“Este é um ótimo momento para começar uma startup e Portugal é um ótimo país para isso”
A bolha rebentou, viva a maturidade. É este o cenário que o mercado financeiro europeu das startups e scale-ups (e não só) atravessa atualmente, após uma queda a pique nos últimos trimestres em investimento, mas que dá já fortes sinais e recuperação. Quem o diz é Thijs Povel, CEO e fundador da Dealflow.eu, plataforma digital criada em conjunto com a Comissão Europeia para ligar startups financiadas por fundos comunitários a investidores privados de capital de risco. Uma “correção” no mercado que faz com que o especialista afirme, perentório, que este seja um “ótimo momento para criar uma startup”. E não está sozinho nesta avaliação.
Para perceber o que se passa neste momento no mercado, diz Thijs Povel em entrevista ao DN, é preciso recuar ao período pós-covid. “Muito financiamento do Governo foi adicionado, houve muito dinheiro fresco a entrar, demasiado dinheiro no mercado”, afirma o neerlandês que escolheu Lisboa para sediar a Dealflow. “Havia muita exuberância, muita excitação e isso criou mais uma bolha”. Isto apesar de já antes haver sinais de que as coisas poderiam rebentar - “as queda nas avaliações das empresas na realidade começaram no 3.º trimestre de 2021” -, mas foi preciso a dura realidade da inflação alta, as consequências para a economia da guerra da Ucrânia e o baixo (ou nulo) retorno de investimento das empresas para que o mercado verdadeiramente se retraísse.
Trimestre a trimestre, a queda é acentuada na passagem de 2022 para 2023 (ver gráfico), caindo para quase metade. “Tivemos uma correção”, nas palavras de Thijs Povel. Muitos investidores de risco simplesmente abandonaram o mercado. “Em 2020/22 havia 6000 investidores únicos na Europa. Agora, em 2023, temos 4000. É uma queda de 1/3”, afirma o especialista. Mau sinal? Pelo contrário. “Penso que estes são sinais positivos para os que permanecem”, garante, uma vez que os que ficam são os “mais sérios mais resilientes, podem investir em melhores avaliações, em avaliações mais realistas”.
Usando a história como barómetro, Povel exemplifica: “Os melhores investimentos sempre foram feitos após este tipo de correções. A Uber, a Airbnb... Este tipo de startups surgiram depois da crise financeira e com retornos fantásticos”.
Aliás, o mesmo gráfico já demonstra, no último trimestre, uma recuperação. “Acho que 2024 vai-se tornar um ano promissor”, prevê Thijs Povel.
A mesma opinião tem Paulo Dimas, da startup portuguesa Unbabel e fundador do Center for Responsible AI, que em conversa com o DN afirma considerar que “o pior já passou”, e destacando os “sinais que temos mais positivos, especialmente em Inteligência Artificial, que vai ter um impacto no crescimento económico muito importante à escala planetária, que vai impactar 60% das profissões nos países desenvolvidos no sentido da produtividade, que vai aumentar.”
“Vamos ter aqui criação de valor muito mais tangível do que com o investimento no cripto e no blockchain”, perspetiva Paulo Dimas, “pelo que acho que vai haver uma onda positiva”.
Um país na linha da frente
Thijs Povel considera não apenas que “este é um ótimo momento para começar uma startup” - algo que Paulo Dimas subscreve, porque “é uma boa altura para investir nos produtos certos” -, mas acrescenta mesmo que “Portugal é um ótimo país para isso”.
Isto porque “há muitas iniciativas interessantes de apoio, como o Startup Portugal, o Startup Lisboa, há aceleradoras, há incubadoras...” E depois, claro, há o clima, as pessoas - no fundo, os fatores que fizeram com que o neerlandês e a sua equipa multinacional optasse por passar a sede da Dealflow da Suíça para Portugal - além da capacidade. “Vocês têm muito talento. Muitos outros países não têm o talento que há aqui”, elogia.
Mas apesar de a maioria dos nomes mais sonantes na área da tecnologia serem norte-americanos (com alguns asiáticos pelo meio), a Europa não está tão atrás dos seus congéneres do outro lado do Atlântico quanto se poderia pensar e o investimento vem dos dois lados do Atlântico (ver gráfico).
“Há igual quantidade de talento na Europa, em comparação com os EUA”, afirma Thijs Povel. “Nesse sentido, temos um ponto de partida muito bom. E temos startups com as quais estamos a recuperar algum atraso que ainda temos relativamente a eles. Onde os EUA estão a progredir muito melhor é na fase de passagem a skill-ups, mas acho que também vamos rapidamente recuperar esse atraso.”
Apesar de as realidades não serem, afinal, tão díspares quanto isso - a contração de mercado que aconteceu aqui, também houve lá, lembra Paulo Dimas, “isto funciona um bocadinho em harmónio”, há, no entanto, uma diferença grande entre os dois grandes blocos económicos: “Os EUA têm um grande mercado. Na Europa, apesar de gostarmos de dizer que temos um único mercado, não temos. É muito mais fácil para uma empresa nos EUA oferecer seus serviços em todo o país, para toda a população”, lembra Thijs Povel, referindo-se às variantes legislativas, de língua, culturais, fiscais...
“Por isso, iniciativas como a European Startup Nations Alliance [que junta 26 nações para facilitar a criação e integração de startups num mercado único digitalizado] que é uma iniciativa portuguesa, à que me juntei como conselheiro, são tão importantes para construirmos esse mercado único.”