Enfermeiros nas praias, mais ambulâncias e reforço de consultas e urgências

Em abril, a taxa de ocupação de turistas no Algarve foi de mais de 650% em relação a 2021. Espera-se que o Verão deste ano seja "de ouro", mesmo com a pandemia ainda a ensombrar. Este fim de semana alargado é já um teste. Os números apontam para 2,5 a 3 milhões de visitantes durante toda a época. E a resposta da Saúde vai ser fundamental. O DN quis saber o que está a ser feito e as reportagens, cuja publicação se inicia este sábado e se prolonga até terça-feira, abordam desde os reforços nesta época ao que falta no ano inteiro, da vontade de fazer à dificuldade de fixar profissionais e à sua desmotivação. Numa coisa, há consenso: "O Algarve ​​​​​​​é a imagem que muitos levam do país e precisa de cuidados de excelência".
Publicado a
Atualizado a

Para os portugueses, é sobretudo uma estância de verão, porque quem não é de lá, raramente se fixa ou cria raízes. Mas para os estrangeiros, é cada vez mais "um paraíso europeu" ou até mesmo "a Califórnia da Europa". E têm sido estes que, ano a ano, têm feito do Algarve, a par de Lisboa, a região que maior número de residentes estrangeiros conquistou. Mas entre portugueses e estrangeiros, que se espalham entre os 4960 km² de serra, zona barrocal e litoral, são, ao todo, 467 495, segundo os Censos de 2021, embora quem lá viva diga serem muitos mais.

"Basta olhar para os utentes inscritos nas unidades de saúde para ter essa certeza", garantem-nos. A verdade, é que em abril deste ano, o Portal da Transparência da Saúde, indicava um total de 526 914 utentes inscritos. "Fora os estrangeiros que residem e que não estão inscritos, porque têm seguros de saúde e usam os privados", reforçam na explicação. A questão é que se já não é fácil assegurar a resposta de cuidados de saúde para os residentes durante o ano inteiro, quando o Verão chega e a população duplica ou triplica tudo se complica ainda mais.

Ao longo dos anos, e pode dizer-se que desde a década dos anos de 1990, que a região se habituou a ouvir falar de planos de saúde para o verão, com o objetivo de reforçar o número de profissionais e a resposta de cuidados aos visitantes.

Este ano, são esperados entre 2,5 a 3 milhões de pessoas. A taxa de ocupação no turismo do mês de abril atingiu os mais de 650% em relação a 2021 e os algarvios, que assumem que esta a indústria é a principal fonte de receita da região, esperam mesmo que "2022 seja um ano de ouro", para recuperarem o tempo perdido com a pandemia.

Neste verão, já sem máscara, sem limites às lotações nas praias, nos hotéis, bares, discotecas e nos restaurantes, a região espera que a imagem que os visitantes levem dali seja a de "um destino turístico de excelência", mas, para isso, "é preciso uma resposta na área da saúde também de excelência".

O primeiro a justificar este objetivo é o próprio presidente da Administração Regional de Saúde do Algarve (ARSA), Paulo Morgado: "A imagem que muitos visitantes levam do Algarve é a imagem com que ficam do país. Portanto, é muito importante que tenhamos cuidados de excelência".

E ao fim de tantos anos de carregarem às costas planos para o verão, cansados de dizerem que têm sido esquecidos, autoridades e profissionais de saúde e a própria população dizem que é altura de pensar seriamente na região e o que faz falta "é de um plano de saúde para o ano inteiro". Por isso, agora, a batalha permanente, e como sustenta Paulo Morgado, "tem sido a de tentar reforçar o número de profissionais durante o ano e promover a sua fixação".

Mas enquanto este objetivo não é alcançado, o Algarve não pode deixar de pensar no verão e nos visitantes que acolhe. E 2022, não é exceção. Da saúde pública ao socorro da emergência e dos cuidados primários aos hospitalares estão pensados reforços de meios e de cuidados, desde enfermeiros em postos de praias a mais ambulâncias e técnicos de emergência, do reforço das urgências básicas até ao de consultas do dia, ou, como chamam na região, de "consultas de recurso".

Na Saúde Pública, e com a pandemia a ensombrar o início da época, houve que assegurar o sistema de monitorização das infeções por SARS-COV-2, mas também os programas que fazem a vigilância dos fenómenos que podem afetar a saúde da população desde a identificação do tipo de insetos que vão estar mais presentes nesta época à vigilância das águas, de consumo, balneares e de piscinas, até aos alimentos e à doença do legionário, legionella.

