Falta de apoios sociais e "esquecimento" das famílias deixa idosos abandonados
Há pelo menos 83 pessoas que vão passar a quadra natalícia no hospital por não terem para onde ir. Estes são dados disponibilizados pelo Hospital de Santa Maria e o Hospital de São João (duas das maiores unidades hospitalares do país), que no seu conjunto registam um aumento relevante dos doentes abandonados neste mês de dezembro.
"Idosos, isolados e dependentes" é o perfil dos que ficaram nestas unidades de saúde por não terem "familiares ou estrutura social que os receba", depois de já se verificar ausência de doença que justifique a permanência no hospital, adiantam ao DN fontes oficiais.
A generalidade dos casos de abandono nos hospitais consistem em "pessoas internadas que não necessitam cuidados hospitalares mas que não têm qualquer suporte que permita a sua saída do hospital", pode ler-se num documento enviado pelo Hospital de São João (CHUSJ) ao DN.
O abandono de doentes nos hospitais públicos na época festiva não é novidade, no entanto, é uma realidade recorrente também devido à falta de apoios sociais.
Por exemplo, no Hospital de Santa Maria (HSM), em Lisboa, 31 doentes aguardam resposta social, ocupando camas dos vários serviços nesta quadra natalícia, mesmo depois de terem alta.
Já o Hospital de São João identifica, entre as 993 camas de internamento para adultos, 44 pessoas "internadas unicamente por questões sociais" e oito que "aguardam resposta para integração em ERPI" (Estrutura Residencial Para Pessoas Idosas). "Algumas destas pessoas aguardam resposta desde o primeiro trimestre do corrente ano", informa o CHUSJ, frisando que são cada vez os doentes "que passam a depender de respostas sociais, as quais são ainda em número insuficiente e muitas vezes não são adaptadas às necessidades exigidas atualmente, com claro impacto na permanência destas pessoas nos hospitais".
O envelhecimento progressivo, o aumento do índice de dependência, o crescimento do número de doentes crónicos e a demora de resposta aos pedidos de integração em lar ou na Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados são alguns dos fatores que influenciam a situação dos "doentes abandonados", segundo o Hospital de Santa Maria. Porém, a sobrecarga dos parentes é a condicionante determinante que leva a que muitas famílias não assumam a responsabilidade dos cuidados dos seus elementos mais frágeis.
"Esta indisponibilidade está normalmente associada ao facto de os familiares estarem empregados, ou com idosos/menores a cargo, em que a sua capacidade de prestar apoio fica condicionada e agravada pela insuficiência de recursos financeiros e de Serviços que permitam uma prestação de cuidados partilhada entre as redes de suporte formal e informal", acrescenta o HSM na resposta enviada ao DN, exemplificando casos complicados em que os familiares dos doentes residem fora do país.
A situação das pessoas internadas em hospitais sem motivo clínico tem consequências profundamente emocionais, especialmente durante a época de Natal, que é tipicamente passada em família.
"O problema afeta primariamente a pessoa que se mantém no hospital sem necessidade. Para além dos riscos de infeção associada a permanência hospitalar prolongada, há inúmeros danos emocionais, cognitivos e funcionais para o próprio. Por outro lado, a ocupação das camas hospitalares limita a capacidade de resposta a doentes que necessitam internamento ou cirurgias. Nesta equação todos saem a perder", revela o CHUSJ.
Perante a atual pressão nos hospitais dado a falta de médicos, o Hospital de Santa Maria e o Hospital de São João expõem apenas dois exemplos do problema de abandono que acaba por limitar a capacidade de resposta do sistema de saúde. Com o constante aumento deste fenómeno crítico, a morosa e limitada resposta da Segurança Social dificulta a qualidade de vida dos idosos que permanecem abandonados nas unidades de saúde.
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