Do Ártico ao Pacífico: um "alerta vermelho" para todo o planeta
As alterações climáticas já estão a atingir todas as regiões habitadas do mundo, com a influência humana a contribuir para muitas das mudanças observadas ao nível dos fenómenos meteorológicos extremos, alerta o relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, em inglês). Mais ondas de calor, precipitação intensa ou o aumento das inundações costeiras vão passar a ser mais frequentes. O relatório é um "alerta vermelho", avisou o secretário-geral da ONU, António Guterres.
"As mudanças climáticas já estão a afetar todas as regiões da Terra de múltiplas formas. As mudanças que estamos a experienciar vão aumentar com o aumento do aquecimento global", alertou o copresidente do grupo de trabalho do IPCC, Panmao Zhai. O aquecimento é global, mas as diferentes zonas do planeta vão ser afetadas de diferentes formas. O IPCC inclui resumos regionais do que se pode esperar independentemente do cenário ser mais otimista, de 1,5ºC de aquecimento global em relação à segunda metade do século XIX, ou mais pessimista, de 4ºC.
Independentemente do valor do aquecimento global, no continente europeu as temperaturas vão subir mais. A frequência das ondas de calor vai aumentar (e a das ondas de frio vai cair), sendo que se o aquecimento for superior a 2ºC, níveis críticos de temperaturas para os seres humanos ou os ecossistemas podem ser alcançados. No inverno espera-se maior precipitação no norte da Europa, mas no verão deve chover menos na zona do Mediterrâneo (que inclui Portugal), que é a única região que deverá sofrer menos com cenários de precipitação extrema e inundações.
O nível das águas vai subir em toda a Europa, exceto no mar Báltico, assistindo-se a um recuo das costas arenosas ao longo do século. Inundações costeiras serão mais frequentes e intensas. No Mediterrâneo, espera-se um aumento das secas, da aridez e das condições meteorológicas ideais para a propagação de incêndios florestais (Grécia e Turquia, que têm estado a arder, fazem parte desta zona) com um aquecimento de 2ºC ou superior até meados do século. Na Europa Central, cenários como o das inundações que causaram mais de 200 mortos na Alemanha e na Bélgica vão tornar-se mais comuns.
O ano passado foi de recordes de número de furacões no Atlântico Norte (houve 14, metade deles de categoria 3 ou superior) e as previsões do IPCC apontam para um aumento destes fenómenos (e da sua gravidade). O nível das águas também deve aumentar de norte a sul (a um nível menor no Pacífico Sul), assim como as ondas de calor marítimas (intensidade e duração).
Na região mais a norte, as temperaturas vão aumentar muito, particularmente no inverno. Nos EUA, na zona central e na costa leste, prevê-se o aumento de episódios de precipitação elevada e inundações pluviais, sendo que na América Central e Caraíbas haverá menor precipitação e mais secas. No sul do continente, o degelo na cordilheira dos Andes deve continuar, causando inundações nas regiões próximas, enquanto no nordeste do Brasil e no Chile se preveem períodos de seca mais prolongados. Na Amazónia, o número de dias por ano com a temperatura máxima superior a 35ºC poderá ser superior a 150 no final do século no cenário de aquecimento mais extremo, mas ainda assim chegar aos 60 dias no mais animador.
O aumento da temperatura superficial tem sido geralmente mais rápido em África do que na média global, e também o nível das águas tem aumentado nas últimas três décadas acima da média registada no resto do mundo. Um cenário que deverá manter-se neste século. A precipitação deverá também aumentar em todas as regiões, sendo que os especialistas alertam que tanto no caso de África como na América do Sul e nas ilhas do Pacífico a falta de dados pode ter um impacto nas análises.
Na costa leste, desde o Quénia até ao sul de Moçambique, há previsão do aumento da velocidade do vento dos ciclones, assim como da precipitação, prevendo-se mais casos de tempestades de categoria 4 ou 5 (o Idai, que causou mais de mil mortes em 2019, era 4).
O Sudeste Asiático é uma das regiões onde o aquecimento global deverá ser inferior à média global, esperando-se contudo mais inundações no delta do Mekong. Mais a norte, os episódios de precipitação elevada (como aqueles que causaram já este ano inundações na província chinesa de Henan) devem aumentar, provocando mais deslizamentos de terras nas regiões montanhosas.
Na região de Índia, Paquistão e Bangladesh, são previstas ondas de calor mais intensas e calor húmido, com o aumento da precipitação durante as monções. A norte, na Rússia, assiste-se ao descongelamento do permafrost, sendo que a temporada de neve é cada vez menor. O aumento da precipitação tem causado mais inundações, sendo previsto até meados do século o duplicar das descargas dos rios na Sibéria, por exemplo.