Destaquedestaque"A imagem que muitos visitantes levam do Algarve é a imagem com que ficam do país. Portanto, é muito importante que tenhamos cuidados de excelência".

O presidente da ARSA assume que este ano contam com "os recursos que aqui estão permanentemente. Vamos aprendendo e já percebemos que a mobilização de profissionais para o Algarve, por um ou dois meses, não funciona", até porque, sublinha, "a questão da sazonalidade é um fenómeno que se esbate cada vez mais e temos de contar só com os nossos recursos", mas acredita que, no final, o balanço da época será positivo."Penso que conseguiremos dar a resposta adequadas à procura".

A época mal começou e as ruas de Vila Moura, Faro ou Portimão já estão cheias de turistas. Nos hotéis e restaurantes é visível que a recomendação de uso de máscara em espaços fechados com muita gente não é cumprida. Quem está, quer aproveitar ao máximo o ar algarvio, o sol e tudo o que o bom tempo e umas férias podem trazer. Um problema de saúde nesta altura? Não passa pela cabeça, mas acontece. Tanto que as situações que mais levam à procura de cuidados dos visitantes são os pequenos traumatismos e situações ligeiras de cortes, quedas, queimaduras solares, desidratação, gastroenterites e intoxicações pela bebida. Situações que exigem resposta de cuidados de saúde e é para isso que a região se prepara.

Paulo Morgado explica que "a pressão turística faz-se no litoral e é aí que reforçamos a resposta durante o verão". Este ano, e já à semelhança do que aconteceu em 2021, vão ser instalados, para começar a funcionar no final de junho princípio de julho, 33 postos de enfermagem em praias de 13 concelhos.

"Vamos ter um a dois enfermeiros pelos postos, dependendo das praias e da sua afluência, para que haja uma resposta de proximidade, nos locais onde as pessoas mais estão, às situações ligeiras que possam surgir, tentando evitar que se dirijam aos centros de saúde ou às urgências sem necessidade", explica o presidente da ARSA.

Depois, "teremos também um reforço das chamadas consultas de recurso nos centros de saúde em todos os concelhos do litoral, tentando ajustar os horários e os recursos em função da procura". O visitante poderá dirigir-se a um centro de saúde e solicitar uma consulta de recurso, que poderá obter naquele dia ou nos seguintes, de acordo com a disponibilidade. Tais consultas funcionarão durante os oito dias da semana e aos feriados, a maioria entre as 08.00 e as 20.00.

Se for uma situação aguda que exija alguma resposta mais diferenciada, há sempre os Serviços de Urgência Básica (SUB), fixados em Vila Real de Santo António, Loulé, Albufeira e Lagos, que são reforçados com recursos, sobretudo com prestadores de serviços, e com horários alargados também. "Isto é o que fazemos todos os anos e com o objetivo de dar uma melhor resposta às situações mais ligeiras na proximidade", explica a presidente do Conselho de Administração do Centro Hospitalar Universitário do Algarve, Ana Varge Gomes, que tem a gestão destes serviços para coordenar em articulação com as urgências diferenciadas dos hospitais.

Mas para que tudo funcione e a resposta seja a mais adequada "é preciso que as pessoas que vêm de férias também façam a sua parte", argumenta a médica. "Há muitas que vêm sem medicação e que depois vão aos SUB ou às urgências dos hospitais pedirem a sua renovação, achando que isto é normal. Não é. É bom que se lembrem de guardar a medicação e que a renovem".

Ana Varge Gomes dá como exemplo o SUB de Albufeira, que chega a fazer no verão "mais de 200 atendimentos, o que é quase tanto como a urgência do Hospital de Faro, e muitas situações são pessoas que vão para fazer pensos, medicação injetável e renovação de medicação. Tudo isto aparece nos SUB e são situações que, se calhar, até poderiam ser articuladas entre os cuidados de saúde primários dos locais onde as pessoas vivem com os dos sítios para onde vão de férias. Isso retiraria logo uma série de pessoas que não têm de ir às urgências", defende.

A presidente do CHUA afirma que para se gerir a resposta e os recursos é preciso que todos colaborem, deixando o mesmo alerta para as urgências de última linha, médico-cirúrgicas e polivalentes, dos hospitais de Portimão e de Faro, que só devem ser usadas em caso de situações com gravidade. Até porque, já não é fácil assegurar a resposta durante o ano inteiro, e nesta altura ainda mais.

