Em dois anos, Lisboa ganhou mais 15 mil carros por dia
Quem vem para Lisboa todos os dias voltou a preferir trazer carro próprio. Depois de nos anos da crise ter reduzido o número de pessoas que entraram de carro na cidade, 2015 e 2016 mostram que a tendência se inverteu, com um aumento de 15 mil carros por dia. Um mau sinal para a mobilidade e para a qualidade do ar e que é explicado pelo sentimento de fim de crise e pela quebra na qualidade dos transportes públicos, admitem o vereador do planeamento e urbanismo, o ex-vereador da mobilidade, Fernando Nunes da Silva, e o ambientalista Francisco Ferreira.
Os dados a que o DN teve acesso mostram que em 2014 entravam em Lisboa 355 mil carros por dia, número que aumentou para 366 mil em 2015 e para 370 mil este ano (estimativa para o primeiro semestre do ano). Em 2010, ou seja, antes da chegada da troika, as deslocações de carro eram 367 500 mil por dia. "Temos inscritos em Lisboa 160 mil veículos e entram todos os dias cerca de 360 mil, o que significa que por cada três carros a circular, dois vêm de fora. É insustentável", admite o vereador do planeamento Manuel Salgado.
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Problema que a autarquia espera diminuir ao assumir a gestão da Carris - que se espera aconteça em 2017 -, com a conclusão das obras que vão limitar as vias de circulação para os carros e com a criação de parques de estacionamento "próximos de estações de metro e de grandes vias de transporte", anunciou, na terça-feira, o presidente da câmara municipal, Fernando Medina. No total, vão ser criados sete mil novos lugares de estacionamento, entre espaços para residentes e para utilizadores dos transportes públicos.
Também já foram aplicadas zonas onde é proibida a circulação de carros mais antigos, que pretendia também reduzir o tráfego dos carros mais poluentes nas zonas históricas e mais movimentadas da cidade.
Mentalidade e criar alternativas
No entanto, estas medidas podem não ser suficientes. Fernando Nunes da Silva lembra que nos países do norte e centro da Europa onde o transporte público é mais utilizado "passaram por décadas de educação". "Esta é a primeira geração em Portugal onde toda a gente tem acesso ao carro e é natural que as pessoas queiram usar. Não é de um dia para o outro que se mudam mentalidades", aponta o especialista em planeamento urbano.
Juntando a isso o facto de, no entender de Nunes da Silva, a única proposta do atual executivo camarário para reduzir os carros na cidade "é tornar o automóvel como o inimigo, em vez de criar uma complementaridade entre transporte público e privado que levasse as pessoas a deixar de usar o carro".
O aumento do tráfego em Lisboa não é surpresa para o ex-autarca que o relaciona com "a mudança política do governo de que a austeridade tinha acabado e a degradação total da rede de transportes coletivos, seja o metro, a carris ou resto do transporte rodoviários da região de Lisboa". Nunes da Silva antecipa ainda uma terceira razão - "embora não haja dados que a comprovem" - que é "o relançamento da atividade turística que implica mais deslocações a Lisboa para empregos temporários ou pessoas que vêm em lazer". Além disso, "a quebra do desemprego também significa que há mais gente a circular".
Por outro lado, "a oferta deficitária de transportes públicos" e os estudos que mostram "que o sai mais barato em algumas ligações trazer carro próprio do que utilizar o transporte coletivo, não ajuda a que as pessoas deixem o carro em casa", conclui.
Qualidade do ar piorou
Ao saber que mais carros entraram em Lisboa por dia no ano passado, o ambientalista Francisco Ferreira reagiu com um "faz todo o sentido que a qualidade do ar tenha piorado então em 2015". O fundador da associação Zero lembra que "realmente 2015 foi um ano com problemas de qualidade do ar que não tínhamos tido em 2014".
Um dos exemplos é a Avenida da Liberdade, cuja estação de medição da qualidade do ar apanha sobretudo os efeitos do tráfego rodoviário e "apesar de haver alguma variabilidade meteorológica, em 2015 voltámos a ultrapassar o número de dias permitido do valor limite diário de partículas e o óxido de azoto ultrapassou o valor horário e valor anual de limite".
Francisco Ferreira reconhece que "a cidade ainda não está preparada para evitar este afluxo acrescido de viaturas. Uma das expectativas é que as obras que estão a ser feitas possam dar um contributo para uma cidade mais amiga das pessoas e da mobilidade". Com F. N.