"Desde que começou a época balnear, que em Cascais inicia a 1 de maio, e o dia 31 de maio, tivemos 64 ocorrências. Dessas, 47 foram feridos e não houve vítimas mortais. Houve, ainda, quatro crianças perdidas. As principais ocorrências foram cortes, picadas por peixe-aranha e pessoas que se sentem mal, por exemplo por insolação. Quanto às crianças perdidas, todas foram encontradas”, afirma o comandante Marques Coelho, capitão do porto de Cascais..Este é um pequeno retrato daquilo que se passa, depois, durante todo o verão, em que acidentes acontecem. No entanto, está montado todo um dispositivo de buscas e salvamento, para salvaguardar a segurança dos banhistas, mas também dos que frequentam outras zonas costeiras - como arribas e miradouros - e ainda o patrulhamento em alto mar. .O DN encontrou-se com Marques Coelho na estação salva-vidas de Cascais. Daqui, partimos numa embarcação salva-vidas costeira, para uma ação de patrulhamento. Aos comandos estão os marinheiros Saúl Cid e Tiago Cunha. “A nossa estação é das que tem mais serviço em todo o país, ao longo do ano todo, mas sobretudo no verão”, avança Saúl Cid. “No verão acontecem situações sobretudo com banhistas e ao final do dia. Muitas pessoas saem com pranchas e boias e não conseguem voltar à praia. Começam a ficar longe e os nadadores salvadores também já não as conseguem apanhar. É dado esse alerta e nós vamos, com a nossa embarcação, fazer esse salvamento”, prossegue..A lancha põe-se em movimento a partir da marina de Cascais e vai até à zona da Boca do Inferno. Por ali, há um conhecido miradouro. O barco para e é hora de Saúl Cid apitar para os turistas que se atrevem a ultrapassar a vedação de segurança. Estes acatam a ordem e saem da zona perigosa. “Há, também, muitos pescadores lúdicos que não estão habituados aqui à zona e que arriscam mais. Levam com uma onda e caem ao mar”, acrescenta..E revela um caso concreto, de um salvamento que correu bem. “Um pescador caiu da rocha, ali no Cabo Raso, e ficou com o braço partido e algumas escoriações, mas conseguimos apanhá-lo vivo, felizmente”. O pescador “foi inteligente. Tinha uma daquelas calças de borracha, com bota completa, que quando a água entra, se tornam numa autêntica âncora. Vai logo ao fundo. Ele despiu aquilo e nadou para fora das rochas, foi o que o safou. Há pessoas que, quando isto acontece, tentam voltar para as rochas e subir, e isso é um erro. Mais vale nadar para fora, como este pescador fez, e esperar por ajuda”..A tentação de conseguir uma boa fotografia também coloca muitas pessoas em risco, tanto no Cabo da Roca como na Boca do Inferno. “No Cabo da Roca, se caírem, é morte certa. A altura é muito elevada. Aqui, na Boca do Inferno, se o mar estiver calmo e não baterem nas rochas, ainda têm algumas hipóteses de se salvarem”, explica o marinheiro Tiago Cunha. “Mas as pessoas arriscam muito para tirar fotografias, mesmo quando as estamos a advertir. Alguns obedecem tranquilamente mas há outros que não ligam. Até podem sair do local onde estão em risco, na altura, mas quando viramos costas e o barco vai embora, voltam para lá”..O marinheiro faz, ainda, uma chamada de atenção: “Já tivemos uma situação de estarmos a recuperar um corpo de um pescador que morreu ali e as pessoas, mesmo assim, estarem a arriscar. As pessoas têm de compreender que há linhas vermelhas, porque estão a arriscar a vida delas e também a de quem as vai tentar salvar”..A lancha dá mais uma volta, até à praia de Carcavelos. “Esta lancha consegue ir mesmo até à praia, desde que seja areia, não fundo rochoso. Isso permite fazer uma evacuação mais rápida da vítima que apanhámos. Por exemplo, se estiver aqui a ambulância, em vez de nos estarmos a deslocar até à marina de Cascais, e às vezes em frente ao mar - que é mais perigoso para a vítima - embicamos o barco para a praia e fazemos o transfer a partir daqui”, explica Saúl Cid..