Ensino Superior. Menos quartos, mais caros e muitos estão ocupados por quem já acabou curso

As residências sociais chegam a poucos estudantes, mesmo que peçam bolsa. A alternativa é procurar no mercado livre, onde há cada vez menos oferta e é mais cara. As associações denunciam que há quem não se matricule por não ter casa e pedem medidas.
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Colocados 49 806 alunos na primeira fase do Ensino Superior, 11,6 % não se matricularam, percentagem superior a anos anteriores, sublinham as associações de estudantes. Argumentam que é, também, o reflexo das dificuldades que os deslocados têm em encontrar casa. Há menos quartos, mais caros e são cada vez mais os jovens que mantêm estes alugueres quando acabam o curso e começam a trabalhar. Não ganham para uma casa. A Margarida, a Joana, a Leonor, o Hugo e a Inês relatam essas contrariedades.

"A habitação é a maior barreira para os estudantes que entram ou permanecem no Ensino Superior e está cada vez pior. Notámos que há uma maior afluência de estudantes e das suas famílias para os ajudar a encontrar um quarto, mas também sentimos que há menos quartos para alugar", diz João Machado, presidente da Federação Académica de Lisboa.

Este foi o segundo ano com mais colocados no Ensino Superior, só que o número de quartos disponíveis não aumentou na mesma proporção, até diminuiu. O dirigente estudantil acredita que, com a pandemia, alguns senhorios acabaram por alugar as casas a famílias ou optaram pelo Alojamento Local. Acrescenta outro problema que se tem vindo a agravar. Os jovens que terminam o seu curso e começam a trabalhar não têm condições para alugar uma casa e ou voltam para as suas terras ou mantêm os quartos.

O alojamento público não tem aumentado a oferta, são as mesmas 15 mil camas identificadas no Plano Nacional para o Alojamento do Ensino Superior (PNAES) apresentado em 2018/2019. Previa a conclusão de mais 2492 lugares em 2020 e 2705 em 2021, o que não aconteceu. O Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (MCTES) não respondeu às perguntas do DN sobre esta matéria.

As matrículas nas universidades e politécnicos não acabaram este ano letivo (os resultados da 2.ª fase saíram sexta-feira), mas em 2021/2022 estavam matriculados quase 412 mil alunos, portugueses e estrangeiros, dados oficiais (ver quadro). Estavam deslocados 29,1% (119 887), subia para 42,5% os potenciais necessitados de habitação. As residências do setor público dão resposta a apenas 3,6% do total de estudantes do Ensino Superior e a 8,6% dos interessados. Além de que muitas instalações estão degradadas, protestam os estudantes.

Em Lisboa é onde se sentem mais dificuldades, não só porque são muito mais os estudantes mas também porque as casas são mais caras. O concelho representa quase um terço do universo universitário (29,7%), sendo que as residências apenas cobrem 1%. Praticam-se preços elevados, com quartos a serem arrendados a mais de 500 euros mensais e os senhorios a exigirem três e quatro meses de caução. Muitos não passam recibo, o que parece acontecer com maior frequência na capital. E, quem quer recibo, paga ainda mais caro por um espaço.

"Os estudantes bolseiros que não conseguem alojamento na rede pública têm direito a um complemento e devem apresentar o recibo. Mas, como dificilmente encontram um senhorio que o passe, acabam por não ter acesso a esse apoio", denuncia João Machado. Defende uma maior fiscalização a estes alugueres, tal como os dirigentes associativos em geral.

Margarida Sousa, 19 anos, e Joana Silva, 18 anos, entraram para o curso de Estudos Asiáticos na Faculdade de Letras de Lisboa, o único no país. Logo, sabiam desde o primeiro momento que tinham de deixar a casa dos pais. A primeira é de Faro e a segunda de Aveiro. Mas começaram a procurar quarto só quando viram a colocação confirmada, como a maioria faz, o que encurta o tempo para fazer essa busca. Recorreram às aplicações de arrendamento, às redes sociais e aos amigos. Acham que acabaram por ter sorte.

