Em caso de 'apagão', Linha SNS24 não tem forma de responder a utentes. “Devem ligar para o 112”
A Linha SNS 24 e SNS Grávida, que é hoje a principal via de acesso aos cuidados do SNS por parte de quem está com uma situação de doença aguda, não esteve disponível para todos os utentes, pelo menos para aqueles que ficaram sem acesso às redes de comunicações durante o apagão da última segunda-feira.
O organismo que gere estas linhas, Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (SPMS), questionado pelo DN sobre como foi o seu funcionamento no dia do apagão, afirma que perante “a falha de energia registada a 28 de abril de 2025, todos os centros de contacto do SNS 24 ativaram automaticamente os seus mecanismos de contingência, assegurando a continuidade da prestação de serviços. Foram mantidos ativos todos os canais dos centros de contatos, garantindo a disponibilidade total da linha de apoio à população”.
No entanto, e confrontado com a questão da inexistência de comunicações, o que impedia o acesso dos utentes pelos seus serviços normais, telefones e app digital, argumenta que "não é uma linha de emergência". "O SNS 24 é uma plataforma omnicanal, disponibilizando serviços através da Linha, da App, do Portal e dos Balcões SNS 24. Em caso de emergência médica, como acidente ou doença súbita, os cidadãos devem ligar 112, o Número Europeu de Emergência. O 112 canaliza, depois, para os Centros de Orientação de Doentes Urgentes (CODU) do INEM, as chamadas que à saúde digam respeito”.
Na resposta ao DN, o SPMS destaca mesmo: “Acresce referir que a Linha SNS 24 não é uma linha de emergência, mas manteve, no dia 28 de abril, como habitualmente, a articulação com o CODU - Centro de Orientação de Doentes Urgentes do INEM, permitindo, por um lado, identificar situações que necessitavam de rápida intervenção médica, encaminhando-as para o INEM, e, por outro lado, receber, por parte do CODU, situações que, após triagem, foram classificadas como não emergências médicas e transferidas para o SNS 24”.
“A doença aguda não deve ser vista numa situação com a do apagão?”
Um argumento que para o presidente da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar (APMGF) é criticável. “Por mais que nos seja dito que a Linha SNS 24 não é de emergência, considero que é um serviço fundamental e básico que tem que funcionar em situações como a do apagão”, afirma, questionando mesmo se as situações de doença aguda, embora não sendo uma urgência ou emergência, não devem ser tratadas nestas alturas. “Num centro de saúde, a consulta de doença aguda, não sendo uma urgência, é um serviço que tem de continuar a funcionar, mesmo em situações de apagão. Portanto, tem de haver condições para que um serviço destes continue a funcionar, senão desestruturamos todo o sistema”.
Nuno Jacinto sustenta as suas declarações com o facto de, neste momento, a Linha SNS 24 ser “uma das portas principais de acesso aos cuidados de saúde primários e às urgências hospitalares”. Portanto, e perante a situação de os utentes não terem forma de a contactar, argumenta: “A partir do momento em que dizemos não, tem de passar tudo para o 112, o que não me parece lítico, sabendo-se das dificuldades que tem e teve até na comunicação com o CODU”.
O médico ressalva: “Em termos técnicos não sei responder o que será mesmo necessário fazer, mas o importante é que, numa situação destas, seja garantido o funcionamento desta linha, tal como deveriam funcionar todas as comunicações em saúde".
Para Nuno Jacinto "não podemos assumir que vamos entrar num estado em que só temos a urgência hospitalar aberta para todas as situações. Isso não é lógico, não é adequado e não podemos empurrar tudo para o serviço de emergência pré-hospitalar, numa situação destas. É claro que se não houver condições para tudo o resto funcionar, é para o INEM e para as urgências hospitalares que irão todas as situações, mas não é isso que se pretende".
“É um exemplo de que os utentes estão reféns destas linhas”, diz Fnam
O DN contactou ainda os dois dirigentes dos sindicatos dos médicos sobre esta situação que pode ter tido reflexos no acesso ou encaminhamento aos cuidados de saúde, e as posições diferem. Para Joana Bordalo e Sá, presidente da Federação Nacional dos Médicos (Fnam), isto “é um exemplo de como os doentes estão reféns destas linhas telefónicas. Há um apagão, as linhas falham e as pessoas ficam completamente sem saber o que fazer. Enchem o INEM de chamadas?”, questiona também.
Nuno Rodrigues, secretário-geral do Sindicato Independente dos Médicos (SIM), diz, por seu turno, perceber que o acesso à Linha SNS24 não tenha sido fácil pela falta de comunicação e alerta: “No caso das grávidas, se não conseguirem contactar a linha devem ir logo para um serviço de urgência”.
A dirigente da Fnam, que tem vindo a defender que a criação destas linhas deve continuar a ser analisada, diz mesmo que “estas só foram criadas porque os serviços do SNS, nomeadamente urgências e cuidados primários, não conseguem dar uma resposta aos utentes. São uma forma de substituir a avaliação física do doente, e não deve ser assim que se resolve esta situação. Mas já que existem, então que estejam preparadas para funcionar em situações de emergência”.
O presidente da APMGF dá até um exemplo: “Imaginemos que esta situação se tinha prolongado por mais 12 ou 24 horas. Todas as chamadas do SNS24 teriam de ser atendidas pelo 112? Se a própria Linha SNS24, muitas vezes, já tem dificuldade para as atender, é lícito esperar que o 112 consiga atender e orientar todos os utentes, sendo este, de facto, um serviço de emergência e de urgência?”.
Nuno Jacinto continua: “Temos um apagão e só atendemos urgências e emergências? Não há doença aguda ou em geral moderada que precise de ser vista? Esta doença aguda ou em geral moderada é orientada pelo CODU? Não me parece lógico. Até porque isso vai comprometer a resposta às situações efetivamente de urgência e emergência, e é isso que não queremos”.
O médico compreende que a situação vivida no dia 28 de abril foi inédita e “fomos apanhados desprevenidos. Melhor ou pior podemos compreender isto. Agora, não podemos é aceitar que à posteriori, e na análise que é feita, digamos que a Linha SNS24 não é um serviço de emergência e que não há problema nenhum que fique parado ou inacessível ou com atividade reduzida”.
O representante da Medicina Geral e Familiar considera mesmo que “não podemos enveredar por este caminho. Temos de garantir que sejam criadas as condições para que este serviço funcione a partir do momento em que foi esta a opção para que muitos utentes entrem no SNS no que diz respeito à doença aguda”.
SNS24 recebeu 11 400 chamadas no dia 28, menos 6900 que na segunda-feira anterior
Questionado sobre o número de chamadas recebidas naquele dia, o SPMS refere que “recebeu cerca de 11 400 chamadas, tendo-se verificado uma redução de chamadas face ao mesmo dia da semana anterior”, que foi, e segundo o mesmo organismo, de 18 300. Ou seja, menos 6900, confirmando que “a diminuição do número de chamadas atendidas deveu-se à indisponibilidade dos serviços de telecomunicações no país. Isto é, os utentes contactaram menos a Linha SNS 24, porque não dispunham de serviços de telecomunicações”.
Segundo o SPMS, “os canais digitais do SNS 24 - App e Portal SNS 24 – estiveram sempre disponíveis. Esta estabilidade garantiu que a população continuasse a ter acesso a informações e serviços de saúde essenciais, como o histórico de receitas médicas emitidas eletronicamente”.
Ou seja, os utentes que ainda conseguiram ter acesso ao telefone e à rede digital após as 11.30, hora a que ocorreu a falha energética que duraria mais de 11 horas, puderam ter acesso a alguns serviços, como aos pedidos de receituário, através da plataforma digital, mas não conseguiram resolver situações de doença aguda.
O DN, e como já foi referido anteriormente, teve dois relatos de utentes que, não conseguindo ligar para Linha SNS24, tiveram de se dirigir presencialmente ao seu centro de saúde e a uma urgência hospitalar.
Pelo menos para o presidente da APMGF e para a dirigente da Fnam, já que este serviço foi instituído como a principal via de acesso ao SNS tem de ser garantido, nestas situações, que "se mantenha a funcionar, como uma linha de emergência".