Erguendo o seu dorso rochoso aos 1271 metros de altitude, o Monte Wellington é figura tutelar sobre a cidade de Hobart, capital do estado australiana da Tasmânia. A urbe, fundada no início do século XIX por colonos ingleses contou, entre os pioneiros, com um londrino nascido em 1798. Numa vida de 58 anos, freada por um naufrágio no oceano Atlântico, Charles Rowcroft, dividiu a sua atividade por três continentes, foi juiz de paz, proprietário rural e romancista. Em 1826, após regressar ao seu país natal, Rowcroft entregou-se à carreira literária, com livros que evidenciavam a condição do emigrante australiano, de que é exemplo a obra de 1851 An Emigrant in Search of a Colony (Um Emigrante em Busca de uma Colónia). No ano anterior, Charles fora nomeado o primeiro cônsul britânico em Cincinnati, nos Estados Unidos. Ainda em Inglaterra, o romancista endereçou o tema do seu livro de 1848, The Triumph of Woman (O Triunfo da Mulher), para além do nosso planeta. Fascinado com a descoberta astronómica anunciada em 1846, o autor estreou num novo palco, o planeta Neptuno, a ainda embrionária ficção científica. .A noite de 23 para 24 de setembro de 1846, firmou o protagonismo de dois homens, o astrónomo alemão Johann Gottfried Galle e o matemático e especialista em mecânica celeste, o francês Urbain Le Verrier. A descoberta também feriu carreiras como a do astrónomo britânico John Couch Adams. Perto da meia-noite soou o anúncio no observatório astronómico de Berlim. O Sistema Solar alargava a sua família. Aos sete planetas até então identificados, juntava-se um oitavo corpo de grandes dimensões..O que até então era tida como uma estrela no firmamento, alterava o seu estatuto e ganhava um nome. Neptuno, deus romano do mar, imperava a quatro mil e trezentos milhões de quilómetros da Terra. Um ponto branco captado pelo telescópio do germânico Galle, assistido pelo dinamarquês Heinrich Louis d’Arrest, com base nos cálculos anteriores de Le Verrier. Na época, com as limitações impostas pela tecnologia oitocentista, Neptuno estava longe de se revelar na sua violência. Sobre um pequeno núcleo sólido, o gigante gasoso reserva uma camada de água, amoníaco e metano. Sobre este estrato, voluteia uma atmosfera superior composta por hidrogénio e hélio. Em 1989, a sonda espacial Voyager 2, da NASA, aproximou-se e fotografou Neptuno. Ali, vislumbrou o caos à superfície do planeta onde os ventos sopram acima dos 2000 Km/h. .No século XIX, a suposição da existência de Neptuno não era uma excentricidade. Em 1613, o florentino Galileu Galilei descrevera uma estrela na posição onde se encontra o planeta. No ano de 1795 e, mais tarde em 1830, respetivamente os astrónomos Jérôme Lalande e John Herschel, corroboraram as observações de Galileu. Na época, os astrónomos observavam irregularidades na órbita do planeta Úrano que não eram explicadas pelas leis da física newtoniana. Herschel formulou que a gravidade de um planeta desconhecido estava a interferir na órbita de Úrano em torno do Sol. Mote para o espírito matemático de Le Verrier iniciar os cálculos sobre a natureza e posição do hipotético planeta..A 10 de novembro de 1845, o matemático gaulês apresentou à Academia das Ciências de Paris a sua formulação sobre a órbita extravagante de Úrano. Em 1846, pormenorizou a massa e a posição do corpo desconhecido para lá do sétimo planeta do Sistema Solar. Face à indiferença dos astrónomos franceses, Le Verrier endereçou correspondência ao alemão Johann Gottfried Galle. A carta, recebida a 23 de setembro de 1846, instou o astrónomo a apontar ao céu o telescópio instalado no observatório berlinense. Munido de uma carta celeste, Galle identificou na miríade de estrelas o corpo planetário na posição calculada por Le Verrier. Como mais tarde escreveria o astrónomo francês François Arago, Le Verrier havia descoberto um planeta “com a ponta da sua pena”. .A descoberta de Neptuno não foi isenta de polémicas. Durante anos, John Couch Adams reivindicou para si os créditos da descoberta de Neptuno através de cálculos matemáticos. Apadrinhar aquele novo corpo gasoso também não se afigurou pacífico. “Planeta Exterior a Úrano”, “Jano”, “Oceano” e mesmo “Le Verrier” (hipótese apoiada por François Arago, então diretor do observatório de Paris) disputaram um pódio ainda em aberto. Finalmente, por consenso da comunidade astronómica, o novo planeta recebeu o seu nome definitivo, Neptuno. .Dezassete dias após a descoberta de Neptuno, o astrónomo inglês William Lassell apontava o seu telescópio a Tritão, uma das 14 luas até agora identificadas a orbitarem o planeta. Neptuno não fechava a curiosidade sobre o baú de surpresas à guarda do Sistema Solar. O astrónomo dinamarquês Peter Andreas Hansen afirmou a existência de dois planetas para lá de Úrano. Nas décadas seguintes, os olhos da astronomia viraram-se para a hipótese de Hiperião, do Planeta X e do Planeta Nove. Um sonho para além do alcançado pelos cálculos precisos de Le Verrier.