Entidade Reguladora da Saúde já recebeu quase 90 mil queixas em 2022

55 774 é o número de reclamações registadas na ERS e ocorridas até 30 de setembro de 2022. Mas este número equivale a 87 182, já que cada reclamação trazia outras associadas. Um número que é também idêntico aos de anos anteriores e com os setores público e privado a liderarem a insatisfação dos utentes. Embora, por razões diferentes. O acesso aos cuidados no público, os preços dos atos no privado. Quem gere as unidades diz: "Nenhuma reclamação pode ser desvalorizada, todas são importantes".

Os portugueses estão habituados a manifestar a sua insatisfação em relação aos cuidados e serviços de saúde. Tanto faz que estes sejam realizados no Serviço Nacional de Saúde (SNS), como nas unidades privadas ou sociais. As queixas chegam à Entidade Reguladora de Saúde (ERS), que - desde 2015, ficou com a competência de "garantir os direitos relativos ao acesso aos cuidados de saúde, à prestação de cuidados de saúde de qualidade e demais direitos dos utentes e a verificação da legalidade e transparência das relações económicas entre os diversos operadores, entidades financiadoras e utentes" - e não param de aumentar ano a ano.

Basta referir que, em 2015, foram registadas 55 848 reclamações, em 2016, 69 511, um aumento de 24,5%, em 2017, 80 049, mais 15,2%, em 2018, 97 353, subida de 21,6%, em 2019, 93 563, o único ano em que se registou uma descida, menos 3,9%, em 2020, 96 479, mais 3,1%, em 2021, chega-se às 99 264, mais 42,9%, e 2022 pode ficar muito perto deste número ou até ultrapassar.

Mas, como explica ao DN o presidente da Associação Portuguesa dos Administradores Hospitalares (APAH), Xavier Barreto, para se saber se "este valor é elevado ou não precisávamos de ter outro denominador, como o número total de atos praticados por cada setor, para se poder aferir se temos muitas queixas ou não. Por exemplo, se no setor público estivermos a falar de milhões de atos praticados, se calhar, as quase 90 mil queixas são uma ínfima parte da atividade realizada", reforçando: "É uma comparação difícil de fazer", mas, a verdade, "é que todas as reclamações deveriam ser evitáveis", porque "o que todos pretendemos é que os doentes estejam satisfeitos com o serviço que prestamos. Portanto, todas as reclamações são importantes, nenhuma pode ser desvalorizada. Todas devem ser um sinal de preocupação, de reflexão, merecendo toda a atenção e esforço de melhoria contínua na resposta aos doentes".

Lisboa e Vale do Tejo lidera queixas no público e privado

Este ano, e de acordo com os dados disponibilizados ao DN pela ERS, já foram registadas 55 774 reclamações de utentes ou acompanhantes, ocorridas até 30 de setembro. Mas, este número, representa, de facto, um outro mais elevado de situações, 87 182, já que cada reclamação integrava várias temáticas. A ERS explicou que "o Sistema de Gestão de Reclamações permite selecionar mais do que um tema para cada reclamação e, dentro de cada tema, mais do que um assunto específico".

A Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo é a que integra maior número de reclamações, e com uma margem muito pequena das queixas do serviço público para o privado. Os dados da ERS revelam que nesta região o SNS recebeu até agora um total de 16 587 reclamações e o privado 15 857, embora os motivos sejam diferentes.

Enquanto no primeiro a queixa prioritária vai para o acesso aos cuidados e tempos de espera, no segundo vai para as questões financeiras, preços praticados, que é seguida pela qualidade dos cuidados e procedimentos administrativos, mas esta última é também uma das maiores queixas no setor público. No setor social, cujo número de queixas tem uma dimensão muito menor do que nos outros, destaca-se por ter como principal queixa o cuidado e a segurança do doente.

A ARS Norte aparece em segundo plano nas reclamações, mas como sublinha Xavier Barreto, "é normal que isto aconteça em Lisboa e Vale do Tejo e no Norte, porque são as áreas que mais atos praticam". Embora aqui, a diferença entre reclamações no público e no privado seja maior do que em LVT.