"As pessoas esquecem-se que o Algarve tem férias no mesmo período que o resto do país, que as escolas fecham ao mesmo tempo e não podem esperar chegar cá abaixo e ter unidades de saúde a funcionar a full time. Os profissionais também têm direito a férias. A nossa preparação para o Verão começa em dezembro do ano anterior a tentar assegurar as escalas de serviço", assume. O reforço das escalas é feito à custa dos recursos dos quadros, mas muito mais de prestadores de serviços. Por isso, "há sempre contingências".

Nesta época, o reforço da emergência também é vital. O INEM já iniciou o seu plano de verão no dia 1 de junho. Este fim de semana será também um teste, mas já tem mais sete ambulâncias no terreno e mais profissionais. Ao todo, e durante a época vão estar mais dez ambulâncias no terreno. As restantes três entrarão em funcionamento em julho e agosto, que é a altura de pico.

Segundo explica o médico responsável pela emergência na Região do Algarve, Carlos Raposo, "temos um plano que prevê o reforço gradativo de meios, de 1 de junho a 30 de setembro, já começámos, mas a resposta terá de ser avaliada dia a dia e de acordo com as ocorrências, podendo o reforço ter de ser alterado e até prolongado por mais tempo".

O médico assume que o reforço de meios e da resposta é basicamente à custa dos parceiros que integram o Sistema de Emergência Médica (SIEM), bombeiros e Cruz Vermelha, e com quem trabalham em articulação. "Os parceiros do SIEM são fundamentais na resposta à emergência. São eles que garantem a maioria da assistência dada na maioria do território. Há corporações dos bombeiros tem todos os concelhos do Algarve", mas o trabalho é sempre de articulação. "Os parceiros dão os meios e a responsabilidade da resposta e coordenação do SIEM é da responsabilidade do INEM. É o que está consagrado na lei", especificando: "Os técnicos do INEM apenas vão reforçar o sistema com uma ambulância médica em Tavira, cujo funcionamento está previsto para julho e agosto, durante o pico da atividade".

E não poderia ser de outra forma, porque os recursos no INEM tal como em outras áreas da saúde na região são escassos. "Temos o mesmo número de pessoas o ano inteiro, não se consegue reforçar na sazonalidade", mesmo assim, este plano já representa "um aumento grande da carga de trabalho para os nossos técnicos, que vai ter de ser resolvido com trabalho suplementar que terá de ser retribuído. Mas vamos dar o esforço máximo para continuar a assegurar o funcionamento do sistema".

Durante o ano inteiro, a emergência no Algarve funciona com 22 ambulâncias, só seis do INEM, agora haverá 32, mas às ambulâncias acresce o reforço de Desfibrilhadores Automáticos Externos (DAE) nas praias. "Vamos disponibilizar DAE às equipas de bombeiros de Tavira e de Olhão que servem as praias da Ria Formosa e que estão mais distantes das unidades de saúde", afirma.

Carlos Raposo explica que este plano foi pensado com base nas previsões em termos de afluência esperada este ano, desde as reservas em hotéis às chegadas ao aeroporto. À partida, sabem que as situações a que vão ter de responder são, por norma, diferentes das que registam no inverno. "Se no inverno temos mais situações de doenças crónicas, pessoas idosas que descompensam, no verão temos um acréscimo de situações de trauma, embora a maioria não seja ameaçadora da vida". No entanto, "há sempre um aumento do número de acidentados com maior gravidade", o que diz ser normal por haver "mais pessoas a deslocarem-se de um lado para o outro".

O Algarve chega a triplicar a população durante o verão, mas o aumento de ocorrências ou de procura de cuidados de saúde não é proporcional ao aumento da população. "Isso está longe de acontecer", afirma o presidente da ARS. Aliás, "o nosso período mais crítico do ponto de vista das urgências até é no período do Inverno", precisamente porque "a patologia que recorre às urgências nesta época do inverno é mais complexa e potencialmente mais grave. No verão, as situações são mais ligeiras e o reforço das equipas também é pensado em função disso. As pessoas vão às urgências, têm alta e vão para casa. É uma patologia mais fácil de lidar".

Para alguns dos profissionais com quem o DN falou, é consensual que a região não pode continuar a estar isolada em relação ao desenvolvimento de cuidados do resto de país. "O Algarve não pode ser só pensado no verão", refere a presidente do CHUA, destacando: "Tem de se olhar para o Algarve durante o ano inteiro e não só nestas alturas em que se pensa, 'ai, ai que vem aí o verão, e temos de dar respostas'".

