Em 2021, houve menos doentes inscritos e ainda ficaram por realizar meio milhão de consultas

Dados da ACSS revelam que, em 2021, houve um aumento da atividade das unidades do SNS, quer em consultas quer em cirurgias em relação a 2019, mas, a verdade, é que também houve menos doentes inscritos para estes cuidados. O presidente da APAH confirma que as unidades "fizeram um esforço imenso para aumentar a atividade" em tempo de pandemia, mas, a questão é que "os doentes também não chegaram aos hospitais". E este continua a ser o problema
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Os tempos de espera para primeiras consultas ou cirurgias a cumprir pelas unidades do Serviço Nacional Saúde (SNS), por serem considerados os adequados para os utentes, estão definidos na Portaria n.º 153/2017, e podem ir desde sete a 15 dias ou até mesmo 120 dias. Tudo depende das situações e da sua gravidade. O mesmo acontece para as intervenções cirúrgicas, com exceção para as situações agudas e neoplásicas que podem requerer resposta imediata.

Mas o cumprimento destes tempos nem sempre é concretizado e isso tem feito, sobretudo nos anos pré-pandemia, que as listas de espera para uma consulta ou cirurgia aumentassem de ano para ano. Mas, em 2021, e segundo dados disponibilizados ao DN pela Administração Central dos Serviços de Saúde (ACSS), a atividade das unidades do SNS aumentou e os tempos de espera reduziram face aos dois anos anteriores, 2020 e 2019.

A verdade, e como explica o presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares (APAH), tal aconteceu porque "houve menos pedidos de consultas e de cirurgias". E, mesmo assim, em relação aos pedidos de consultas houve mais de meio milhão que ficaram por realizar nos Tempos Máximos de Resposta Garantidos (TMRG).

Alexandre Lourenço confirma que houve, de facto, "um esforço imenso para realizar mais atividade", apesar de ter sido um ano crítico em termos de pandemia. E que este aumento de atividade não foi em todas as unidades. "Não se pode dizer que todas o tenham conseguido, mas aquelas que conseguiram fizeram com que isso depois se refletisse na globalidade da atividade".

A verdade, refere, é que os doentes não chegaram aos serviços do SNS. "Como pode ver pelos dados disponibilizados, há menos pedidos de consultas e de cirurgias em 2021 do que em 2019. E este é o verdadeiro problema que temos. Um problema que está na origem dos cuidados, porque os doentes só chegam aos hospitais pela referenciação dos cuidados primários ou pelos serviços de urgência é este total que depois se reflete nos pedidos de consultas e de cirurgias e, em relação a 2021, este número é menor do que o de 2019, que foi um ano normal".

O presidente da APAH alerta mesmo para o facto de, menos doentes referenciados, poder levar a que estes cheguem aos serviços em estado mais grave e mais avançado da doença do que o desejável.

De acordo com os dados da ACSS, e em relação às consultas, o ano de 2021 foi aquele em que se realizaram mais consultas dentro do tempo adequado, relativamente aos resultados de 2019 e 2020. No entanto, é de destacar que, em 2021, houve menos 85 095 pedidos de consultas em relação a 2019. Neste ano, foram registados 1 832 621 pedidos de consultas e realizadas 1 343 513, o que representa uma taxa de execução, segundo a ACSS, da ordem dos 69,7%. Mas, em 2020, altura em que os serviços estiveram fechados à atividade programada durante um tempo e por ordem do Governo, devido à covid-19, foram feitos 1 192 831 pedidos de consultas e realizadas 1 035 812.

Em 2021, registaram-se 1 747 526 pedidos de consultas e realizaram-se 1 180 534, 78,9% de execução. Mesmo assim, e como revelam os dados, ficaram por realizar no âmbito do TMRG mais de meio milhão de consultas, 546 992. Um número superior ao registado em 2019, em que ficaram por realizar 489 108 face aos pedidos registados, e em 2020, em que ficaram por realizar 157 019 consultas.

Alexandre Lourenço explica: "Houve um esforço grande para se recuperar a atividade, mas não se pode dizer que, em 2021, as unidades do SNS tenham atingido níveis de produção superiores aos da pré-pandemia. Pelo contrário, os dados mostram que em 2021 acabámos por ter um valor de referenciação abaixo do de 2019 para consultas e cirurgias".