Margarida deu prioridade à localização próxima da faculdade e acabou por ficar com o quarto que uma amiga tinha apalavrado e que foi colocada na Universidade Nova. É no bairro do Rego (15 minutos pé da Cidade Universitária), 330 euros mensais, com água e luz. Está num T2 transformado em T3, com uma casa de banho, que partilha com mais duas raparigas. "É um bom quarto, dos melhores que encontrei, vi coisas a preços absurdos e sem condições, camas no chão por 400 euros mensais", descreve. Previu um plafond de 300 euros - acaba por pagar um pouco mais, mas pode ir a pé para a faculdade. Quem o alugou não passa recibo.

Joana encontrou a solução no Facebook. Depois de muito procurar, pediu ajuda nesta rede social e apareceu outra estudante que tinha encontrado um apartamento em Loures, um T3 por 800 euros mensais, com duas casas de banho. "Também tive sorte, os senhorios disseram logo que só alugavam a casa a nós, não exigiram caução e passam recibo. Pagamos 400 euros cada uma, com água e luz, e podemos ceder um terceiro quarto, vamos ver. A única questão é que se alguém sair temos de assegurar o aluguer total, mas comparando com o que vi é muito bom. Respondi a um anúncio quer eram duas camas por quarto e queriam 450 euros mensais".

As duas jovens candidataram-se a uma bolsa de estudo, processo de atribuição que ainda não está concluído. Mas Margarida já sabe que não terá direito ao complemento para o alojamento, uma vez que não tem o comprovativo da renda.

Hugo Varandas, 18 anos, de Albufeira, entrou em Engenharia Eletrotécnica e Computadores no Instituto Superior Técnico (IST). Começou a procurar casa no início de agosto. "Tinha quase a certeza que ia entrar em Lisboa, foi onde meti todas as opções, e comecei logo a procurar. Vi muitos anúncios e liguei para muito lado, foi complicado. Nos quartos que estavam dentro do meu orçamento (350/400 euros mensais) diziam que já tinham 30 visitas. Fui ver alguns que tinham acabado de ser alugados e encontrei casas com quartos a 650 euros e onde moravam seis pessoas, com uma cozinha mínima", conta.

Acabou por alugar um T0 junto ao Técnico, na Alameda D. Afonso Henriques, e que vai partilhar com um amigo, também do Algarve. É uma casa da porteira, sem mobília (só a cozinha estava equipada), por 750 euros mensais, sem contar com a água e a luz. Foi o melhor que conseguiram e alugaram uma carrinha para trazer rapidamente as camas, um sofá, o mínimo para pôr a casa funcional. A vantagem é que passam recibo e Hugo candidatou-se a uma bolsa.

Segundo o Observatório do Alojamento Estudantil (OSE), atualmente, o preço médio por quarto no país é de 294 euros mensais, mais 7,7 % do que no ano letivo de 2021/2022. Resulta da análise do mercado livre de arrendamento e em que foram comparados mais de 100 mil anúncios. Informação detalhada por concelho e que está disponível numa plataforma que o MCTES lançou há dois anos (https://www.student.alfredo.pt/).

Indica em tempo real qual é o número de quartos disponíveis em cada concelho, o preço médio geral e por freguesia, as universidades e politécnicos dessa zona, bem como as camas em residências. É um projeto do ministério em parceria com uma startup portuguesa focada no imobiliário, as associações de estudantes e os serviços sociais das universidades e politécnicos.

Os valores médios variam entre 152 (Covilhã) e 381 euros (Lisboa), sendo que, em geral, as artérias principais são as mais caras, não dependendo esse valor da localização das instituições de ensino.

O Porto apresenta o segundo valor mais elevado.

