Empresas pagaram 150 mil euros por discriminação e assédio
No ano passado foram pagas coimas por 30 infrações detetadas pela Autoridade para as Condições do Trabalho. Secretária de Estado Catarina Marcelino diz que governo vai legislar para corrigir a desigualdade salarial
Em seis anos, a Autoridade para as Condições do Trabalho detetou e aplicou coimas a empresas por 280 infrações praticadas em matéria de igualdade e não discriminação e de assédio (moral e sexual).
No ano passado os inspetores da ACT detetaram 30 situações que não cumpriam a legislação referente à igualdade e não discriminação e aplicaram a estas três dezenas de casos sanções pecuniárias num total de 151 706 euros - inclui os 116 822 euros correspondentes a 18 infrações por assédio moral. Há dois anos as coimas (usando como referência que todas seriam aplicadas pelo valor mínimo, pois é assim que a ACT inscreve estas situações no Relatório de Atividades) atingiram os 92 887 euros - 30 infrações no total, com 12 referentes a assédio.
Uma das violações em matéria de igualdade e não discriminação surge no capítulo relacionado com a disparidade salarial entre homens e mulheres, que o governo quer corrigir com um diploma que ainda está em preparação, como adiantou ao DN a secretária de Estado da Igualdade. "A desigualdade salarial não é conjuntural, é estrutural. No país, a média é de 16% de diferença salarial mas nos lugares mais qualificados está nos 28%. Não é aceitável", afirmou Catarina Marcelino. "Estamos a trabalhar com o Ministério do Trabalho nesta matéria e vamos apresentar à Assembleia da República, até ao final do ano, um diploma para combater a discriminação salarial." Trata-se de uma legislação "que só existe na Alemanha e por isso vamos aprender com os alemães nesta matéria", adiantou. Naquele país as empresas são obrigadas a justificar os critérios sempre que a diferenciação salarial exista.
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Depois de uma diminuição assinalável de infrações em 2014, o número de processos abertos pela ACT contra empresas por igualdade e não discriminação aumentou 60% de 2015 para 2016: de 18 para 30 casos. Por assédio moral e sexual, passou de 12 casos registados em 2015 para 18 em 2016.
"Esse número de processos na ACT é uma ínfima parte de um universo muito maior, porque depois também há as ações nos tribunais do Trabalho", afirma ao DN Rita Garcia Pereira, especialista em direito do trabalho. Nas ações por desigualdade, a advogada conseguiu chegar sempre a acordo, com o pagamento de indemnizações por danos morais a ir dos 60 mil aos 200 mil euros. "Para trabalho igual, salário igual. Este é um princípio constitucional muito violado, porque a diferença salarial entre homens e mulheres é muito grande", sublinha.
Enfrentar em tribunal o diretor
A advogada está a trabalhar numa ação contra uma empresa por assédio moral, interposta por uma mulher que é quadro superior na firma. Em causa, o alegado comportamento persecutório do diretor-geral, que "é machista e incompatibilizou-se com ela, que está apenas um grau abaixo dele na cadeia hierárquica". "Deixou de lhe pagar os prémios a que ela tinha direito, começou a pedir tarefas às subordinadas da minha cliente. A cereja no topo do bolo foi quando a minha cliente se opôs a que ele despedisse uma funcionária que estava grávida", conta Rita Garcia Pereira. A advogada tem outro caso, mas ao contrário: um diretor de operações vítima de assédio moral praticado por uma diretora--geral. "Nesse processo também vamos tentar chegar a acordo."
A secretária de Estado da Igualdade reconhece que "a prova nestes processos é muito difícil". Catarina Marcelino tomou contacto com muitos destes casos de desigualdade e de assédio moral quando foi presidente da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego. "É difícil as pessoas fazerem queixa, testemunharem e arranjarem testemunhas. É quase comparável à violência doméstica, nesse aspeto." As multas podem não ser muito elevadas para grandes empresas "mas para as pequenas e médias empresas, que são o grosso do tecido empresarial em Portugal, pagar uma coima de milhares de euros por não respeitar a igualdade já dói". O novo regime jurídico do assédio no trabalho, aprovado neste ano, "já protege mais os trabalhadores nesta matéria".
O combate à desigualdade "é uma grande prioridade do governo" e as duas áreas estruturantes são "a educação e o mercado de trabalho", sintetiza a secretária de Estado. "Arrancámos neste ano com a disciplina de Educação para a Igualdade e Cidadania em 200 escolas que têm flexibilidade curricular. Para o ano, esta disciplina obrigatória será generalizada a todas as escolas."