A maior parte da comunidade ismaili em Portugal tem origem na Índia mas veio via Moçambique, depois da independência. Porque escolheram Portugal?Havia uma ligação muito forte. Moçambique era uma colónia portuguesa e a comunidade dominava a língua portuguesa, e culturalmente já estávamos muito mais próximos de Portugal do que da Índia. Foram mais de 70 anos de vida naquele território então português. Era muito mais óbvio que a escolha fosse onde as pessoas se sentissem mais em casa.E estamos a falar de pessoas que vieram de alguma zona específica das atuais Índia e Paquistão? Algumas eram paquistanesas, mas somos predominantemente do estado do Gujarate, na Índia. Quando dizemos que os ismailis são um ramo do islão xiita, as pessoas associam muito o xiismo ao Irão, mas, na verdade, o vosso ramo religioso é muito particular?Como teóloga, investigadora nestas áreas, vejo que esta ligação dos ismailis ao xiismo é muito original, ou seja, vem do tempo do imã Ali, que é o precursor, digamos assim, o fundador do xiismo. “Shiat Ali” significa os partidários de Ali. Em relação ao imã Ali, há inclusive livros sobre a forma como ele via o mundo e como entendia a ética muçulmana, e, portanto, a comunidade segue muito os seus ensinamentos diretamenteMas depois a comunidade acaba por surgir de um ramo especial que nasce no Médio Oriente, há mais de mil anos, mas que hoje em dia, por razões históricas, tornou-se mais forte na Ásia do Sul, não é? A maior parte da comunidade, aqui em Portugal, tem origem na Ásia do Sul. Mas existe também uma população na Ásia Central. Tajiquistão e Afeganistão, certo?Sim, se bem que no Afeganistão não tanto neste momento. Mas muitos no Tajiquistão. Os pamires estão espalhados pela região, boa parte no vale do Hunza, no Paquistão, e também há população na China. Portanto, os ismailis não são só sul-asiáticos, embora esses representem uma grande fatia.Em termos de diáspora , hoje são Portugal, Canadá e Reino Unido os centros principais, ou vivem em mais países no Ocidente? Temos até gente na Nova Zelândia, na Austrália, mas sim, a comunidade está muito centrada nestes países ocidentais. Há também uma comunidade na Síria.Na Síria, nesse Médio Oriente onde o ismailismo surgiu.Sim, sim. Na zona de Salamiyeh. Fala-se muito da condição da mulher nos ismailis, que são muito emancipadas, um contraste com outras correntes do Islão. É assim?Sim, são mulheres, muito à luz daquilo que foram sempre os ensinamentos do falecido imã, que sempre foram muito encorajadas. Aliás, desde o tempo do avô deste falecido imã. Uma das coisas que ele dizia às famílias, é uma frase muito conhecida, era que quando os pais tivessem dois filhos, e fosse um rapaz e uma rapariga, e só pudessem dar educação a um deles, que optassem por dar à filha, porque ela iria moldar a sociedade. E, portanto, este tipo de investimento no elemento feminino da família e na reprodução desses saberes ao longo do tempo, sempre foi algo que foi sendo encorajado pelos líderes espirituais. Obviamente, que do ponto de vista cultural, onde as mulheres estejam integradas, assim será muito moldada a sua forma de estar no mundo, porque se eu for portuguesa e viver numa sociedade portuguesa, onde existem determinados padrões de comportamento das mulheres, eu irei ser muito portuguesa antes de ser muçulmana, não é? Eu até posso dizer que, em tempos, quando fiz a minha tese de mestrado sobre as muçulmanas em Portugal, considerava que eram mais progressistas e evoluídas do que as mulheres tradicionais portuguesas. Senti isso como mulher também. A integração ismaili em Portugal foi bem conseguida? A integração da comunidade ismaili em Portugal foi bem conseguida, mas não foi só porque é uma comunidade que se quis integrar bem. Eu acho que a integração é sempre feita de dois lados. Tem que ser do lado de quem