Estudo diz que há "risco moderado" de amianto no Passeio Marítimo de Algés. Nova diretiva europeia transforma-o em "elevado"
Um estudo sobre a presença de amianto no Passeio Marítimo de Algés, em Oeiras, após alertas da oposição camarária, concluiu existir "risco moderado" para utilizadores da zona, que uma nova diretiva europeia transformará em "risco elevado".
"Neste momento, tendo em conta o relatório de análises do ar efetuado e o valor-limite de exposição existente, podemos considerar que existe um risco moderado para todos os utilizadores do Passeio Marítimo de Algés", lê-se no relatório final da empresa Amiacon -- Consultores em Amianto.
No estudo de diagnóstico da presença de amianto no Passeio Marítimo de Algés/Praia da Cruz Quebrada e Dafundo alerta-se, no entanto, que a nova diretiva europeia para a proteção do risco de exposição ao amianto, de 22 de novembro de 2023, terá de ser transposta para o direito nacional até dezembro de 2025.
Se essa diretiva já estivesse em vigor "transformaria o risco de exposição em risco elevado" porque prevê "a utilização de um valor limite de exposição cinco vezes menor do que o valor utilizado hoje", passando de 0.01 fibras/10 fibras por litro de ar para 0.002 fibras/2 fibras por litro de ar, salienta-se no relatório.
Quatro amostras, recolhidas em maio de 2024, na zona do passeio marítimo, junto à praia e da linha ferroviária de Cascais, "apresentaram resultados positivos quanto à presença de amianto".
Entre essas amostras constavam amianto branco (crisótilo) e azul (crocidolite), o mais perigoso.
Os materiais identificados "encontram-se em mau estado de conservação e espalhados por todo o lado, estando partidos e degradados, aumentando assim o risco de exposição a fibras de amianto".
Na altura, foram também colocadas "bombas de colheita" na zona para "medir a concentração de fibras no ar".
"Das 15 amostras de ar colhidas, nenhuma delas apresentou resultados superiores ao valor limite de exposição para expostos passivos (0.01fibras por cm3/ml ar)", refere-se no relatório, realçando, no entanto, que, de acordo com nota técnica do laboratório da Sagies, "os materiais encontram-se danificados" passando do estado não-friável (amianto ligado ao cimento através da celulose), para friável (que liberta fibras).
Por isso, nota-se ser "um local de exposição passiva a fibras de amianto já que a colheita efetuada (480L de ar colhidos durante 4h) não se pode considerar representativa de uma situação normal", pois a zona está sujeita a intempéries como o vento, passagem de comboio ou deslocação de pessoas, "continuando a existir a possibilidade de risco de exposição ao amianto".
No relatório, de 03 de julho, recomenda-se "a remoção de todos os materiais existentes, pelo menos os que estão à vista", apesar da suspeita que também "existam debaixo do passeio marítimo" e "da linha de comboio, já que ali foram colocados pela fábrica da Lusalite", desde os anos 1940.
As dúvidas sobre os riscos de amianto da Lusalite são antigas. Mas, em setembro de 2022, Carla Castelo, eleita pela coligação Evoluir Oeiras (BE/Livre/Volt), alertou a câmara que, durante uma ação de limpeza 'Coastwatch' entre a Cruz Quebrada e o Dafundo foram encontrados "muitos resíduos de telhas de fibrocimento".
A vereadora independente solicitou "a intervenção da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo" na "avaliação dos riscos para a saúde pública da existência de resíduos de fibrocimento" da Lusalite, "incluindo na praia da Cruz Quebrada, que muita gente usa como zona balnear".
"Esta é uma questão que merece a atenção das autoridades, em defesa do bem-estar e saúde da população. Os edifícios da fábrica estão a degradar-se e ao abandono e os resíduos, pelos vistos, estão a contaminar a zona costeira, estando os banhistas sujeitos a estender a toalha junto a uma placa de fibrocimento partida, inalando as fibras de amianto que são cancerígenas", salientou.
A autarca referiu à Lusa que, desde 2022, insistiu para se "investigar os riscos para a saúde pública" e "tomar medidas no sentido de proteger as pessoas", mas só em maio de 2024 se avançou na contratação da Amiacon e apenas "em dezembro" lhe deram a conhecer os resultados.
A autarquia, em resposta à Lusa, referiu que está em elaboração o projeto de "reabilitação de toda a frente ribeirinha de Algés", prolongando o terrapleno até à Cruz Quebrada, abrangendo o passeio marítimo, com vista a "criar um parque urbano atrativo a toda a população e que já inclui as ações necessárias que possam vir a ser apresentadas pela nova diretiva" comunitária.
O gabinete do presidente da Câmara de Oeiras, Isaltino Morais, acrescentou que, em novembro de 2022, realizou-se "uma reunião com uma empresa especializada no local para analisar" os materiais e foi pedido parecer à Autoridade para as Condições do Trabalho.
"Após a obtenção do parecer, que só chegou no ano passado, o município de Oeiras deu início ao procedimento para que se desenvolvesse o estudo de avaliação agora conhecido", explicou a fonte oficial, considerando que o relatório "não confirma que haja relação direta desta situação com a fábrica Lusalite".
