"Sem um esforço muito forte a temperatura vai continuar a aumentar"

Entrevista a Pedro Viterbo, diretor de meteorologia e geofísica do Instituto Português do Mar e da Atmosfera
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Este vai ser o ano mais quente de sempre?

Do ponto de vista global sim. E tem algo de icónico: é a primeira vez que estamos um grau acima da normal do início do século. É a média das primeiras três décadas do século 20 que fazem a referência até agora. Isto é importante porque o protocolo de Quioto fazia referência de quando chegaríamos aos dois graus acima da normal do século 20. Ao fim de 25 anos chegámos a meio caminho. Não será surpreendente, mas mostra que estamos num caminho perigoso. Se não se juntar uma certa agressividade ao que foi assinado na COP 21 de certeza que vamos ultrapassar os dois graus a meio do século.

A COP 21 não é um bom acordo?

É um mecanismo mais robusto e mais participativo do que foi Quioto. O acordo surgiu depois de 150 países enviarem a lista das metas individuais. É um bom acordo por isso, mas é mau porque somando todas as metas individuais não estamos a falar de mais 2,7 graus acima. Ganhámos qualquer coisa, mas não o suficiente. É um sucesso limitado. Sem um esforço muito forte a temperatura vai continuar a aumentar.

Em Portugal temos assistido a uma maior mistura das estações.

Nos últimos 15, 20 anos a primavera tem chegado mais cedo. Em países como o nosso, em que as estações estão muito marcadas pela precipitação, vemos as chuvas de inverno acabar mais cedo, antes de fevereiro.

Mas tivemos um agosto chuvoso.

Penso que foi a variabilidade normal. Se olharmos para 2003, ano do recorde das áreas ardidas, tivemos um maio, junho e julho muito quentes e um final de agosto frio e chuvoso. São flutuações naturais. O que não foi natural foi o calor que precedeu agosto. Quando estamos a falar do global é fácil detetar as alterações, mas quando falamos de um país mais pequeno como o nosso é mais difícil.

Estamos num caminho perigoso?

É difícil dizer. Este vai ser provavelmente o sétimo verão mais quente desde 1931. não é excecional. A questão é se a variabilidade natural ou se configura uma manifestação das alterações climáticas. Por isso é importar julgar o global porque nos permite ter uma estatística mais robusta, com uma média enorme de dados. Portugal tem pouco dados. É muito difícil determinar o que aconteceu.

O que está acontecer na Europa?

Toda a Europa está anormalmente quente este ano. Em outubro, novembro e quase todo o dezembro temos tido poucas frentes a aproximarem-se a partir do Atlântico. Não houve um clima normal de outono porque não existiram as tais frentes. É por isso que estamos numa situação de seca. A precipitação começa em setembro e temos tido pouca. Se não tivermos mudanças nos próximos três meses Portugal terá problemas de abastecimento de água. França e Espanha estão com o mesmo mecanismo.

Porque é que não estão a chegar?

Pode estar associado a várias coisas. Por exemplo, o inverno 2013/2014 foi muito chuvoso. Tivemos 15 depressões intensas que atravessaram o Atlântico e passaram por nós. A origem parece ter sido uma combinação de temperaturas muito frias sobre todo o continente norte-americano e do lado do mar um excesso de temperatura. Quando a massa de ar passa por cima do mar, com temperaturas mais quentes, há um desenvolvimento rápido de uma depressão. Esta cria ventos que forçam o mar e que cria agitação marítima. Manifestações deste género, muito extensas, têm sempre uma origem longe. Sobre o que está a acontecer, o motivo ainda não é claro. O que é quase certo é que não está associado ao El Niño. Este bateu todos os recordes de sempre e foi ele que contribuiu para que este seja o ano mais quente de sempre a nível global. Foi o El Niño mais forte de sempre, mas vai enfraquecer em janeiro.

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