Em 2024, 2,1 milhões de pessoas (19,7% da população) encontravam-se em situação de pobreza ou de exclusão social em Portugal. Um indicador preocupante e com fortes assimetrias regionais: a região da Grande Lisboa apresentava o valor mais baixo da taxa de pobreza ou de exclusão social (16,5%) sendo a Península de Setúbal, com uma taxa de 21,8%, a região do continente mais afetada. Os arquipélagos dos Açores e da Madeira, apesar das descidas verificadas em 2024, apresentaram os valores mais elevados neste indicador que caracteriza famílias e pessoas que se encontrem em pelo menos numa das três situações seguintes: pobreza monetária; privação material e social severa; e afastamento do mercado de trabalho, traduzida no facto de, num dado agregado, os adultos entre os 18 e os 59 anos trabalharem em média menos de 20% do tempo de trabalho possível (baixa intensidade laboral). “ São dados preocupantes, que nos devem levar a refletir e a agir”, diz Carlos Farinha Rodrigues, coordenador do projeto Portugal Desigual da Fundação Francisco Manuel dos Santos, que resulta da análise atualizada de dados da pobreza e das desigualdades nacionais. .Marcelo Rebelo de Sousa: “A pobreza estrutural persiste e continuamos mal colocados na Europa” .Quão desigual é o país? A pobreza e as desigualdades estão a diminuir ou a agravar-se? Qual o impacto das políticas públicas na redução da pobreza e das desigualdades? Como se compara Portugal com os restantes países da União Europeia? “Vivemos num país onde ainda se diz “pobres sempre houve e sempre haverá”, lembra Carlos Farinha Rodrigues. “Uma frase assassina que não tem de ser um destino.” A pobreza não é um problema dos pobres. “É um travão ao desenvolvimento económico, um obstáculo ao crescimento sustentado, óbice à coesão territorial e social”. Para o investigador do ISEG, empobrece a democracia. “Basta ver o estigma lançado por algumas forças políticas sobre as franjas mais pobres da população e os beneficiários do RSI para isso ficar evidente.” Defende que se combata a pobreza enquanto desígnio nacional, “com visão mais ampla e mais vontade política”. A pobreza monetária ou em sentido estrito Em 2023, cerca de 1,8 milhões de residentes no nosso país estavam em situação de pobreza monetária, isto é, dispunham de um rendimento equivalente mensal inferior a 632 euros. A taxa de pobreza era de 16,6%, valor ligeiramente inferior ao de 2022 (17%) mas superior ao verificado em 2021 (16,4%). Quanto à desigualdade, passou de 33,7% para 31,9%. Também aqui, as assimetrias regionais são notórias e muito semelhantes às do indicador que engloba a exclusão social: as regiões autónomas dos Açores e da Madeira, ainda que notem algumas melhorias percentuais, permanecem como as mais pobres do país, com taxas de pobreza de 24,2% e 19,1% respetivamente. No continente destaca-se igualmente a Península de Setúbal como a região que apresenta a maior incidência da pobreza (18,7%), tendo entre 2022 e 2023 registado um agravamento de 1,8 pontos percentuais. A região da Grande Lisboa é aquela que revela a menor taxa (12,9%), menos 0,9 pontos percentuais face ao ano anterior. Uma evolução positiva ainda que insuficiente para compensar o agravamento da incidência da pobreza revelado no inquérito anterior. “O estudo compara resultados do ano de 2023 com os de 2022, ano em que se verificou um forte agravamento da desigualdade e da pobreza. Portanto, apesar de melhores, estes resultados não são suficientes para reverter a situação”, diz o coordenador do projeto. Quão pobres são os pobres? A intensidade da pobreza manteve-se praticamente inalterada (25,7%) também aqui claramente acima da verificada em 2021 (21,7%) fazendo de Portugal, em 2022, o décimo primeiro país da União Europeia com maior taxa de pobreza (16,6%), situando-se ligeiramente acima da média da União Europeia (16,2%). O aspeto mais saliente dos resultados do ICOR 2024 citados neste estudo é a redução expressiva da incidência da pobreza nas crianças e jovens, cuja taxa desceu de 20,7% para 17,8%. Este último valor é o mais baixo registado desde o início da publicação dos dados do ICOR, em 2003. Em sentido oposto, o aumento de quatro pontos percentuais na taxa de pobreza dos idosos (de 17,1 em 2022 para 21,1 em 2023) “acrescenta motivos de apreensão e exige uma análise mais detalhada, podendo a explicação estar nas alterações metodológicas no cálculo das pensões de velhice introduzidas no ICOR 2024”. Os grupos familiares em que existe uma predominância relativa dos idosos são aqueles que registam maior aumento da taxa de pobreza. Ainda na incidência familiar, as famílias monoparentais e as famílias com três ou mais crianças dependentes apresentavam as taxas de pobreza mais elevadas (31,0% e 28,2%, respetivamente), tendo este último grupo registado um acréscimo muito significativo desta taxa (mais 4,7 pontos percentuais), permanecendo como as mais vulneráveis às situações de pobreza. Trabalho não impede pobreza A persistência de 9% de trabalhadores em situação de pobreza é reveladora de disfunções no funcionamento do mercado de trabalho - quer estas resultem de baixos salários, de contratos precários ou da não valorização das qualificações dos trabalhadores. De notar outro número preocupante: 6,5% das pessoas com Ensino Superior estão hoje abaixo do limiar de pobreza. De resto, este valor tem crescido de forma regular ao longo dos últimos anos: na primeira década deste século, o valor médio da taxa de pobreza deste grupo era de 3%. “Deve merecer uma particular atenção das políticas públicas o problema da transição dos jovens do sistema de ensino para o mercado de trabalho e a capacidade de este último reconhecer e valorizar devidamente os níveis de qualificação dos seus empregados”, defende o investigador, sendo certo que quanto maior é o nível de escolaridade, menor é a taxa de pobreza, confirmando que a escola, e de uma forma mais genérica os níveis de qualificação, é o mais importante elemento do “elevador social” e o instrumento mais eficaz para reduzir a pobreza. Desiguais Apesar da evolução positiva ocorrida em 2023, com valores ainda longe dos verificados em 2019 -, Portugal permanece como um dos países mais desiguais da União Europeia. Tomando como referência os rendimentos de 2022, o nosso país era o quarto país mais desigual de toda a UE. Entre os indicadores que traduzem uma situação de vulnerabilidade material e social mais elevada em 2024, destacam-se: 29,9% dos inquiridos dizem que não têm capacidade para assegurar o pagamento imediato de uma despesa inesperada próxima do valor da linha de pobreza de 2022 (591 euros por mês); 15,7% declararam não ter capacidade financeira para manter a casa adequadamente aquecida; 35,4% não têm capacidade para pagar uma semana de férias, por ano fora de casa e 36,2% declaram a impossibilidade de substituição do mobiliário usado. O que estes dados mostram é que na ausência de qualquer tipo de transferência social, e mantendo o valor do limiar de pobreza, a taxa de pobreza seria de 40,3%. Há que ter em atenção, ainda, que os números apresentados são subestimados, na medida em que deixam de fora as famílias não residentes em habitações tradicionais, como é exemplo as pessoas em situação de sem-abrigo.