Falta de condições de trabalho e exaustão leva enfermeiros a pedir escusa de responsabilidade.
Falta de condições de trabalho e exaustão leva enfermeiros a pedir escusa de responsabilidade.Global Imagens

Enfermeiros da Urgência de Santarém pedem escusa de responsabilidade

Desde 2 de janeiro que a Secção Regional do Sul da Ordem dos Enfermeiros está a receber pedidos de escusa e de ajuda de colegas de unidades da Grande Lisboa. De Santarém chegaram 34 e a principal razão é o facto de os cuidados aos doentes não estarema ser prestados de forma “adequada e segura”.
Publicado a
Atualizado a

"Um pedido de escusa de responsabilidade é um grito de alerta, um pedido de ajuda a nós e à instituição. Os enfermeiros não o fazem de ânimo leve. É mesmo porque os cuidados que estão a ser prestados podem afetar negativamente os cuidados aos doentes, porque não são os adequados, nem estão a ser administrados de forma segura.” É desta forma que a presidente da Secção Regional do Sul (SRS) da Ordem dos Enfermeiros, Dora Franco, explica ao DN a preocupação que sente desde que tomou posse, no dia 2 de janeiro, com o que se está a passar no Serviço de Urgência do Hospital de Santarém e nos de outras unidades da Grande Lisboa, como Setúbal, Garcia de Orta, Almada e São Francisco Xavier.


Segundo conta, “os pedidos de Santarém começaram a chegar a 4 de janeiro e, desde essa altura, não há dia em que não recebamos escusas de responsabilidade  ou telefonemas de colegas a pedir ajuda”, conta a dirigente da Ordem. Até agora, o número de escusas de Santarém já vai em 34, mas pode aumentar, sendo que a perceção desta dirigente, e apesar de não poder fornecer dados concretos, é que “estes pedidos estão a disparar em várias unidades da Grande Lisboa”. E reforça: “Um enfermeiro não entrega um pedido de escusa de ânimo leve, é o último grito de alerta para o facto de os cuidados que estão a ser prestados não serem os adequados e de estes poderem suscitar outras complicações aos doentes.”


A presidente da Secção Regional do Sul esteve esta semana no Hospital de Santarém para falar com as equipas de enfermagem e com o enfermeiro diretor que integra o conselho de administração, e já está também a preparar visitas às outras unidades onde os pedidos de escusa de responsabilidade estão a ser apresentados, porque, defende, esta situação é “reflexo do contexto epidémico, mas sobretudo da ausência de planeamento estratégico e de vontade política”.


No caso de Santarém, Dora Franco afirma que a Secção Regional também  já solicitou reuniões urgentes aos oito autarcas do distrito, para que todos, juntamente com o conselho de administração da Unidade Local de Saúde da Lezíria, possam discutir o problema e focarem-se  na definição de uma “estratégia de saúde para a região”. Porque, desabafa, o cenário com que os colegas têm de lidar diariamente “está a levá-los à exaustão. No fundo, eles são o último reduto dos doentes”, comentando, ao mesmo tempo, que “este cenário está a gerar uma certa revolta nos colegas, pois é recorrente e deve-se à falta de planeamento”.

Até agora, e ano a ano, as medidas que têm sido tomadas para atenuar  o pico de uma gripe ou de uma situação epidémica na procura dos Serviços de Urgência “têm sido pontuais e locais”, quando “o que é necessário é uma estratégia de saúde para a região”.

Mas o cenário descrito por Dora Franco leva-nos a um Serviço de Urgência de Santarém com doentes internados durante vários dias em macas nos corredores das Urgências e das enfermarias, por não haver camas vagas.

A um cenário em que “o mínimo de doentes internados na Urgência vai dos 50 a um máximo de 120, por dia”, o que “não é de todo expectável. O que é expectável é que o doente entre na Urgência, seja estabilizado e depois internado numa enfermaria. Macas nos corredores  violam os direitos fundamentais dos doentes, conduz os profissionais à exaustão e aumentam o risco de infeções, de complicações e até de mortalidade entre os doentes”.


