Uma experiência psicadélica pode ajudar um toxicodependente no tratamento para se livrar do vício? No caso do alcoolismo, estudos científicos atuais dizem que sim. A substância neste caso é a cetamina, um fármaco utilizado como anestésico hospitalar, mas que conquistou as ruas mundo fora pelo seu potencial “alucinogénio”..Conhecida como Special K - do nome em inglês, ketamine - a droga foi a causa da morte do ator Matthew Perry, da série Friends, há um ano. Se, por um lado, os seus efeitos letais decorrem do uso descontrolado, no lado oposto há avanços nas investigações que apontam a substância como uma revolução no tratamento de adições e transtornos mentais..Em Lisboa, realiza-se esta quarta-feira (6) uma conferência focada no tema, no auditório da PLMJ Advogados e com emissão em direto pelo canal no YouTube da The Clinic of Change, promotora deste evento que apresenta Celia Morgan, da Universidade de Exeter, no Reino Unido, como uma das oradoras em destaque..Em que fase está a sua investigação neste momento?.Estamos a conduzir um estudo de três fases, com fundos de três milhões de libras (3,5 milhões de euros) pelo Serviço Nacional de Saúde (NHS na sigla em inglês). É um ensaio clínico apenas no Reino Unido, gostaríamos de fazer algo no âmbito internacional. É realizado em oito hospitais diferentes do NHS, vamos recrutar 280 pacientes. Chamámos os primeiros em setembro e temos como meta concluir em dezembro de 2025..Quando falamos em cetamina, pensamos na droga em termos de adição, não de tratamento. O que já se sabe sobre o seu uso em transtornos mentais?.É um bom ponto, porque a cetamina é uma droga recreativa e há pessoas que desenvolvem problemas com ela, mas usamo-la de modo completamente diferente, enquanto tratamento para problemas mentais e de toxicodependência. O nosso estudo trata pessoas que abusam do álcool. Elas recebem três doses, integradas numa terapia desenhada para combater a adição. Achamos que a droga age como um catalisador para os efeitos da terapia..E como atua essa substância?.As mudança no cérebro após o uso da cetamina tornam-no mais apto a processar novas informações, há aquilo a que chamamos um aumento da neuroplasticidade. Há também a experiência sob o efeito da cetamina. As pessoas passam a ter uma perceção diferente da realidade e acreditamos que isso lhes dá uma via para pensar sobre problemas antigos de modo diferente. Para quem lida com adição, depressão ou outro problema mental, em que o mundo parece que se está a fechar, a cetamina pode ajudá-los a abrirem-se novamente. É neste momento que trabalhamos com a terapia. É totalmente diferente do uso de antidepressivos, em que se toma um comprimido todos os dias..Em Portugal, já se utiliza a escetamina em tratamento de depressões persistentes. Qual é a diferença?.A cetamina é uma molécula com duas imagens em espelho. A empresa farmacêutica colocou uma delas, a escetamina, numa fórmula para aplicação intranasal. Pessoas que falharam noutros tratamentos contra a depressão, que estão severamente doentes, podem receber a dose, são jatos intranasais. Não há nenhuma psicoterapia envolvida, é apenas a droga. Eu participei em algumas investigações, mas todos os estudos mostram que quando administramos escetamina ou cetamina com uma terapia associada, prolongam-se os efeitos positivos. Isto está demonstrado em pessoas com depressão, ansiedade e com problemas de abuso de substâncias, que é o que eu investigo. Especialmente na toxicodependência, a droga é um catalisador para a terapia. A droga sozinha alivia os sintomas, mas os efeitos perdem-se em cerca de sete dias. Quando combinada com psicoterapia, vimos no nosso estudo efeitos que duram até seis meses depois de apenas três doses. Não associar os dois, penso que é uma oportunidade perdida..Sabendo que em Portugal há sérios problemas de alcoolismo, qual a sua opinião sobre a importância deste tema no país?.Em Portugal, no Reino Unido, sabemos que, em todo o mundo, a cada quatro pessoas que fazem um detox de álcool, três voltam a beber em seis ou até 12 meses. Os tratamentos que temos não funcionam. É animador poder oferecer algo novo. As pessoas que nos procuram estão no fim da linha, a perder a esperança. Este tratamento pode ser efetivo e cabe nos serviços de saúde atualmente existentes..caroline.ribeiro@dn.pt