Ainda assim, sublinha que o projeto Porto Cruz, incluído no Plano Pormenor para a Margem Direita da Foz do Rio Jamor, esteve "sob providência cautelar nos últimos três anos, tendo, por esse motivo, o município, ou o promotor, estado impedidos" de "qualquer ato administrativo", situação ultrapassada em junho pelo Tribunal Central Administrativo do Sul.
O plano de pormenor, concluiu, "prevê a demolição da antiga fábrica Lusalite e a eliminação definitiva deste problema".
SOS Amianto lamenta inexistência de estudos epidemiológicos às populações de Algés
Os resultados do estudo sobre a presença de amianto no Passeio Marítimo de Algés admitindo riscos para utilizadores, não surpreendem Carmen Lima, da SOS Amianto, que lamenta a inexistência de estudos epidemiológicos a antigos trabalhadores e moradores.
"Não me surpreendem. Aliás, não me surpreende que no passeio marítimo, junto da Lusalite, existam detritos de amianto", nem "em outras zonas do concelho", pois "durante vários anos os munícipes de Oeiras relataram que, quando a fábrica estava a laborar, os resíduos iam sendo encaminhados para um lado e para o outro", afirmou a presidente da SOS Amianto - Associação Portuguesa de Proteção Contra o Amianto.
"Aquilo está cheio de resíduos de amianto, porque eles eram usados exatamente para tapar os buracos da própria estrada, era uma prática normal há uns anos, quando não se sabia o que se sabe hoje, portanto, não me surpreende, nem deveria surpreender nenhum dos autarcas de Oeiras", considerou Carmen Lima.
A engenheira do Ambiente, especialista em amianto, salientou que a antiga fábrica é todo "um mostruário da utilização do fibrocimento", incluindo os autoclismos das instalações sanitárias.
Notando que as pessoas "se esquecem que existe cerca de 4.000 materiais onde se utilizou fibras de amianto" e que as coberturas são apenas um desses materiais, na Lusalite construíram-se "milhares de metros lineares de tubagens", distribuídas pelo país fora "no abastecimento de água e na recolha de saneamento".
Sobre a inexistência de estudos dos efeitos do amianto na saúde das populações, apontou que "é uma falha das autoridades de saúde" e "do Governo português".
A especialista defendeu que, quando a Lusalite faliu, o Estado português deveria ter assumido a responsabilidade de monitorizar "a saúde das pessoas que trabalharam na fábrica" e "fazer estudos epidemiológicos da população nas imediações" da unidade fabril.
Isso não se fez e também não foi assumida "a proteção dos trabalhadores", que vieram, alguns, a morrer mais tarde "por doenças comprovadamente provocadas por exposição ao amianto", bem como pessoas que frequentavam a praia junto à Lusalite.
"Esta responsabilidade de proteção dos trabalhadores e das populações não foi assegurada, porque às vezes é preferível não se saber. Porque, se não sabemos, não temos que assumir responsabilidades, mas na União Europeia este assunto já desde 2003, através de uma diretiva, foi considerado prioritário", vincou, adiantando que Portugal "tem um ano para começar a trabalhar numa estratégia nacional".
A Inspeção-Geral da Agricultura, Mar, Ambiente e Ordenamento do Território (IGAMAOT), em outubro de 2022, na sequência de um alerta da vereadora Carla Castelo, da coligação Evoluir Oeiras (BE/Livre/Volt), informou a autarquia que, em 2013, efetuou uma inspeção à Lusalite e a análise das amostras sólidas recolhidas "não demonstrou a presença de amianto e perigo para a saúde pública".
No entanto, perante os resíduos encontrados entre a Cruz Quebrada e o Dafundo, a IGAMAOT notou que, sem prejuízo de outras entidades, a fiscalização incumbe ao município, remetendo para a câmara a averiguação "e atuação em conformidade" com vista à "remoção e envio para destino autorizado dos resíduos".
Após conhecer o estudo, em dezembro passado, Carla Castelo apresentou uma proposta de deliberação ao executivo, em 02 de janeiro, para que o relatório "seja divulgado" no portal municipal e realizadas "sessões de esclarecimento à população sobre os riscos da exposição ao amianto", com participação da Unidade Local de Saúde de Lisboa Ocidental e Oeiras e "especialistas em saúde ambiental, incluindo em abestose, mesoteliona e cancro do pulmão", provocadas pela inalação de fibras.
Na proposta advogam-se ainda medidas "para proteger os trabalhadores do município que fazem a recolha dos resíduos" na zona, bem como "os munícipes e todos os utilizadores das praias" e do passeio marítimo, com informação das "medidas de proteção preventiva que devem adotar".
A proposta aguarda agendamento para reunião de câmara, mas, para Carla Castelo, "a opção política" de nem sequer a agendar para discussão "é mais uma vez negligenciar a saúde dos munícipes e dos utilizadores daquela zona e continuar a desvalorizar os resultados do estudo".
A autarquia contactou, em setembro passado, pelo menos uma empresa especializada em remoção de resíduos com amianto, na praia da Cruz Quebrada e ciclovia de Algés, que apresentou um orçamento de 115.000 euros para uma primeira intervenção, durante três meses, mas fonte oficial não confirmou à Lusa se a operação já foi contratada.
"Estas preocupações e alertas não são de hoje, estando as autoridades de saúde alertadas para esta situação há décadas", notou a câmara.