recebe e do lado de quem entra. Na altura, a nossa entrada em Portugal coincidiu com a Revolução de Abril de 1974, que preconizava vários ideais, entre eles o acolhimento de quem vinha das ex-colónias. E, portanto, de muitas maneiras, consciente ou inconscientemente, havia essa receptividade e havia esse conceito fraterno.O Imamat Ismaili ter escolhido Lisboa para a sua sede mundial surpreendeu a comunidade? Na altura, surpreendeu. Mas, com o tempo, fomos percebendo que, efetivamente, resultava daquilo que tinha sido construído aqui em Portugal pelos ismailis, e a própria realidade dos portugueses, a forma como os portugueses entendiam o seu passado. Portanto, apesar de haver uma quase nula perceção de conhecimento do que é a presença muçulmana em Portugal, houve sempre, culturalmente, abertura para que esse processo pudesse acontecer. Tem um momento com o falecido Aga Khan que queira contar? Lembro-me de uma frase que ele dizia, “O tempo é muito crítico”, “Time is critical”. Portanto, era importante considerar que o tempo leva o seu tempo, não é? Que as coisas acontecem com muito esforço, por muita vontade que haja em fazer mudanças, elas têm o seu próprio tempo de acontecer. Ele referia-se à própria obra que foi construindo ao longo da sua vida, dos seus 68 anos de imamato. Lembro -me também de ele ter falado de uma confiança muito grande nos portugueses e em Portugal. E que eu pessoalmente vejo isso como uma esperança e um otimismo em relação àquilo que estamos a viver no nosso país. Que esperar do novo Aga Khan?Conta com o importante legado do pai, e foi muito preparado para a missão. Sei que perante os desafios em termos sociais e políticos do mundo atual está muito bem acompanhado com a família que tem e também com a liderança que está criada dentro das instituições da comunidade ismaili..Rahim Aga Khan, o novo líder da comunidade ismaelita que defende as causas ambientais
A maior parte da comunidade ismaili em Portugal tem origem na Índia mas veio via Moçambique, depois da independência. Porque escolheram Portugal?Havia uma ligação muito forte. Moçambique era uma colónia portuguesa e a comunidade dominava a língua portuguesa, e culturalmente já estávamos muito mais próximos de Portugal do que da Índia. Foram mais de 70 anos de vida naquele território então português. Era muito mais óbvio que a escolha fosse onde as pessoas se sentissem mais em casa.E estamos a falar de pessoas que vieram de alguma zona específica das atuais Índia e Paquistão? Algumas eram paquistanesas, mas somos predominantemente do estado do Gujarate, na Índia. Quando dizemos que os ismailis são um ramo do islão xiita, as pessoas associam muito o xiismo ao Irão, mas, na verdade, o vosso ramo religioso é muito particular?Como teóloga, investigadora nestas áreas, vejo que esta ligação dos ismailis ao xiismo é muito original, ou seja, vem do tempo do imã Ali, que é o precursor, digamos assim, o fundador do xiismo. “Shiat Ali” significa os partidários de Ali. Em relação ao imã Ali, há inclusive livros sobre a forma como ele via o mundo e como entendia a ética muçulmana, e, portanto, a comunidade segue muito os seus ensinamentos diretamenteMas depois a comunidade acaba por surgir de um ramo especial que nasce no Médio Oriente, há mais de mil anos, mas que hoje em dia, por razões históricas, tornou-se mais forte na Ásia do Sul, não é? A maior parte da comunidade, aqui em Portugal, tem origem na Ásia do Sul. Mas existe também uma população na Ásia Central. Tajiquistão e Afeganistão, certo?Sim, se bem que no Afeganistão não tanto neste momento. Mas muitos no Tajiquistão. Os pamires estão espalhados pela região, boa parte no vale do Hunza, no Paquistão, e também há população na China. Portanto, os ismailis não são só sul-asiáticos, embora esses representem uma grande fatia.Em termos de