Desde 1899 que o Instituto Nacional e Saúde Dr. Ricardo Jorge, mantém a mesma missão - ou melhor, uma tripla missão, como laboratório do Estado no setor da saúde, laboratório nacional de referência e observatório nacional de saúde. O seu fundador, o médico e humanista que hoje lhe dá o nome, traçou-lhe o destino com um objetivo muito preciso: “Contribuir para ganhos em Saúde Pública através de atividades de investigação e desenvolvimento tecnológico, atividade laboratorial de referência, observação da saúde e vigilância epidemiológica, bem como coordenar a avaliação externa da qualidade laboratorial.” Mas não só. O INSA foi também criado por Ricardo Jorge para difundir “a cultura científica, fomentar a capacitação e formação e ainda assegurar a prestação de serviços diferenciados”. O atual presidente, Fernando Almeida, não tem dúvidas de que o instituto, hoje com mais de 600 funcionários, “tem cumprido a sua missão”, mas precisa de mais para poder enfrentar o futuro..O legado do INSA começou com o médico que lhe dá o nome e que teve de lidar com a primeira pandemia do século XX - a peste bubónica. Nos dias de hoje, e após quatro anos da pandemia do século XXI, qual é a importância do INSA para a sociedade? Em função do que aconteceu nos anos da pandemia, posso já dizer que o Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (INSA)teve um papel de charneira e decisivo no combate à pandemia do século XXI, em várias áreas. Uma delas tem a ver com a área da testagem, que foi determinante no combate ao vírus, porque quanto mais depressa tivéssemos diagnósticos, mais depressa poderíamos atuar, não só do ponto de vista da Saúde Pública, como da prevenção e também do tratamento. E foi nesta área que o INSA teve uma intervenção clara e muito significativa, fazendo testes e colaborando com todas as instituições, fossem da academia ou do setor privado. Por outro lado, e ainda nesta área, foi o INSA que teve de validar muitas metodologias de laboratórios que pretenderam colaborar na testagem, o que permitiu duplicar a capacidade de produção..Mas o INSA também teve, e tem ainda, um papel na deteção das variantes do SARS-CoV-2? Sim. Foi o laboratório que ficou com a Coordenação Nacional da Área da Genómica e das Variantes. O instituto recebia o contributo (amostras) que todos os laboratórios enviavam para se fazer a vigilância das variantes que estavam a circular em Portugal. E, na área da epidemiologia, também tivemos um papel importante, porque era o INSA que determinava o R(t) - Rácio de Transmissibilidade. Portanto, pode dizer-se que o nosso laboratório durante a pandemia esteve na previsão da doença, na identificação e monitorização das variantes e na estratégia de mitigação do vírus. Porque analisámos também a mortalidade, para saber se havia aumento ou não. E, quando apareceu a vacinação, também fomos nós que analisámos o seu impacto e a sua eficácia. Era importante saber se havia diminuição da doença pelo facto de as pessoas estarem vacinadas..Que lições é que o INSA retirou do período da pandemia? Foi um período marcante para um instituto com 125 anos? Claro que sim, foi um dos mais marcantes da sua história. Sem dúvida. O instituto resultou de um episódio que aconteceu no Porto há 125 anos, que foi a peste bubónica. E nessa altura, tal como há quatro anos, a primeira medida foi a criação de um cordão sanitário. As medidas foram as mesmas. Só que o episódio de há 125 anos criou a necessidade de o país se organizar em duas áreas fundamentais, uma do ponto de vista normativo, o que levou à criação da Direção-Geral da Saúde, que também foi dirigida pelo dr. Ricardo Jorge, e do ponto de vista técnico, levando à criação de um grande laboratório, que foi o INSA. Esta foi a lição aprendida há 125 anos. Agora, uma das lições que podemos tirar é a de que o instituto precisa de se modernizar, precisa de ter a oportunidade de passar por um processo de transformação, na sua orgânica e nas suas funções para se adaptar a novos desafios que, de certeza absoluta, mais ano menos ano, estarão aí..O que receia? Costumo dizer que, para Portugal, o maior risco pós-pandemia é o esquecimento, das organizações, das instituições, da política de gestão e das próprias pessoas. Repare, a população mal se lembra da pandemia. E tenho de dizer isto porque é urgente e necessário não perdermos o foco do que nos aconteceu. A nível europeu está a haver um movimento fortíssimo de organização e preparação dos países e serviços para eventuais novas pandemias. Esperamos que não aconteçam, mas Portugal tem de estar preparado, para que não aconteça o que aconteceu há quatro anos, em que não tínhamos testes sequer, equipamentos ou máscaras. Não havia rigorosamente nada..Falou na necessidade de modernizar o INSA para estar preparado para eventuais pandemias e outros desafios. Como é que isso se faz? O INSA está em pleno processo de modernização, não só de infraestruturas, como de restituição dos seus recursos humanos, mas o próximo passo tem de ser um processo de transformação organizacional. Ou seja, precisamos de um instituto mais eficaz, mais eficiente