Na Austrália, no último século, a temperatura subiu 1,4ºC, com o aumento das ondas de calor que devem continuar para o futuro. Desde a década de 1950, que a época dos fogos é mais longa, com o aumento dos dias com condições meteorológicas perfeitas para os incêndios florestais. A intensidade, a frequência e a duração destas condições deverá aumentar. O mesmo na Nova Zelândia, onde a situação é só ligeiramente melhor.
O aumento do nível das águas na região tem sido superior à média global nas últimas décadas e as costas arenosas têm recuado. O aumento das águas deverá continuar para lá deste século, contribuindo para o aumento das inundações costeiras. Prevê-se um aquecimento no mar da Tasmânia.
Além das análises regionais, o IPCC fez o balanço do que se pode esperar em algumas zonas. No que diz respeito às montanhas, o aquecimento global irá causar o retrocesso das áreas com neve e gelo. Salvo raras exceções, os glaciares estão a recuar desde a segunda metade do século XIX e de forma exponencial desde a década de 1990, com os cientistas a apontar o dedo ao fator humano. Mesmo se as temperaturas estabilizarem, os glaciares vão continuar a perder massa por várias décadas. Sem gelo e com o aumento da precipitação, são esperadas mais inundações, deslizamentos de terras e transbordar de lagos.
Tudo isto representará um desafio a nível de fornecimento de água, produção de energia, integridade dos ecossistemas ou produção agrícola e florestal, assim como preparação para grandes desastres e até ecoturismo. Estes aspetos estão a ser tratados pelo segundo grupo de trabalho do IPCC, que está a estudar os impactos, adaptação e vulnerabilidades das alterações climáticas, cujo relatório é esperado no próximo ano. Também em 2022 haverá conclusões do terceiro grupo de trabalho, que está a lidar com a melhor forma de mitigar as alterações climáticas.
Tal como no gelo no topo das montanhas, nas regiões polares o aumento da temperatura também tem levado à diminuição de massa dos glaciares desde o ano 2000 - e vai continuar no futuro durante várias décadas, mesmo se as temperaturas se estabilizarem. As previsões apontam para o aumento da precipitação nestas zonas durante o século XXI, sendo que no Ártico a chuva deverá ser dominante e na Antártica a precipitação vai aumentar nas zonas costeiras.
Os cientistas acreditam que o Ártico aqueceu ao dobro do nível do resto do planeta, devendo continuar na mesma situação no futuro. Os eventos de ondas de calor repetem-se desde 1979 e a temperatura mínima aumentou a um nível três vezes superior à média global. O nível das águas vai continuar a subir, sendo mais frequentes as inundações costeiras. Até 2050 e independentemente dos cenários, a região deve ficar totalmente sem gelo pelo menos num verão. A situação na Antártida é ligeiramente melhor, mas a perda de glaciares é superior aos níveis de acumulação de gelo.
As ondas de calor marítimas têm vindo a aumentar e o aquecimento deverá levar à diminuição da concentração de oxigénio, o que poderá durar milénios. A acidificação dos oceanos já dura há 40 anos. As águas vão continuar a subir, o que afetará as pequenas ilhas das Caraíbas ou do Pacífico (com potencial de inundações costeiras e invasão da água salgada dos aquíferos), mesmo se houver um recuo no aquecimento global.
No Atlântico, que está mais salino, o complexo sistema de correntes oceânicas que regulam o calor entre os trópicos e o hemisfério norte está a desacelerar, uma tendência que "muito provavelmente" continuará ao longo do século. O IPCC estima, com um nível de confiança "médio", que esta corrente poderá parar completamente, o que a confirmar-se resultará em invernos mais rigorosos na Europa e um aumento do nível das águas no Atlântico Norte.
As cidades e centros urbanos são mais quentes dos que as zonas rurais circundantes devido a vários fatores, como a falta de ventilação ou o facto de o calor poder ficar "preso" entre edifícios elevados, mas também por causa do calor gerado pela atividade humana e as capacidade do cimento e outros materiais de absorver o calor. A urbanização também altera o ciclo da água, sendo que o aumento da pluviosidade que é esperado pode trazer também mais inundações.
O aquecimento poderá agravar ainda mais a poluição nos espaços urbanos, com os cientistas a alertar que futuras urbanizações vão amplificar o aumento da temperatura nas cidades.