“Há outras situações em que a vítima não tem ferimentos, nem sequer é preciso levar para o hospital, chegamos aqui, ela salta do barco e vai para a areia”. A viagem termina de regresso à marina de Cascais onde uma patrulha da polícia marítima, com uma viatura todo-o-terreno já espera pelo DN. .Cabe à polícia marítima o patrulhamento das praias e outras zonas costeiras. “Todas as entidades têm o dever de cooperação com o salvamento da vida humana. E nós, nesse âmbito, também colaboramos no salvamento e resgate de pessoas”, avança o agente de primeira classe Bruno Simões. .O patrulhamento, seja em veículos todo-o-terreno ou em motas, nas praias, tem um efeito de proximidade e visibilidade. “Tentamos fazer um policiamento de proximidade para que a população que acede às zonas ribeirinhas possa ter o mínimo de condições e regras, para que todos possam conviver no mesmo espaço, mesmo em zonas com muita afluência, como certas praias”..É nas praias que concentram maior quantidade de banhistas que pode haver mais problemas. “Temos incidentes de ordem pública, furtos, roubos, agressões. O que a polícia marítima faz é aplicar nas zona costeira tudo o que é feito nas zonas habitacionais”. .A praia de Carcavelos, com cerca de dois quilómetros de extensão, é das mais problemáticas, bem como a do Tamariz, no Estoril. “São zonas com boa acessibilidade devido aos transportes públicos estarem muito perto. Por isso, juntam-se mais pessoas”, afirma Bruno Simões. “Quanto maior é a praia, maior é o risco, pelo número de pessoas que se junta. Pode, por exemplo, acontecer uma pequena escaramuça que acaba por se alastrar a mais pessoas”, explica..O colega, agente de primeira classe Ruben Ferreira, analisa: “Por vezes, por causa de uma pequena coisa, como alguém que tem um animal na praia e outro banhista quer retirar o animal, entram em diálogo. E desse diálogo passa-se a uma discussão, e depois a agressões”. E chama ainda a atenção para os grandes grupos de jovens que também provocam distúrbios. “Há grupos de jovens que já têm rivalidades nos seus bairros e depois replicam isso na praia, como já aconteceu”. .Outra figura fundamental no areal são os nadadores salvadores. Pedro Brás tem 28 anos e faz este trabalho, o ano todo, em Carcavelos, há nove anos. “Alguns banhistas podem ser um bocadinho problemáticos e não cumprir as nossas indicações. É tudo para bem deles, não estamos aqui para incomodar ninguém”, observa. Desacatos também já observou: “Normalmente acontece devido ao consumo excessivo de álcool”..O nadador salvador recorda um salvamento que o marcou. “Foi com um grupo de cerca de 10 jovens que estava num agueiro. Foi um momento de aflição porque eu, e o meu colega, não tínhamos mãos para pegar em todos. Com muito esforço e a ajuda de alguns surfistas, lá os conseguimos salvar”..Pedro Brás desabafa: “É uma profissão muito desgastante do ponto de vista físico e emocional. Por isso, torna-se muito ingrato quando nos estamos a esforçar e os banhistas não acatam as nossas indicações”. .Junto à praia junta-se, entretanto, uma equipa do projeto Sea Watch. O cabo-mor fuzileiro Paulo Teixeira revela o que fazem estas equipas, que dispõem de 30 viaturas, em todo o país. “Este projeto já existe há vários anos, só que agora foram-nos oferecidas novas viaturas todo-o-terreno. Os carros estão equipados com um desfibrilador automático externo e oxigénio. Por isso, além de sermos nadadores salvadores temos formação em suporte básico de vida”. .A missão das equipas Sea Watch desenvolve-se nas praias não vigiadas e outras zonas costeiras, como arribas. “Infelizmente, só estamos presentes durante a época balnear”, afirma Paulo Teixeira. No entanto, quando é necessário, estas equipas podem ser chamadas às praias vigiadas. “Temos meios, como o desfibrilador e oxigénio, e conseguimos fazer logo manobras de suporte básico de vida, mesmo antes de os bombeiros chegarem. É muito gratificante”, conclui.