e, sobretudo, mais leve para que possa responder com maior rapidez a todas as emergências de Saúde Pública que possam surgir. Portanto, o que precisamos é de ter dispositivos legais que nos permitam ter maior liberdade e maior eficácia no exercício da nossa função. O INSA tem uma estrutura muito pesada, que tem de ser modernizada, e precisa de mais autonomia, não pode estar à espera de autorizações para poder tomar decisões, que têm de ser muito rápidas..Quando fala em estrutura mais leve, a que se refere concretamente, menos recursos ou serviços? Eu sou das poucas pessoas que dirige um instituto público e que diz que não precisa de recursos humanos, mas tenho de ter capacidade para poder recrutar algumas pessoas de que preciso para determinadas situações. O que o INSA precisa é de ter liberdade de contratualização, para ir buscar pessoas que estão fora do edifício do Estado. O instituto não pode estar dependente de concursos internos, que, na maior parte das vezes, ficam vazios. Esta é uma das áreas cruciais para a modernização e eficiência. Não quero mais recursos humanos, quero é ter a faculdade de recrutar as pessoas de que o instituto precisa do ponto vista técnico. O outro passo é libertar o instituto da parte mais burocrática e das autorizações de despesas. Não diria que passamos um calvário, mas passamos muito, muito tempo, por vezes, três a quatro meses à espera de autorizações de despesas para trabalharmos. Ou seja, ao fim de 13 anos de nova estrutura, o INSA, para expandir a sua área técnica e de investigação, precisa de mais autonomia..Nesta fase, quais são os principais projetos do INSA? Temos imensos projetos. Desde logo, o facto de sermos coordenadores da Estratégia Nacional de Medicina Genómica, que é o futuro para a medicina personalizada e de precisão. Isto implica uma mudança total do paradigma atual, não só no diagnóstico, mas também no tratamento de algumas situações, nomeadamente na área do cancro. De modo muito simples, tentamos, através de estudos genómicos, perceber com maior profundidade alguns tipos de doenças e as suas alterações, o tipo de gene, o que está em causa, como podemos intervir e se a maior parte dos tratamentos, quer cirúrgicos ou terapêuticos, têm ou não maior efetividade. Mas quando falo em projetos associados à medicina genómica, também falo da medicina transgenómica e metagenómica, bem como de projetos de aplicação da Inteligência Artificial à medicina, sobretudo na área dos diagnósticos..Depois temos outros projetos, como o Revive, a rede de vigilância de vetores, ou de vigilância de mosquitos transmissores de dengue, zika, chikungunya. Já temos cá instalada uma das espécies, o aedes albopictus, e temos de fazer a sua vigilância. Mas o maior desafio do INSA é a sua preparação permanente para responder às necessidades de emergência em Saúde Pública, desde uma suspeita de bioterrorismo à suspeita de ébola..Como presidente do INSA, considera que a população tem noção do trabalho que fazem? Essa é uma pergunta difícil, mas acredito que hoje em dia a população já tem conhecimento do trabalho imenso que fazemos, quer seja por fruto do nosso papel na covid-19, quer seja por outras situações, por exemplo o trabalho que fazemos com o rastreio neonatal através do Teste do Pezinho. Ou através do trabalho que fazemos no laboratório de análise de dopagem, que é um dos 29 acreditados mundialmente. Portanto, isto são motivos para haver conhecimento e orgulho no que se faz no INSA..Já falou dos desafios do INSA enquanto organismo, mas quais são os desafios em Saúde Pública com que o INSA vai ter de lidar no futuro? Se me pergunta se vai haver alguma outra pandemia ou novas emergências em Saúde, digo-lhe que vai haver, de certeza absoluta. Não sabemos é quando. Em relação ao INSA posso dizer que estamos garantidamente preparados. E posso dar exemplos, Quando foi a crise do ébola, estivemos lá durante quatro anos a preparar aquelas pessoas todas. Quando há crises com o aparecimento de sarampo, de legionelas, etc., o instituto está presente e em plena atividade. E, agora, melhor preparados do que estávamos. E aproveito para citar a dr.ª Graça Freitas, ex-diretora-Geral da Saúde: “Em Saúde Pública temos de estar sempre preparados para o pior.”.E como presidente do INSA, considera que a própria população portuguesa está mais bem preparada para uma emergência em Saúde? A população portuguesa deu uma lição de comportamento e de civismo num dos piores momentos que atravessámos, através da adesão maciça à testagem, à vacinação, na maneira como soube acatar algumas das medidas complicadas que tiveram de ser imple- mentadas. Foi uma lição de civismo e de colaboração institucional. Agora, tenho um pedido a fazer às pessoas e é: reconheçam o instituto por aquilo que aqui faz, confiem no nosso trabalho, porque já demos provas de capacidade e de qualificação na resposta às emergências de Saúde Pública. Continuem a conhecer-nos, procurem-nos e façam-nos perguntas. O INSA é uma instituição com história, que tem feito história e que vai continuar a fazer história. Disto não tenho dúvida nenhuma..anamafaldainacio@dn.pt