Especialistas alertam: Cirurgia não é cura para cefaleias
Sociedade Portuguesa de Cefaleias diz que não há evidência científica que suporte estudo da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto. e alertam para caráter experimental dessa solução.
Cirurgia não é solução para as enxaquecas, garante a Sociedade Portuguesa de Cefaleias, em reação a notícias de um estudo da Universidade de Medicina do Porto que apresentava uma cirurgia como terapêutica eficaz e mesmo curativa. "Já em 2017 foi anunciada a realização deste procedimento e a comissão científica da Sociedade Portuguesa de Cefaleias (SPC) lançou um comunicado sobre o assunto. De novo, dado que sentimos que fomos alvo de referência indireta que afeta os valores da SPC e a credibilidade das nossas recomendações terapêuticas, sentimos o dever de alertar os jornalistas e os cidadãos para os factos", reage a SPC.
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"Não há qualquer procedimento cirúrgico, à luz da evidência científica atual, que possa ser considerado uma alternativa" para travar esta condição, vincam os especialistas.
De acordo com dados enviados à agência Lusa pela FMUP, depois divulgados por vários media, "uma em cada três pessoas com enxaquecas não melhora com fármacos", porém, adiantava o professor da FMUP, António Costa Ferreira, uma cirurgia poderia ser "alternativa para travar este distúrbio que afeta a qualidade de vida das pessoas".
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Uma relação que a SPC rejeita: "apesar do que foi divulgado, não existe demonstração de evidência científica suficiente para sustentar a eficácia ou a segurança destas intervenções", sublinha aquela sociedade. E justifica os seus argumentos.
Numa mensagem enviada ao DN, assinada pelos quatro membros da direção da Sociedade Portuguesa de Cefaleias, liderada pela neurologista Raquel Gil-Gouveia, e mais 18 elementos da Comissão Científica da SPC, o grupo de especialistas vinca que os procedimentos mencionados "não constam de nenhuma recomendação terapêutica de qualquer sociedade científica da área da enxaqueca (International Headache Society, European Headache Federation, American Headache Society, Sociedade Portuguesa de Cefaleias ou qualquer outra sociedade nacional), nem de artigos ou livros de referência de neurologia ou neurociências".
O grupo, que inclui neurologistas, neuropediatras, geneticistas farmacologistas e investigadores, aponta mesmo que estão disponíveis em Portugal (e no mundo) várias terapêuticas aprovadas para tratar as crises de enxaqueca, assim como para a sua prevenção. "Essa aprovação advém de evidência científica robusta no controle da doença e na melhoria da qualidade de vida e com segurança demonstrada", vinca a SPC.
"Naturalmente, qualquer intervenção que tenha potencial para beneficiar os doentes com enxaqueca pode e deve ser explorada, sendo esta médica ou cirúrgica. No entanto, a demonstração cabal da sua eficácia deve ser suportada por estudos experimentais com rigor e qualidade, o que ainda não acontece neste tipo de intervenção, motivo pelo qual não é incluída nas opções terapêuticas da enxaqueca, de acordo com as orientações nacionais e internacionais atuais", lembra ainda a Sociedade Portuguesa de Cefaleias.
Por tudo isto, os especialistas alertam para o facto de, não sendo a cirurgia referida uma terapêutica consensual ou aprovada, "esta intervenção é considerada experimental, só devendo ser aplicada, de acordo com a Declaração de Helsinki da World Medical Association"s, ou no contexto de ensaio clínico interventivo (regulado em Portugal pela Lei n.º 21/2014, de 16 de abril, transpondo as directivas europeias 2001/20/CE e 2007/47/CE) ou como intervenção não comprovada na prática clínica".
A intervenção não comprovada na prática clínica é aplicada individualmente, no tratamento de determinado paciente onde outras intervenções comprovadas não existam ou, existindo, tenham sido ineficazes e só após o médico ter procurado conselho especializado para esse caso em específico. Como tal, lembra a SPC, "os doentes que considerem submeter-se a este tipo de intervenção devem ser informados deste facto, assim como dos possíveis riscos e benefícios, autorizando o procedimento neste contexto".