"Há muitos países que têm acesso limitado a novos medicamentos"

Estima-se que em todo o mundo existam cerca de 2,5 milhões de pessoas com esclerose múltipla (EM)e em Portugal mais de oito mil. Uma doença neurológica degenerativa ainda sem cura, mas que tem assistido a alguns avanços a nível de terapias, como reconhece Alan Thompson, um dos neurologistas mais conceituados a nível mundial pelo trabalho de investigação na EM. No dia mundial desta doença incapacitante, Alan Thompson apela para a necessidade de mais apoios, novos tratamentos e igualdade no acesso aos medicamentos.
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Neste dia mundial da esclerose múltipla, a mensagem que gostaria de deixar aos doentes é sobretudo de esperança em novos tratamentos ou de alerta para a falta de apoio que estes doentes têm por parte do Estado?

Por que precisamos de escolher? Ambas são prioridades muito importantes! Precisamos urgentemente de tratamentos novos e eficazes para a forma mais incapacitante de esclerose múltipla - EM progressiva. Ao mesmo tempo, precisamos de serviços de saúde muito melhores e que incluam o acesso a tratamentos para todos as pessoas com EM, independentemente de onde vivam.

Qual a situação que mais o preocupa no que diz respeito a esta doença?

Sem dúvida, a falta de tratamentos para a EM progressiva. Embora consigamos já reduzir de forma consistente a parte inflamatória na EM, precisamos de tratamentos eficazes que protejam os nervos dos múltiplos ataques, além de tratamentos que promovam a sua reparação. Só então seremos capaz de lidar eficazmente com a degeneração nervosa que é o mecanismo subjacente à progressão da incapacidade.

Regra geral os doentes recebem os tratamentos mais indicados?

De uma forma geral, diria que sim, mas há muitos países que têm acesso limitado a novos medicamentos e outros onde os doentes têm de pagar o medicamento na sua totalidade e, em muitos casos, os custos são proibitivos.

Quais os sintomas que podem revelar a presença da doença?

Os mais comuns incluem perda visual transitória, distúrbios da sensação e fraqueza motora, mas uma grande variedade de outros sintomas podem ocorrer, incluindo perda de equilíbrio, falta de coordenação, tremor e visão dupla.

Ainda não há cura para a EM, mas tem havido alguns avanços a nível de medicação. Quais salienta?

A supressão eficaz da inflamação foi um grande avanço. Temos hoje mais de 12 tratamentos e, por isso, o desafio é usar o tratamento certo, no doente certo e no momento certo. O segundo maior avanço refere-se aos novos estudos que exploram a proteção das células nervosas e que reutilizam, em muitos casos, medicamentos já disponíveis para outras doenças. Os estudos iniciais trouxeram resultados mistos e há muitos estudos a decorrer. Em terceiro lugar, tivemos dois estudos com resultados positivos nas formas progressivas da esclerose múltipla - um para EM progressiva primária, com o Ocrelizumab, e um para EM progressiva secundária com siponimod. Além disso, existem outros fármacos interessantes que estão a chegar às fases avançadas de desenvolvimento.

Os tratamentos existentes que benefícios têm para o doente?

De uma forma geral o principal benefício é a redução de surtos (recaídas). Temos alguma evidência que indica que podem também ter um efeito para prevenir o desenvolvimento de incapacidade e até mesmo atrasar a progressão da doença, mas isto ainda não está bem estabelecido. Existem alguns dados que sugerem um efeito sobre a fadiga, a cognição e a qualidade de vida mas, uma vez mais, estes não são muito robustos.

Qual a esperança de vida de um doente com esclerose múltipla?

Se a doença for gerida de forma eficaz, a esperança média de vida é, na verdade, apenas reduzida em cerca de cinco a sete anos. Há um pequeno grupo de doentes com doença muito ativa em quem a esperança de vida é gravemente encurtada se não houver resposta ao tratamento.

É coautor de um estudo sobre o impacto socioeconómico da doença na Europa. Quais as principais conclusões que retira do estudo?

Este é o maior estudo deste tipo algu-ma vez realizado e foi liderado pela professora Gisela Kobelt. Foram incluídos um total de 16 808 doentes de 16 países. Foi também o mais completo e incluiu todos os custos relevantes (cuidados de saúde e serviços de saúde, participação do mercado de trabalho, despesas pessoais e ajuda familiar), bem como informações relativas à doença e qualidade de vida. A principal constatação foi a confirmação de que os custos e a qualidade de vida relacionada com a saúde são diretamente afetados à medida que a incapacidade aumenta. A segunda constatação é que, embora a EM afete as pessoas da mesma forma em todo o continente, o modo como os doentes são tratados difere consideravelmente. As razões para isso podem ser encontradas nas diferenças de riqueza económica, disponibilidade de serviços, abordagens e crenças clínicas e características nacionais. A terceira constatação é o impacto grave que tanto a fadiga como a disfunção cognitiva têm sobre a produtividade e a qualidade de vida relacionada com a saúde.

Portugal também entrou neste estudo. Qual o panorama que encontrou?

Em Portugal participaram 535 doentes (idade média de 48,5 anos); 92% estavam abaixo da idade de reforma e destes, 43% estavam empregados. Ficou demonstrado que a taxa de emprego está relacionada com gravidade da doença, e 72% dos doentes sentem que a EM afeta a produtividade no trabalho, na maioria das vezes em virtude da fadiga. De uma forma global, 98% e 74% dos pacientes sentiram que a fadiga e a cognição eram um problema.

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