"Houve uma redução brutal da oferta disponível, o que levou a um aumento dos valores, quartos em média a 300/350 euros. Não estamos a falar apenas no centro, sentimos isso também nas cidades periféricas - Matosinhos, Vila Nova de Gaia, Gondomar e Vila do Conde -, onde os estudantes tentavam arranjar quartos mais baratos. O elevado custo da habitação já se sentia em 2019 e as pessoas começaram a deslocar-se para a periferia, mas agora não há a mesma oferta que havia antes da pandemia", refere Ana Gabriela Cabilhas, presidente da Federação Académica do Porto.

É a segunda cidade do país com mais matriculados no Ensino Superior, 15,4 % do total, e a dirigente estima que 30 % a 40 % dos estudantes são deslocados. As residenciais cobrem 1,7 % do universo estudantil.

Coimbra é a cidade com maior resposta de residências para estudantes, camas que correspondem a 4,3 % dos alunos, sem falar nas repúblicas estudantis. O que se reflete no preço médio de um quarto no mercado privado, não chegando aos 200 euros mensais. Mais barato só na Covilhã (152 euros), também com um maior rácio de residenciais por estudantes que no geral.
"Reconhecemos que tem sido feito um esforço por parte da Universidade de Coimbra ao nível do alojamento para estudantes. Este ano, fez um investimento de 500 mil euros para recuperar residências e foi anunciado mais duas novas a juntar às 13 existentes, mas ainda é insuficiente", começa por dizer João Caseiro, presidente da Associação Académica de Coimbra.

Na prática, sentiram maior dificuldade no alojamento este ano. "Há menos quartos e nota-se o efeito da inflação, sentimos um aumento na ordem dos 10 %. Quartos que há três anos se encontravam a 200/230 euros mensais estão a 270 euros. Estamos a falar do mercado de arrendamento livre, que acaba por ser a maior oferta".

Com a pandemia, muitos estudantes permaneceram nas suas casas, deslocando-se pontualmente à universidade. Este ano, precisam mesmo de ter residência para acompanhar as aulas presencialmente e é mais difícil. "Muitos quartos ficaram por alugar durante a pandemia e houve um desinvestimento dos senhorios no aluguer a estudantes. Também houve quem investisse em estúdios, que têm um preço mais elevado", explica João Caseiro.

Quem vai continuar a morar com os pais é a Leonor Marques, 18 anos, que vive nas Caldas da Rainha. Entrou em Estudos Gerais, na Faculdade de Letras, quase a 100 km de casa, mas a família fez as contas e considerou que valia a pena o sacrifício nas deslocações. "Alugar um quarto é muito caro, seria uma grande despesa e que não compensa em relação ao valor do passe [60 euros mensais]. Demoro cerca de 1h20 a 1h30 para chegar à faculdade, que é quase o mesmo que gastam alguns colegas que vivem em Lisboa", justifica. E há uma grande regularidade entre as camionetas, 15 minutos durante a manhã e 30 minutos à tarde. Tem de se levantar por volta das 05h30 quando tem aulas às 08h00, para sair ao fim da tarde em alguns dias.

"Acaba por se fazer bem, deito-me mais cedo. As aulas começaram há um mês, estava à espera de ficar mais cansada com o ir e vir todos os dias, mas está a correr bem".

E nem as cidades com habitação mais acessível em geral escapam a esta inflação nos arrendamentos, como é o caso de Braga. O preço médio por um quarto este ano é de 270 euros. "Sendo um mercado curto, a situação está pior que em anos anteriores, menos oferta e a que há é mais cara", diz Duarte Lopes, presidente da Associação Académica da Universidade do Minho.

Enumera duas razões principais: "Dois anos de pandemia, significou que muitos senhorios passaram a alugar as casas a famílias"; "se há uns anos, os estudantes acabavam os cursos, começavam a trabalhar e arrendavam ou compravam uma casa, atualmente não têm rendimento para isso".

