Escoliose atinge mais os jovens, quem está acima dos 60 e mulheres, mas é tratável
Já ouviu falar de escoliose? Ou melhor, de deformações na coluna? Pois bem, saiba que é uma situação mais comum do que imagina e que que ataca sobretudo os jovens na adolescência, os adultos acima dos 60 anos e as mulheres. Quando não é diagnosticada ou tratada no tempo certo, tende a agravar-se rapidamente, retirando qualidade de vida a quem desenvolve a doença. Mas hoje já há várias formas de a tratar, que vão desde o exercício à correção da postura ou até à intervenção cirúrgica. Embora "o ideal é que seja diagnosticada e tratada no tempo certo, para evitar que a situação se agrave", argumenta ao DN o cirurgião ortopédico Nelson Carvalho, do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Central (CHULC), um dos especialistas que participou no encontro internacional da AO Spine, a associação mundial que estuda e avalia estes casos, que decorreu em Lisboa e juntou 26 especialistas nesta área. O objetivo principal era a partilha de casos, práticas e soluções, sobretudo para os casos mais graves, mas também alertar para a doença e como pode ser detetada. O médico português diz ao DN que a população, sobretudo o grupo dos mais novos, como vive muito para a imagem, já está mais desperta para detetar algo que não esteja bem no seu corpo, na sua postura, e muitas vezes já procura a opinião de um médico para perceber o que se passa, mas ainda há muito a fazer quanto à sensibilização da sociedade e até dos próprios profissionais de saúde.
O especialista alerta que há dois grandes grupos da população que são afetados pelos problemas relacionados com as deformidades na coluna. "O dos mais jovens, em particular o dos adolescentes, onde há uma prevalência da escoliose idiopática de 2% a 4% e onde o rácio de raparigas para rapazes é superior - oito raparigas para quatro rapazes. E um outro grupo, que é cada vez maior devido ao aumento da esperança média de vida, o das pessoas com mais de 60 anos, onde a prevalência de deformidades na coluna chega a atingir cerca de 60% desta população." Segundo explica, estes dados, da AO Spine, não se reportam à população portuguesa, mas à população mundial, embora reflitam de certa forma a realidade de cada país. Daí a importância "destes nossos encontros. Temos a oportunidade de discutir casos de outros países e sobretudo a forma de os resolver, tratando melhor". O problema de "muitas destas deformações, quer nos jovens quer nos adultos, é o poderem evoluir muito rapidamente para situações graves e altamente incapacitantes e em que a única solução para a corrigir é a intervenção cirúrgica", acrescentando: "Hoje já temos soluções cirúrgicas que podem ser aplicadas em pessoas com mais de 60, 70 e até 80 anos, o que não era possível há uns anos. As técnicas cirúrgicas estão mais desenvolvidas e a taxa de complicações pós-operatórias também é mais reduzida, há uns anos era de 40%." A questão, destaca, é que "não deixa de ser uma cirurgia bastante extensa e complexa", daí ser importante que seja detetada cada vez mais cedo e o alertar para este tema.
Como o médico explica, não é assim tão difícil perceber se temos, ou um dos nossos filhos, uma deformidade na coluna. No caso dos adolescentes, os próprios pais podem estar atentos aos sinais e detetar a situação. "Basta que se coloquem atrás dos filhos e lhes peçam para se dobrarem um pouco para a frente. Assim conseguem ver se aparece um alto nas costas do lado esquerdo ou do lado direito. Se aparecer, é sinal de alguma deformidade", refere Nelson Carvalho. Ou então "olhar para as costas dos adolescentes e ver se têm um ombro mais alto do que o outro. Se há um dos flancos que está mais escavado do que o outro, é porque há uma deformidade e o seu agravamento pode ser muito rápido devido ao crescimento". E, como sublinha, há um tempo-chave para o tratamento, porque "quando as curvas já são superiores a 40º ou 45º, já não têm validade para a correção com exercícios ou fisioterapia. São casos para os quais já é necessária uma cura cirúrgica, mas, mesmo assim, há alguns que continuam a evoluir para os 60º ou 70º e mais, e aqui já é muito difícil atuar".