Em relação à atividade cirúrgica, os dados da ACSS, no âmbito do programa SIGIC (gestão de listas de inscritos para cirurgia), revelam "uma recuperação da percentagem de inscritos que conseguiram resposta assistencial dentro dos tempos máximos adequados, cerca de 9% em relação a 2020 e de 2,7% em relação a 2019, tendo a "média do tempo de espera sido, em 2021, de 3,2 meses, a mais baixa dos últimos três anos - desceu 9,4% relativamente a igual período de 2020, que registou uma média de 3,5 meses de espera, e 4,9% em relação a 2019, uma média de espera de 3,3 meses".

Para Alexandre Lourenço, esta redução do tempo de espera está de acordo com o facto de haver menos doentes para operar. "Se houve menos doentes referenciados para cirurgia é normal que o tempo médio de espera tenha diminuído", sublinhando que a realidade constatada nas unidades do SNS, desde 2015, "é contraditória a esta. Havia um aumento progressivo deste tempo".

Aliás, sublinha, que uma das suas preocupações é que nestes dados da ACSS "não esteja representado o tempo de espera das patologias mais complexas, porque são estes doentes que ficam em espera".

Os dados da ACSS indicam que, em 2021, foram inscritos para cirurgias 210 143 doentes, menos do que em 2020, que havia 212 607, e do que em 2019, que havia 242 949. "Os números de 2021 são dos mais baixos dos últimos anos, e não só relativamente a 2019 e 2020".

Mas, no total, e segundo refere a ACSS ao DN, o número de cirurgias que acabaram por ser realizadas nas unidades do SNS foi superior em 2021. Até dezembro deste ano, "realizou-se um total de 708 922 intervenções cirúrgicas, das quais 613.690 programadas, mais 25,7% face ao período homólogo de 2020 e mais 1,8% em relação a igual período de 2019".

O acesso aos cuidados de saúde em tempo útil é uma prioridade do SNS. Existe mesmo um programa que permite "agendar a cirurgia dentro do prazo legal" para outra unidade quando o hospital da residência não tem capacidade de resposta. "O sistema emite uma nota de transferência ou vale-cirurgia (NT/VC), para que o utente possa realizar a sua operação noutra unidade, quer seja do setor público social ou privado", explica a ACSS.

Em relação a este aspeto, o ano de 2021 também foi o ano em que se emitiram menos notas de transferência e menos vales cirúrgicos, 156 264 - exatamente porque houve menos doentes e mais capacidade para resolver as situações que existiam. Em 2020, foram emitidos 222 002 notas e vales e, em 2019, 249 962.

No entanto, o utente pode decidir se pretende ou não ser intervencionado num hospital que não o de origem. E a percentagem de recusa foi superior em 2021, da ordem dos 23,8%, apesar terem sido emitidos menos notas de transferência e vales, quando em 2020 esta recusa foi de 17,7% e, em 2019, de 18,8%.

Segunda explica a ACSS ao DN, o principal motivo da recusa do utente é precisamente o de não querer ser transferido para outra unidade, por vezes algumas a muitos quilómetros da sua residência, ou por a cirurgia ter acabado por ser agendada no seu hospital ou ainda porque deixam de expirar o prazo de validade da emissão da nota ou do vale.

Para Alexandre Lourenço, a preocupação em relação aos anos de pandemia e já em relação a este ano é a redução no número de doentes referenciados e a redução dos diagnósticos precoces em várias patologias graves, que não podem ter tempos de espera, porque, "no limite, o que vai acontecer é que quando chegarem já vão estar em situação mais grave". E é isto que deve ser evitado.

Para o administrado hospitalar, há várias medidas, algumas das quais têm vindo a reivindicar, que podem ser tomadas no sentido de agilizar o acesso dos doentes nomeadamente aos hospitais. Este acesso pode ser melhorado com a criação de mais vias verdes para certas doenças, nomeadamente para a área oncológica, para permitir também diagnósticos mais rápidos e precoces.

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