Segundo os estudantes, o principal problema é que o setor público não cobre nem de perto as necessidades de quem está no Ensino Superior, nomeadamente dos que pedem bolsa de estudo.
O PNAES foi anunciado há quatro anos, previa uma recuperação de residências e a construção de novos espaços, o que não aconteceu, o que é reconhecido pelo próprio governo. Ana Cabilhas critica: "As camas anunciadas não chegaram a ser concretizadas, houve falta de financiamento. O que temos são promessas com base em objetivos traçados no plano 2018/2019 e que não foram efetivadas".

"Muito pouco foi feito desde 2018. Se fosse cumprido o PNAES não estávamos nesta situação", acusa João Machado. Duarte Lopes acrescenta. "Não só não há resposta como o que existe tem falta de qualidade. Não há novas residências e as que existem estão degradadas. Em Braga, a última residência foi construída há 20 anos".

Inês Ramos, 17 anos, entrou em Direito na Universidade de Lisboa, a sua primeira escolha desde sempre, mesmo sabendo que teria que sair de Portimão, onde vivia com a mãe, a sua única fonte de sustento. Espera que lhe seja atribuída bolsa.

Decidiu que ficaria numa residência pública, esteve quase duas semanas à espera e quando as visitou ficou desiludida. Ainda não encontrou uma solução, tem dormido em casa de uma família amiga.

"Logo que soube que tinha entrado, candidatei-me às residências, só ao fim de quase duas semanas obtive respostas e tinha de estar em Lisboa. Tive uma entrevista mas as residências não têm condições. Vi uma na avenida Duarte Pacheco, quartos pequenos e partilhados, casas de banho com as loiças partidas, a cozinha suja. Chegava e diziam: "Tens cinco minutos para decidir se queres ficar com o quarto". E antes de os visitar não explicavam como eram ou mostravam fotos, nada", protesta. O valor a pagar seria de 250 euros mensais, o que é depois coberto pela bolsa, se lhe for atribuída. Decidiu cancelar o pedido de residência e tenciona apresentar queixa sobre o processo. Agora, Inês procura um quarto a preços razoáveis. "O que encontro é por 400 euros mensais e já me chegaram a pedir 1200 euros. Além disso, preciso que o senhorio passe recibo, o que é muito complicado. Há poucos que o fazem e esses são mais caros. Por exemplo, num quarto de 375 euros se passarem recibo fica a 450/500 euros, sobe logo uns 100 euros".

Em julho, o Ministério anunciou 11 795 novas camas e a requalificação de 6444 até 2026 através do PNAES, obras orçamentadas em 375 milhões, prevendo-se gastar 8400 euros por cada cama. O programa está a cargo da Agência Nacional Erasmus+. A região Norte terá o maior número destas camas (5614), seguida do Centro (4790) e Lisboa (4421). No Alentejo, o reforço vai ser de 1991 camas, 719 no Algarve, 434 na região autónoma da Madeira e 270 nos Açores. O gabinete de Elvira Fortunato não esclareceu o DN de como serão faseados estes espaços.

O que se sabe é que vai recorrer ao financiamento do PRR (Plano de Recuperação e Resiliência). Os dirigentes associativos olham com particular atenção para esse processo. "Estamos a assistir a um aumento dos custos associados à construção, nomeadamente dos materiais, e as empresas já apresentaram as propostas. São novos desafios na execução do PRR e gostaríamos de garantir que isso não se refletisse numa má qualidade das habitações", observa Ana Cabilhas.

O que fazer? A dirigente da FAP defende que benefícios fiscais para os arrendatários poderiam "ser um penso rápido". A longo prazo têm de ser tomadas medidas de fundo, nomeadamente na exigência de transparência deste mercado e que passa pela declaração destes alugueres. João Caseiro, de Coimbra, conclui: "É preciso uma maior regulamentação do mercado de arrendamento e uma maior oferta de alojamento público. É preciso canalizar recursos para que as universidades providenciem mais residências públicas e um maior envolvimento das autarquias".

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