O cirurgião ortopédico defende, por isso, que todos devemos estar atentos aos sinais, especificando que a escoliose nos adolescentes não surge propriamente pelas posturas erradas. "O que se sabe é que 80% dos casos nos adolescentes são escolioses idiopáticas, que estão associadas a um determinismo genético. Não se pode fazer nada para que a doença não surja." Ou seja, não há uma relação direta entre as más posturas - apesar de estas serem cada vez mais evidentes, devido ao uso do computador, do telemóvel, portáveis, mochilas pesadas, etc. - e o aparecimento da escoliose ou o seu agravamento. E "quando se fala de determinismo genético, também não se está a falar de uma hereditariedade que passa de pais para filhos, mas no sentido em que quando há um caso numa família outros mais serão encontrados".
Neste momento, e apesar do trabalho que ainda há a fazer, a comunidade médica já está mais atenta a este problema. Por isso, "não é que haja agora mais casos de escoliose do que antes, simplesmente há mais capacidade para os diagnosticar". O facto de a população, sobretudo a mais jovem, viver muito da imagem, das fotografias nas redes sociais, está a ajudar a detetar alguns casos. Quanto ao grupo acima dos 60 anos, o ortopedista do CHULC explica que "há dois tipos de escoliose que o afeta. A que já vem da adolescência e que nunca foi tratada, e agrava quando chega à quinta década de vida. É uma situação que afeta sobretudo mulheres, pensa-se que pelo aparecimento das alterações hormonais e da menopausa, que, já de si, provocam outras complicações, como a osteoporose, que acabam por contribuir para o agravamento das deformidades na coluna". O segundo tipo é o que chamam "escoliose de novo", que é detetada em adultos que nunca tiveram nenhuma deformidade na coluna até à quinta ou sexta década de vida.
Mas para todas estas situações já há solução. "A idade, hoje em dia, não é limitante se for preciso uma intervenção cirúrgica. Tenho operado doentes com escolioses aos 50, 60, 70 e 80 anos. A questão aqui é o estado de saúde em que se encontra o doente. Por exemplo, se tem uma função respiratória e cardíaca boa, porque muitos destes doentes quando chegam até nós já têm uma deformidade que não lhes permite sequer andar direito. São pessoas numa situação já muito débil, que agravaram muito rapidamente as deformidades na coluna." E reforça que o mais importante é que todos os casos sejam diagnosticados no tempo certo, "para não se agravarem e não chegarem a uma altura em que nada há a fazer, nem a cirurgia".
E mesmo que a cura seja a cirurgia, "há uma questão muito prática. É que são intervenções de várias horas, o que não permite que se opere vários doentes no mesmo dia. As listas de espera são normalmente de dois anos e a situação foi agravada durante a pandemia, porque não são situações urgentes". Em sua opinião, esta "é mais uma razão para se falar sobre o assunto, porque o ideal é não chegar a um estado em que a única cura seja a cirúrgica, pois quanto mais tempo em espera, mais agravamento da situação e mais complicado é o tratamento".
Nelson Carvalho deixa um alerta aos pais: "Que olhem para as costas dos filhos adolescentes, principalmente das filhas, que por vezes têm tendência para esconder o corpo com roupa larga e depois aparecem com deformidades grandes, que poderiam ter sido tratadas mais cedo." E aos adultos e idosos "não podem pensar que, por terem uma população na coluna, já não há nada a fazer. Pode haver uma solução cirúrgica, que pode melhorar muito a sua qualidade de vida".
A coluna vertebral pode desalinhar-se logo à nascença ou ao longo da vida, quer inclinando-se para a frente, para trás ou para os lados. E é a esta deformidade que se dá o nome de escoliose. De acordo com a literatura médica sobre o tema, há dois tipos de escoliose: a funcional - em que a deformidade não atinge a estrutura óssea, atingindo só os músculos, porque não está instalada definitivamente no organismo - e a estrutural, em que a curvatura já atinge as vértebras. Mas a escoliose pode ter várias origens, independentemente do aspeto físico, que pode parecer igual em todos os tipos, como vários prognósticos.
A literatura internacional refere a escoliose congénita (de nascença) quando ocorre má formação ou divisão das vértebras; a escoliose neuromuscular, que surge por sequelas de doenças neurológicas, como poliomielite e paralisia cerebral; a escoliose idiopática, cuja causa não é conhecida, mas que é considerada a mais comum, que afeta sobretudo os mais jovens; a escoliose pós-traumática, que surge a partir de doenças do tecido conjuntivo e/ou anomalias cromossómicas, e a escoliose degenerativa do adulto, causada pela degeneração de discos da coluna vertebral e das suas articulações durante o avanço da idade.
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