diáspora , hoje são Portugal, Canadá e Reino Unido os centros principais, ou vivem em mais países no Ocidente? Temos até gente na Nova Zelândia, na Austrália, mas sim, a comunidade está muito centrada nestes países ocidentais. Há também uma comunidade na Síria.Na Síria, nesse Médio Oriente onde o ismailismo surgiu.Sim, sim. Na zona de Salamiyeh. Fala-se muito da condição da mulher nos ismailis, que são muito emancipadas, um contraste com outras correntes do Islão. É assim?Sim, são mulheres, muito à luz daquilo que foram sempre os ensinamentos do falecido imã, que sempre foram muito encorajadas. Aliás, desde o tempo do avô deste falecido imã. Uma das coisas que ele dizia às famílias, é uma frase muito conhecida, era que quando os pais tivessem dois filhos, e fosse um rapaz e uma rapariga, e só pudessem dar educação a um deles, que optassem por dar à filha, porque ela iria moldar a sociedade. E, portanto, este tipo de investimento no elemento feminino da família e na reprodução desses saberes ao longo do tempo, sempre foi algo que foi sendo encorajado pelos líderes espirituais. Obviamente, que do ponto de vista cultural, onde as mulheres estejam integradas, assim será muito moldada a sua forma de estar no mundo, porque se eu for portuguesa e viver numa sociedade portuguesa, onde existem determinados padrões de comportamento das mulheres, eu irei ser muito portuguesa antes de ser muçulmana, não é? Eu até posso dizer que, em tempos, quando fiz a minha tese de mestrado sobre as muçulmanas em Portugal, considerava que eram mais progressistas e evoluídas do que as mulheres tradicionais portuguesas. Senti isso como mulher também. A integração ismaili em Portugal foi bem conseguida? A integração da comunidade ismaili em Portugal foi bem conseguida, mas não foi só porque é uma comunidade que se quis integrar bem. Eu acho que a integração é sempre feita de dois lados. Tem que ser do lado de quem recebe e do lado de quem entra. Na altura, a nossa entrada em Portugal coincidiu com a Revolução de Abril de 1974, que preconizava vários ideais, entre eles o acolhimento de quem vinha das ex-colónias. E, portanto, de muitas maneiras, consciente ou inconscientemente, havia essa receptividade e havia esse conceito fraterno.O Imamat Ismaili ter escolhido Lisboa para a sua sede mundial surpreendeu a comunidade? Na altura, surpreendeu. Mas, com o tempo, fomos percebendo que, efetivamente, resultava daquilo que tinha sido construído aqui em Portugal pelos ismailis, e a própria realidade dos portugueses, a forma como os portugueses entendiam o seu passado. Portanto, apesar de haver uma quase nula perceção de conhecimento do que é a presença muçulmana em Portugal, houve sempre, culturalmente, abertura para que esse processo pudesse acontecer. Tem um momento com o falecido Aga Khan que queira contar? Lembro-me de uma frase que ele dizia, “O tempo é muito crítico”, “Time is critical”. Portanto, era importante considerar que o tempo leva o seu tempo, não é? Que as coisas acontecem com muito esforço, por muita vontade que haja em fazer mudanças, elas têm o seu próprio tempo de acontecer. Ele referia-se à própria obra que foi construindo ao longo da sua vida, dos seus 68 anos de imamato. Lembro -me também de ele ter falado de uma confiança muito grande nos portugueses e em Portugal. E que eu pessoalmente vejo isso como uma esperança e um otimismo em relação àquilo que estamos a viver no nosso país. Que esperar do novo Aga Khan?Conta com o importante legado do pai, e foi muito preparado para a missão. Sei que perante os desafios em termos sociais e políticos do mundo atual está muito bem acompanhado com a família que tem e também com a liderança que está criada dentro das instituições da comunidade ismaili..Rahim Aga Khan, o novo líder da comunidade ismaelita que defende as causas ambientais