pelo INEM, em resposta ao DN: "Auditado o sistema da Linha SNS 24, registam-se duas chamadas do número de telefone indicado, pela utente, sendo que a primeira chamada, para a opção 'Linha SNS Grávida' à 01h20, foi desligada após 41 segundos de espera. A segunda chamada, na qual foi acionada a opção 'Problemas Respiratórios', foi realizada à 01h23 e desligada à 01h28".
Esclarecendo ainda que "a Linha SNS 24 atendeu, à 1h30 do dia 3 de julho, a referida utente, através de uma chamada transferida pelo Centro de Orientação de Doentes Urgentes do INEM - Instituto Nacional de Emergência Médica. A Linha SNS 24 realizou triagem de acordo com o algoritmo, em vigor, aprovado pela Comissão Nacional da Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente, tendo resultado no encaminhamento para o Serviço de Urgência Obstétrica. De acordo com a matriz de referenciação, o Serviço de Urgência Obstétrica que cobria a localização da utente (concelho do Barreiro), no momento do contacto telefónico, era o serviço de Urgência Obstétrica da Unidade Local de Saúde Santa Maria - Hospital Santa Maria. A utente foi, por isso, referenciada para o Hospital Santa Maria".
O INEM, e sobre a questão de a grávida ter de aguardar 1h50 para haver decisão sobre para que unidade poderia ser encaminhada, recebemos a resposta de que tal "não corresponde à verdade". Segundo o instituto, não se confirma que tenha sido necessário 1h50 para encaminhar a utente. Na resposta é referido que “o Centro de Orientação de Doentes Urgentes (CODU) do INEM recebeu uma chamada à 1h30 para assistência a uma utente de 38 anos, com gravidez de 31 semanas e 4 dias. O resultado da triagem determinou o encaminhamento da chamada para o SNS24. Pelas 1h47, o CODU recebeu nova chamada do local, dando conta de uma redução do tempo entre contrações, sem rutura de bolsa. O INEM acionou uma Ambulância dos BV do Barreiro que, após avaliação da utente, transmitiu dados clínicos ao CODU às 2h28”.
Ou seja, refere ainda, que “até às 2h48, o CODU tentou localizar urgência obstétrica com capacidade, tendo contactado o Hospital de Setúbal, Santa Maria e MAC, que informaram não receber por não dispor de vagas de neonatologia. A utente foi então referenciada para o Hospital de Cascais, que não apresentava constrangimentos. Pelas 2h51, a equipa dos Bombeiros ligou novamente ao CODU dando conta de que a grávida sofrera uma hemorragia. Reconhecendo a potencial gravidade da situação, o CODU acionou imediatamente a Viatura Médica de Emergência e Reanimação (VMER) do Hospital do Barreiro, que prestou assistência à utente e o acompanhamento do transporte ao Hospital de Cascais”.
A grávida chegou a Cascais pelas 4:00 com o feto já sem vida. Recorde-se que, segundo dados dos bombeiros, este ano, 36 grávidas já tiveram bebés em ambulâncias, por não conseguirem chegar a tempo à unidade que as pode receber.
Ministério da Saúde assegura que "foi garantido o acesso aos cuidados de saúde"
O Ministério da Saúde emitiu entretanto um comunicado sobre este caso no qual reafirma a informação dada ao DN pelo INEM. "O primeiro contacto entre a grávida e o SNS ocorreu às 1h30 com uma chamada para o INEM", sendo que "o resultado da triagem determinou o encaminhamento da chamada para a Linha SNS Grávida, do SNS 24". E que a "utente voltou a contactar o INEM às 1h47, que acionou os meios necessários".
O ministério garante que "a utente teve acompanhamento diferenciado de um médico da VMER no percurso entre o Barreiro e o Hospital de Cascais". E, nesse sentido, diz que "não corresponde à verdade" que "tenha sido recusada a assistência à grávida, por motivo de encerramento dos serviços de urgência de obstetrícia da Península de Setúbal".
"Dado que era uma gravidez de 31 semanas, pré-termo, houve necessidade de encaminhar a utente para um hospital com apoio perinatal diferenciado (neonatologia). Em todos os momentos, foi garantido o acesso aos cuidados de saúde, concluindo-se que a resposta prestada à utente, quer pela Linha SNS Grávida, quer pelo INEM, foi congruente com os protocolos de referenciação e de acesso em vigor", sublinhando que "lamenta o desfecho da situação e endereça condolências à família".