Estas famílias não têm fronteiras de língua, cultura ou religião
Ela portuguesa, ele costa-marfinense. Conheceram-se na Faculdade de Medicina em Clermont-Ferrand, França. Paula e Kassi apaixonaram--se (mais por culpa dele, que metia conversa com ela, mais tímida) e desde então já lá vão 24 anos de vida em comum e três filhas.
Kassi Ablé terminou o curso de Medicina Dentária e já tinha oferta de trabalho na sua terra natal, mas Paula, que se mudou ainda criança para França com os pais, não chegou a acabar o curso. "Estava em Medicina Geral e depois mudei, mas não acabei", refere. Kassi admite que gostava de que a mulher tivesse terminado o curso - "disse-lhe para ficar em França e terminar". Mas Paula tinha um argumento de peso: "Gostava tanto dele que não conseguia ficar lá sozinha." Já com uma filha, foram para a Costa do Marfim. Na cidade de Korbogo, no Norte, Kassi começa a trabalhar num hospital público, Paula dá aulas de Biologia e, entretanto, nascem mais duas filhas. "Vivíamos bem, fomos muito bem aceites", recorda Paula.
Para as suas famílias, o casamento deles não era um problema: afinal falam todos francês e são todos católicos. Estavam aí resolvidas as maiores barreiras que este casal além-fronteiras poderia enfrentar. E Kassi só lamenta que a mulher não saiba cozinhar mais pratos portugueses. "Casámos pelo civil em França, mas o religioso foi aqui no Mosteiro dos Jerónimos. Depois da cerimónia fomos comer cozido e adorei logo a comida portuguesa." No dia-a-dia Paula vai fazendo "os pratos a pedido, mas mais coisas francesas".
Apesar da adaptação fácil, a família Ablé acabaria por deixar o país africano para se estabelecer em Portugal. "A instabilidade política do meu país acabou por ser determinante. Gostava de que houvesse paz no meu país, para as pessoas viverem em segurança." Regressaram há 15 anos e na memória têm ainda o Natal de 1999 quando passaram três dias fechados em casa por causa de um golpe militar. "Aí começámos a pensar que tínhamos de vir embora", admite Paula.
França parecia ser um destino mais óbvio - já que a língua em comum dos cinco é o francês - mas "achámos que a aceitação da nossa família ia ser mais fácil em Portugal e até para conseguirmos trabalho", reconhece Paula, cujos pais e o irmão já tinham regressado também ao nosso país.
Na transição, Kassi esteve dois anos desempregado. "Não sabia nem dizer bom dia em português. Precisei de fazer as equivalências do curso na Universidade do Porto. Foi difícil." Mas depois da documentação tratada conseguiu emprego em clínicas dentárias e em 2008 abriu um espaço seu, em Mem Martins. A mulher é a sua assistente e quando estão juntos falam francês - "os doentes dizem que é para não nos perceberem, mas o Kassi diz que não entende o meu português" -, em casa as filhas falam francês com os pais, mas português só com a mãe e entre elas. Os estudos foram feitos em escolas portuguesas. As duas mais velhas já estão no ensino superior, curiosamente, a estudar o mesmo: Desenho de Moda. A mais nova tem 17 anos e ainda não acabou o secundário. Os pais não escondem que gostavam de que elas seguissem Medicina, mas não parece que a vontade venha a ser feita.
Agora, o contacto com a família da Costa do Marfim é feito quase exclusivamente por Kassi. Por dois motivos: "As viagens para cinco são caras e a situação política ainda não é a melhor." O dentista faz questão de ir uma vez por ano ver os seus cinco irmãos.