Ensino Superior. "Este abandono não surpreende. É preciso criar condições nas universidades"
O Sindicato Nacional do Ensino Superior considera que é preciso agir para travar o abandono que está a acontecer, nomeadamente no primeiro ano das licenciaturas. Segundo um estudo da Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência, divulgado recentemente pela agência Lusa, no ano letivo de 2020/2021, entre as licenciaturas, a percentagem dos que saíram do sistema durante o primeiro ano foi de 10,8%, quando no ano anterior tinha sido de 9,1%. E quase um em cada quatro estudantes (24,4%) que tinham ingressado num curso técnico superior profissional (CTeSP) já não se encontrava no ensino superior nacional um ano após ter iniciado o curso. No ano anterior, a percentagem era de 18,7%, ou seja, 5,7 pontos percentuais abaixo.
Mariana Gaio Alves, presidente do Sindicato Nacional do Ensino Superior (SNES), reconhece que encara este aumento do abandono "com muita preocupação, porque sabemos que não temos em Portugal diplomados a mais. Temos diplomados a menos".
"Nós precisamos de captar mais alunos para o ensino superior, quer jovens quer adultos. E têm sido muito boas notícias, nos últimos anos, para o ensino superior, o facto de existirem mais vagas para os alunos do primeiro ano, e o facto de ter havido maior procura por parte dos jovens que terminam o ensino secundário", afirma a presidente, revelando que tinha esta preocupação do abandono: "aumentar o número de vagas é muito importante, mas é igualmente importante irmos prevenindo este risco que estamos agora a verificar, que é os alunos ingressarem mas depois não concluírem".
A grande preocupação do SNES é criar mecanismos que permitam prevenir o abandono. E isso passa, por exemplo, "por existir maior proximidade entre os alunos e os professores, o que exige um trabalho, da parte dos professores, de colaboração uns com os outros; em cursos onde está a aumentar muito o número de vagas implica também provavelmente contratar mais professores. Porque em algumas áreas as turmas estão a ficar sobrelotadas".
A questão do abandono nunca como agora se colocou de forma tão vincada. E apesar de não estarem ainda estudadas em pormenor as causas, sabe-se que são sociais e económicas as que estão na base, com os recursos financeiros das famílias à cabeça. Mariana Gaio Alves refere a importância de se apostar "num reforço do apoio social", mas vai mais longe, ao invocar outras causas, como por exemplo "o ajustamento entre o tipo de oferta e aquilo que os alunos procuram no ensino superior, bem como a forma como se conseguem integrar".
Professora de Sociologia da Educação, na Universidade de Lisboa, a presidente do sindicato sublinha que, quando no ano passado a organização se congratulou "pelo aumento das vagas e do número de alunos colocados no ensino superior, alertámos precisamente para esta questão, pois era evidente que poderia acontecer este aumento do abandono. Porque é fundamental garantir condições no interior do ensino superior para acolher bem estes alunos. Ou então corremos o risco de ver o abandono aumentar ainda mais".
A sindicalista salienta outro aspeto: "o espaço físico e os equipamentos". Mariana Alves aponta vários exemplos de edifícios que estão degradados, salas que não correspondem ao que hoje é exigido, e onde falta equipamento contemporâneo.
"À medida que vão entrando mais alunos para o primeiro ano, eles também são mais diversos. São alunos que vêm de diferentes origens sociais, culturais, económicas, que tiveram percursos no ensino secundário mais diversos. Basta vermos que temos alunos que vêm do ensino regular e outros que vêm do ensino profissional, e isso também implica que nós ajustemos os trabalhos que lhes pedimos, os conteúdos que ensinamos, a forma como organizamos, àquilo que eles já sabem previamente e àquilo que são os seus percursos anteriores", afirma ainda a presidente do SNES.
"Por isso a nós, sindicato, preocupa-nos que este alargamento [de acessos ao ensino superior], que nós consideramos desejável -- porque é importante para o país e para a qualificação da população portuguesa -- não seja acompanhado por melhores condições que venham a prevenir o abandono", conclui.
Entre as licenciaturas, recorde-se, em 2020/21 houve 10,8% dos alunos a abandonar o ensino superior no primeiro ano de curso, quando no ano anterior tinha sido de 9,1%.
Nos mestrados de 2.º ciclo a percentagem de desistência aumentou 0,2 pontos percentuais, atingindo os 16,2% no passado ano letivo. Apenas os mestrados integrados mantiveram a taxa de abandono (3,7%) nos dois últimos anos em análise.
Numa análise feita pela Lusa aos dados da DGEEC, destacam-se dez cursos de mestrado de 2º grau e um curso técnico superior profissional (CTeSP) em que todos os alunos acabaram por abandonar os estudos um ano após terem ingressado. Os dados mostram ainda que todos estes cursos tinham muito poucos alunos inscritos.
Entre os cursos de mestrado em causa estão o de Direito e Prática Jurídica Europeia, da Universidade de Lisboa, assim como os cursos de Ciências da Educação -- Educação Especial e de Ciências da Educação -- Administração e Organização escolar, ambos da Universidade Católica Portuguesa.
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