Neste momento, “há enfermeiros da Urgência de baixa, havendo outros que estão a ser recrutados noutros serviços de internamento para apoiarem aquele serviço", mas a verdade "é que o número de enfermeiros fixos da equipa da Urgência não é suficiente para fazer face à população que serve”, sendo que a equipa integra 80 profissionais. 


A classe tem lançado vários alertas, mas o grito de agora, que já vai em 34 escusas de responsabilidade, é para dizer que, “desde a pandemia que a situação é recorrente e que sentem que não há um investimento, nem um planeamento a médio e longo prazo para a sua resolução”. Por isso mesmo, dizem que “se sentem exaustos do ponto de vista psicológico e físico”. 

jnlx220305hc13.jpg


Dora Franco reconhece que o enfermeiro diretor tem acompanhado de forma contínua a situação e que o hospital “tem procurado dar  respostas à situação através do aumento do número de camas para doentes com patologia médica, com a suspensão da atividade cirúrgica adicional, para concentrar recursos na Urgência, com o aumento do espaço físico da urgência com duas estruturas modulares e com o aumento de camas nas enfermarias da área médica”. 

Hospital reconhece mais afluência nas Urgências, mas diz estar à procura de soluções

Questionado pelo DN sobre o que está a acontecer no Serviço de Urgência, o Hospital de Santarém, recentemente integrado na Unidade Local de Saúde da Lezíria  reconhece que “está a vivenciar um momento de maior afluência no Serviço de Urgência Geral, o que contribui em linha direta para o aumento da taxa de internamento de utentes do foro respiratório em favor do Serviço de Medicina Interna”. No entanto, salvaguarda que esta situação “é idêntica à de outros hospitais do país”.


Na reposta enviada ao nosso jornal, assume que “o número de internamentos diários é superior ao número de utentes com alta diariamente” e que “existe no momento um número elevado de utentes a aguardar vaga em enfermaria”.

Contudo, refere o hospital “tem sido promovido um conjunto de medidas, como a contratação imediata de nove enfermeiros para integrar a equipa e o reforço da mesma com enfermeiros que vêm de outros serviços. Por outro lado, está a ser feita “a contratação de assistentes operacionais” e está a ser atribuída “uma lotação à equipa de cuidados paliativos, que acompanhará utentes até agora assistidos pela Medicina Interna”.

A administração de Santarém diz ainda que também aumentou a capacidade nos serviços de Pneumologia e de Infecciologia, “que passarão a dar assistência a utentes do foro respiratório”, tendo contratado também “médicos prestadores para que, de forma mais precoce e efetiva, estes utentes sejam acompanhados antes de integrarem os serviços de internamento de Medicina Interna”.

No âmbito das respostas, o número de camas afetas  ao Serviço de Medicina Interna foram aumentadas em  65”, estando ainda a ser tentada, e  em “articulação com o ACES Lezíria uma resposta à doença aguda ao nível dos Cuidados de Saúde Primários em horário alargado” para travar a afluência às Urgências. Por fim, “o HDS serve uma população com cerca de 200 mil habitantes, com um índice elevado de envelhecimento superior à média nacional e que, ao fator idade, associam-se multipato- logias, o que impacta diretamente na complexidade assistencial que estes utentes têm inerente”.

Para a presidente da Secção do Sul, estas medidas são importantes, mas, mais uma vez, são pontuais, e deve ser pensada “uma estratégia de saúde” para esta região e para outras também, já que o que está a ser vivido agora em Santarém e que levou os enfermeiros às escusas de responsabilidade “é uma questão transversal ao SNS”.

9400. Este é o número total de escusas de responsabilidade que a Ordem dos Enfermeiros recebeu entre 2021 e novembro de 2023, sendo que 740 entraram entre março e outubro deste último ano. Entre estes contam-se os pedidos de escusa do Serviço de Pediatria do IPO de Lisboa, dos hospitais Amadora-Sintra e Garcia de Orta. 

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt