Aplicações que permitem analisar dados genéticos para identificar como o corpo responde a certos nutrientes. Ferramentas tecnológicas que cruzam histórico de doenças com preferências alimentares, rotina de exercícios e hábitos de sono. Algoritmos que analisam bactérias intestinais e sugerem as dietas que mais favorecem a saúde metabólica de cada um. Wearables que enviam dados em tempo real e ajustam automaticamente recomendações nutricionais. É uma realidade cada vez mais evidente: a revolução em marcha trazida pela Inteligência Artificial entrou com força no mundo da nutrição e trouxe para os nossos dias uma panóplia de recursos que está a mudar a forma como nos alimentamos e cuidamos do nosso corpo.“A nutrição e a alimentação podem mudar e já estão a mudar com a Inteligência Artificial (IA), porque ela permite uma abordagem mais precisa, personalizada e preventiva”, diz Pedro Miguel Rodrigues, investigador do Centro de Biotecnologia e Química Fina da Universidade Católica Portuguesa, e um dos oradores que estarão presentes no XXIV Congresso de Nutrição e Alimentação, que acontece estas quinta e sexta-feiras (8 e 9), em Braga, no qual o impacto da Inteligência Artificial nesta área será um dos temas em destaque.“Através da análise avançada de dados genéticos, do microbioma e do estilo de vida, é possível desenvolver planos alimentares altamente ajustados às necessidades individuais”, salienta o investigador, ao DN, sobre o potencial transformador da IA, que pode “desempenhar também um papel essencial na identificação precoce de défices nutricionais e na sugestão de ajustes alimentares antes que surjam problemas de saúde”.A capacidade preditiva da IA é um diferencial. “A tecnologia permite antecipar riscos associados a condições como diabetes, hipertensão e obesidade, possibilitando intervenções preventivas e mais eficazes”, acrescenta Pedro Miguel Rodrigues, diretor adjunto da Escola Superior de Biotecnologia da Católica.A IA já demonstra eficácia na criação de planos nutricionais personalizados, assegura o investigador. Estudos recentes mostram que ferramentas baseadas em IA elaboram planos alimentares rapidamente, com elevada semelhança com as recomendações de nutricionistas. “Essas ferramentas analisam informações genéticas para entender como o corpo processa diferentes nutrientes, a composição do microbioma intestinal para influenciar a digestão e a absorção de nutrientes, e o estilo de vida, incluindo nível de atividade física, padrões de sono e hábitos alimentares. Adicionalmente, integram preferências alimentares e restrições dietéticas, tais como alergias e intolerâncias, garantindo que o plano alimentar seja sustentável e adequado ao utilizador”, explica, sublinhando que, “mesmo usando chats mais genéricos, como por exemplo o ChatGPT, Gemini ou o Copilot, essas informações são tidas em consideração para personalizar as respostas e recomendações”.E o papel do nutricionista?Com toda a gama de novos recursos disponibilizados pela Inteligência Artificial ao alcance de qualquer um, não fica em xeque o papel do próprio nutricionista? Pedro Miguel Rodrigues é categórico: “Em qualquer área de aplicabilidade, a IA deve ser vista como uma ferramenta e não como um substituto. Também na nutrição. Embora a IA possa fornecer dados detalhados e recomendações, ela não substitui a empatia, a humanidade, o julgamento clínico e a capacidade de adaptação que um nutricionista oferece”, considera o investigador, sublinhando que os dados gerados pela IA deverão sempre ser “interpretados por um profissional que os ajuste, conforme necessário, e preste suporte emocional e motivacional aos pacientes”. De resto, avisa, “usar ferramentas de IA sem acompanhamento profissional pode levar a recomendações inadequadas e riscos para a saúde”.Desafios éticos e as próximas fronteirasApesar da crescente popularidade, a implementação da IA na nutrição enfrenta ainda obstáculos éticos e técnicos. Um dos maiores desafios passa por garantir que os algoritmos não discriminem populações pouco representadas, o que é crucial para a equidade na Saúde. “Convém não esquecer que estas ferramentas são treinadas com dados e, se esses dados forem enviesados ou de fraca qualidade, o modelo pode perpetuar ou até acentuar desigualdades“, alerta o investigador. A segurança e privacidade dos dados também são cruciais, uma vez que lidar com informações genéticas e de saúde exige uma gestão cuidadosa e rigorosos mecanismos de proteção.A Integração da IA nos sistemas de saúde é outro dos desafios práticos. Aqui, “os principais obstáculos residem no custo elevado da implementação, especialmente em sistemas de saúde pública que muitas vezes assentam em sistemas tecnológicos desatualizados”, observa Pedro Rodrigues. A formação de profissionais de saúde é igualmente essencial, “para que possam utilizar adequadamente estas ferramentas de forma eficaz”.Certo é que o mundo novo criado pela IA na nutrição se apresenta promissor e Pedro Miguel Rodrigues vislumbra avanços significativos, antevendo que as “próximas fronteiras” incluam a utilização de wearables, “dispositivos que monitorizam a saúde em tempo real e fornecem dados contínuos para ajustes nutricionais”. A automação também está em ascensão, aponta, com ferramentas que simplificam o rastreamento de alimentos e a análise nutricional. “No futuro, veremos planos alimentares cada vez mais precisos, baseados em dados genómicos e metabolómicos”, prevê o investigador, sinalizando um caminho para uma nutrição mais proativa e personalizada.