Doenças transmitidas por mosquitos: cientistas portugueses desenvolvem vacina para evitar ameaça de epidemias

Doenças transmitidas por mosquitos: cientistas portugueses desenvolvem vacina para evitar ameaça de epidemias

Grupo liderado por Joana Tavares, investigadora do i3S, integra consórcio internacional que desenvolve vacina contra flavivírus como dengue, febre amarela ou Zika, que podem ameaçar Europa em breve.
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Com os efeitos das alterações climáticas a tornarem-se cada vez mais visíveis na saúde pública, a Europa enfrenta um aumento do risco de surtos de doenças tropicais transmitidas por mosquitos. O alargamento dos habitats de espécies de mosquitos como o Aedes e o Culex, principais vetores de vírus como o dengue, o Zika, a febre amarela ou o vírus do Nilo Ocidental, está a aproximar estas ameaças das populações europeias e norte-americanas. A necessidade de desenvolver estratégias de prevenção eficazes, como uma vacina, tornou-se assim urgente.

É precisamente com o objetivo de, nos próximos três anos, desenvolver uma vacina inovadora e eficaz contra flavivírus transmitidos por mosquitos, que foi criado o projeto internacional Flavivaccine, que reúne especialistas de dez instituições de sete países europeus e dos Estados Unidos. Um consórcio para o qual foi agora convidado o Instituto de Investigação e Inovação em Saúde da Universidade do Porto (i3S), como “membro de excelência”, graças à experiência acumulada do grupo liderado por Joana Tavares, investigadora do i3S e Professora Auxiliar do ICBAS.

A equipa portuguesa vai receber 540 mil euros, no âmbito de um financiamento global de mais de oito milhões de euros da União Europeia, para desenvolver uma vacina de largo espetro contra flavivírus com potencial epidémico.

No final do projeto, garante a Investigadora, "pretendemos ter uma vacina candidata pronta para entrar em desenvolvimento clínico", ou seja, pronta a ser testada em humanos.

Embora Portugal ainda não tenha registado surtos autóctones de doenças como o dengue ou o Zika, o risco aumenta a cada verão. O mosquito Aedes albopictus, conhecido por ser vetor destes vírus, foi detetado nos últimos anos em várias zonas do continente, incluindo o Algarve, Alentejo, Cascais e Pombal. E apesar de não terem sido identificados até agora mosquitos infetados, a sua presença levanta preocupações reais, sobretudo durante os meses mais quentes.

O país já viveu um surto significativo de dengue, na ilha da Madeira, em 2012, com cerca de 2 000 casos, e tem vindo a registar casos importados em viajantes. As autoridades de saúde anunciaram um reforço da vigilância nos últimos anos, mas os especialistas alertam que, num cenário de alterações climáticas, os surtos autóctones podem vir a tornar-se realidade muito em breve.

O projeto Flavivaccine responde assim não só a um risco global, mas também a uma ameaça concreta para Portugal. “Atualmente não existem vacinas eficazes contra vários flavivírus transmitidos por mosquitos com potencial pandémico e, nos casos em que estas existem, como a vacina contra o dengue, têm muitas vezes limitações em termos de segurança, eficácia ou acessibilidade”, explica Joana Tavares, citada em comunicado do i3S.

Equipa de investigadores do i3S liderada por Joana Tavares (a terceira a contar da direita)
Equipa de investigadores do i3S liderada por Joana Tavares (a terceira a contar da direita)D.R.

Segundo a página do consórcio internacional, o mosquito Aedes albopictus (tigre asiático), um vetor essencial da dengue e do Zika, está atualmente presente em 13 países da UE . Enquanto isso, o Aedes aegypti , outro mosquito capaz de transmitir esses vírus, instalou-se no Chipre, na região do Mar Negro e na Madeira. "Estes mosquitos proliferam em ambientes quentes e húmidos, e as mudanças climáticas estão a expandir o seu alcance para regiões anteriormente mais frias".

A proposta do consórcio é desenvolver uma vacina inovadora, que atua de forma preventiva logo na fase inicial da infeção, ao interferir com os componentes da saliva do mosquito. A investigadora sublinha que o Flavivaccine tem potencial para proporcionar uma plataforma vacinal “segura, eficaz, flexível e de rápida aplicação”.

A vacina será desenhada para proteger contra os flavivírus já conhecidos, como o dengue, a febre amarela, o Zika ou o vírus do Nilo Ocidental, mas poderá também abranger flavivírus ainda não caracterizados, com potencial epidémico.

“Os flavivírus têm uma grande capacidade de mutação e podem facilmente saltar entre espécies hospedeiras, o que, aliado aos seus vastos reservatórios animais e à expansão dos seus vetores, cria o cenário ideal para o surgimento de novos vírus”, alerta Joana Tavares. A aposta numa vacina de largo espetro é, por isso, também uma medida preventiva face ao futuro.

“Nesta altura, estima-se que estas doenças afetem anualmente cerca de 500 mil pessoas e causem mais de 100 mil mortes em todo o mundo. Mas, devido ao aquecimento global, os habitats dos mosquitos vetores (Aedes e Culex) estão a expandir-se para a Europa e para a América do Norte e o risco de surtos e epidemias de flavivírus tem vindo a aumentar de forma significativa. Atualmente, quase toda a população humana está em risco de infeção por flavivírus, pelo que é urgente agir preventivamente e antecipar estratégias de vacinação, antes que as epidemias sejam cada vez maiores e mais frequentes e evoluam para pandemias”, resume o instituto, em comunicado.

O consórcio Flavivaccine pretende ter, no final dos três anos de projeto, uma vacina candidata pronta a entrar em desenvolvimento clínico. Segundo a investigadora portuguesa, consolidar os esforços numa única vacina com capacidade de resposta a múltiplos vírus permitirá racionalizar recursos, reduzir hospitalizações e aliviar os sistemas de saúde, cujo custo associado a estas doenças ultrapassa atualmente os nove mil milhões de euros por ano a nível global.

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