DestaquedestaqueMinistério da Saúde diz que acompanha, em permanência, a atividade dos serviços e estabelecimentos de saúde e as respetivas necessidades em matéria de recursos humanos.

O DN contactou o Ministério da Saúde sobre o plano de verão para o Algarve e o reforço de meios. A resposta foi simples. "O Ministério da Saúde acompanha, em permanência, a atividade dos serviços e estabelecimentos de saúde e as respetivas necessidades em matéria de recursos humanos. Em função dessa monitorização, das determinantes contextuais, geográficas e sazonais, desencadeia os mecanismos necessários para suprimir eventuais necessidades. Assim, sem prejuízo da utilização de mecanismos de natureza excecional, sublinhe-se que o Despacho n.º 5775-B/2022, que define as zonas geográficas qualificadas como carenciadas para efeitos da atribuição dos incentivos aos procedimentos de mobilidade e de recrutamento de pessoal médico, publicado no passado dia 11 de maio, já prevê 17 postos de trabalho para a região do Algarve".

Ou seja, a organização e planeamento da resposta está a carga das autoridades regionais e locais e das unidades de saúde, quanto aos recursos humanos há 17 vagas a concurso para médicos na região, resta saber se muitas destas não vão ficar desertas, como tem sido habitual.

O Algarve pode ser das regiões que mais cresceu em termos populacionais e que mais residentes estrangeiros tem, mas também é a região, que a par da capital, tem mais falta de recursos humanos e quem lá vive e trabalha diz merecer não ser esquecido e receber cuidados de qualidade o ano inteiro.

Numa década, a região algarvia tornou-se na quinta mais populosa do país, sendo já a quinta maior área urbana do país. Constituída por 67 freguesias e 16 municípios configura-se numa área total de 4960 km2 que está limitada a sul e a oeste pelo Mediterrâneo, a Norte pelo Alentejo e a leste pela Andaluzia, Espanha. Uma região marcada por assimetrias geográficas e demográficas, hoje divididas pela linha da A22. "A norte da A22 é outro Algarve", dizem-nos. Aliás, quem a define, costuma dizer, que o Algarve reflete o país ao contrário, o litoral tem a maior densidade populacional e, a serra, o interior, está cada vez mais envelhecido e desertificado. Aqui fica um retrato da Saúde em números.

Utentes - Há 526 914 pessoas inscritas na região para usufruir dos cuidados do Serviço Nacional de Saúde. Destes, 90 143 não têm médico de família.

Unidades de Saúde - Dois hospitais gerais com uma urgência polivalente e uma médico-cirúrgica, em Faro e em Portimão, que, embora separados por uma distância de 60 quilómetros, quase como de Lisboa a Setúbal, formam hoje o único Centro Hospitalar e Universitário que existe. Tem quatro serviços de urgência básica, em Vila real de Santo António, Loulé, Albufeira e Lagos, três ACES (Agrupamentos de Centros de Saúde) e a Unidade de Reabilitação do Sul.

ACES - No agrupamento do Sotavento há 63 427 utentes, 57 288 com médico de família atribuído, 6043 sem médico de família. No ACES Central há 277 428 utentes inscritos. Destes 243 718 te médico de família e 33 339 não têm. O ACES do Barlavento é o mais carenciado. Tem 186 059 utentes inscritos, 134 331 com médico e 50 761 sem.

Profissionais - Ao todo, na região há quase 7000 profissionais de saúde nas várias áreas. O Centro Hospitalar Universitário do Algarve reúne o maior número de profissionais (5092). Destes, 480 são médicos graduados e 364 médicos internos (844), 1087 enfermeiros, 12 farmacêuticos, 389 técnicos de diagnóstico, 544 assistentes técnicos, 1225 assistentes operacionais 135 técnicos superiores 21 informáticos e 39 de outras áreas. Os cuidados primários reúnem 1924 profissionais, sendo que 301 são médicos graduados e 77 médicos internos, 526 enfermeiros, 29 técnicos superiores de saúde, 3 farmacêuticos, 149 técnicos de diagnóstico 433 assistentes técnicos, 214 assistentes operacionais, 170 técnicos superiores, 11 informáticos e 12 de outras áreas.

(Leia amanhã reportagem nos cuidados primários)

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt