Em busca de uma nova esperança para doentes obsessivo-compulsivos
É uma das doenças mais incapacitantes, mas também uma das doenças mentais mais menosprezadas, até ao nível da investigação científica. Em Portugal, "estima-se que o transtorno obsessivo-compulsivo [TOC] atinja até 4% da população" - acima da prevalência geral de 2% a 3% estimada a nível mundial -, diz Pedro Morgado, psiquiatra do Hospital de Braga e investigador da Escola de Medicina da Universidade do Minho, que nesta terça-feira terá o seu projeto de investigação sobre a doença anunciado como o vencedor da primeira edição do FLAD Science Award Mental Health, atribuído pela Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento.
Sentir a necessidade de limpar partes do corpo ou da casa várias vezes por dia, colocar objetos de forma rigorosamente simétrica, realizar algumas ações ou tarefas sempre na mesma ordem, verificar regularmente se portas e janelas estão fechadas, acumular coisas inúteis por incapacidade de se desfazer delas, enfim, há vários sinais que podem não passar de simples "cismas" para muitas pessoas, mas para outras são sintomas de um calvário obsessivo-compulsivo que as condiciona seriamente .
"Há diferentes tipos de obsessões: relacionados com lavagem e contaminação, com dúvida e verificação, ordem e simetria, acumulação ou medo de pensamentos transgressores sobre comportamento, sexo ou religião", descreve Pedro Morgado, que sublinha a seriedade da doença: "É uma doença muito incapacitante, que implica níveis de sofrimento e diminuição de qualidade de vida muito significativos."
Ainda para mais, destaca o investigador da U. Minho, "é uma doença que começa, na maior parte das vezes, na adolescência ou início de vida adulta, e por isso acompanha grande parte da vida do doente". Além disso, acrescenta Pedro Morgado, o transtorno obsessivo-compulsivo pode muitas vezes desencadear outras doenças de foro mental, como "depressão e perturbação de ansiedade".
"As pessoas, em grande parte dos casos, têm noção do absurdo dos comportamentos e têm vergonha deles. E isso atrasa muitas vezes o diagnóstico, agravando a doença", refere o psiquiatra, dando o exemplo de casos em que, nos estados mais graves de TOC, "as pessoas ficam horas a fio a repetir rituais ou são mesmo incapazes de sair de casa".
O projeto de investigação de Pedro Morgado, que a FLAD agora premeia com uma bolsa de 300 mil euros, propõe-se trazer mais luz sobre uma doença à qual ainda é dada pouca atenção. E divide-se em duas partes, ao longo dos próximos três anos.
A primeira parte do projeto pretende ajudar a perceber melhor, através da ressonância magnética funcional - "análise das imagens cerebrais" -, a resposta dos doentes aos tratamentos convencionais existentes, "uma ferramenta útil para obter um melhor diagnóstico e poder decidir o tratamento de forma mais precoce e eficaz, personalizando-o", explica.
A segunda parte consiste num ensaio clínico para testar um medicamento atualmente utilizado em doentes de Parkinson, mas em doentes com o transtorno obsessivo-compulsivo. O que, a ser bem-sucedido, "permitirá um novo tratamento para as pessoas que não respondem aos antidepressivos convencionais nem a psicoterapia", frisa Pedro Morgado. "É especialmente importante numa doença como esta, que não tem grande atenção dos laboratórios", diz.
Atualmente, os tratamentos de primeira linha existentes passam pelo uso de fármacos antidepressivos e pela psicoterapia. "Mas só cerca de 50% das pessoas respondem a esses tratamentos, muitas continuam com sintomas muito significativos", nota o psiquiatra. Ou seja, para muitos doentes é necessário avançar para "tratamentos de segunda linha", o que significa o recurso a "antidepressivos tricíclicos, mais fortes, e antipsicóticos." Aí, a taxa de sucesso sobe "até dois terços".
A verdade é que, para já, o desconhecimento sobre a doença ainda é grande. "Sabe-se que entre os fatores de risco estão componentes hereditárias, mas ainda não se sabe como; sabe-se que pode haver ligação a algumas infeções em criança, a eventos traumáticos e stress crónico; sabemos que há alguns indicadores de mau prognóstico, ou seja, de maior gravidade, como a quantidade de anos sem tratamento, a idade de início dos sintomas, o sexo masculino; sabemos que há algumas áreas mais disfuncionais no cérebro, mas não sabemos porque é que a doença acontece nem como corrigir essas disfunções", descreve o investigador.
O projeto liderado por Pedro Morgado procura aumentar a eficácia dos tratamentos para doentes com TOC, seja por um melhor diagnóstico ou pela descoberta de tratamento inovador, como pode ser este fármaco usado para tratar a doença de Parkinson - e que agora será testado em ensaio clínico (em doentes, portanto) neste projeto.
"Nós já testámos em modelos animais o uso de medicamentos dopaminérgicos, que reverteram os sintomas. O que vamos fazer agora é testar o uso desses medicamentos, no caso um fármaco já usado em Portugal no tratamento de Parkinson. Vamos testar a eficiência de doses específicas desse fármaco no tratamento dos sintomas de transtorno obsessivo-compulsivo", explica o investigador, de 37 anos. "Se formos bem-sucedidos ganhamos uma nova ferramenta tão necessária para o combate a esta doença", espera.
Para Elsa Henriques, administradora da FLAD, "as doenças e perturbações mentais são cada vez mais comuns e incapacitantes. Instituindo um prémio de investigação clínica na área da saúde mental, a FLAD pretende apoiar jovens investigadores que se proponham desenvolver e validar estratégias mais eficazes de prevenção, soluções terapêuticas e abordagens de reabilitação". Nesta primeira edição, o vencedor foi escolhido por unanimidade.
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