O SNS reúne 12 268 queixas - mais uma vez com o acesso aos cuidados e os tempos de espera à frente, e os procedimentos administrativos em segundo - e o privado 6887 queixas, desta vez com os procedimentos administrativos em primeiro lugar e as questões financeiras em segundo. O setor social recebeu 356 queixas.

Na ARS Centro, a dimensão em números começa a ser mais reduzida, o mesmo no Algarve e no Alentejo. Ao todo, o Centro contabiliza 5539 queixas, sendo que 4108 respeitam às unidades do SNS, 1329 às do privado e 102 às do setor social. No Algarve, o setor público conta com 2189 reclamações, o privado com 779 e 10 no setor social. No Alentejo, há 1673 queixas no SNS, 121 no privado, destacando-se aqui o número de queixas no setor social, 110. Os motivos não diferem do das outras regiões. Ou seja, no SNS as queixas vão para os tempos de espera e procedimentos administrativos, no privado para a questão financeira, procedimentos administrativos e cuidados de saúde e focalização no utente.

Queixas não surpreendem quem gere unidades

Em relação ao número de queixas por regiões, quer no público, quer no privado, o presidente da APAH, diz também que não o surpreendem: "Sabemos que o privado é mais forte em Lisboa e no Porto". O mesmo diz também em relação ao tipo de queixas. "É expectável que o acesso aos cuidados não seja maior queixa nos privados, porque têm menos pessoas a recorrer e há menores listas de espera".

Quanto ao setor público, Xavier Barreto considera que "o acesso é a dimensão mais importante das reclamações, estando esta ligada à dos tempos de espera", sublinhando: "Nada disto é novo e está relacionado com a falta de capacidade que os hospitais têm tido para responder à procura, que tem crescido incessantemente nos últimos anos". Uma situação que o administrador refere que está associada "ao envelhecimento da nossa população e à existência de uma série de patologias crónicas que continuam a crescer de forma galopante e às quais as estruturas de saúde não se têm conseguido adaptar".

E para se adaptarem "é preciso investir mais em profissionais, em equipamentos e em processos mais produtivos". Por outro lado, não estranha que uma das queixas dos utentes esteja relacionada com procedimentos administrativos. E dá um exemplo. "Um doente do SNS tem marcado para o mesmo dia dois exames, uma ressonância magnética e análises clínicas, e uma consulta. São três atos diferentes. Se, por ventura, tem de alterar a data, tem de ir a três locais diferentes e fazer três pedidos de remarcação, que até podem ter de ficar para datas diferentes. Isto acontece porque os hospitais ainda não têm uma centralização do seu agendamento, o que já deveria ter sido modernizado".

A contabilização das queixas recebidas relativamente aos três temas mais reclamados, por região de saúde e natureza jurídica do prestador de cuidados de saúde, no setor público ascendem a 39 825, no privado a 24 973 e no social 799. Ao todo, 65 597. O diferencial para o total de 87 182 respeita a outros temas, sendo que, destas, 237 já foram arquivadas. Mas nem só de queixas é feita uma reclamação, como explica a ERS ao DN, em muitas situações "há elogios específicos a profissionais, a equipas e até às condições em que o doente é tratado".

Todas as reclamações apresentadas são apreciadas, como forma de "assegurar o cumprimento das obrigações dos estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde", porque na base de cada reclamação está sempre o direito dos utentes ou dos seus acompanhantes e é à ERS que compete garantir que estes são cumpridos.

De acordo com a legislação, qualquer pessoa pode usar do direito de reclamação, desde que o faça através das vias legais, livro de reclamações ou o site da ERS. O tempo de resposta "depende da complexidade". E uma reclamação pode ser apreciada e seguir com recomendações de mudanças, ou seguir para infração com coimas, coimas com impugnação, pagamento voluntário ou admoestação.

É preciso referir que existem outros temas para tipificação de queixas que chegam à ERS, como elogios/louvor e sugestões, além do acesso aos cuidados de saúde e qualidade dos cuidados e segurança do doente, focalização no utente, instalações e serviços complementares, procedimentos administrativos, questões financeiras, tempos de espera e outros. Durante o ano de 2021, a ERS recebeu queixas, elogios e sugestões relativos a 3633 estabelecimentos dos setores público, privado e social, o que representa cerca de 10% das unidades registadas no sistema de saúde, 35 496.

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