Dia de Portugal. O que mudou em Pedrógão, sete anos depois do fogo
Nuno Brites / Global Imagens

Dia de Portugal. O que mudou em Pedrógão, sete anos depois do fogo

 O Presidente da República cumpriu a promessa de levar para os três concelhos dizimados pelo fogo em 2017 as comemorações do 10 de Junho. Por alguns dias, há vida e gente. Quem lá mora reconhece algum trabalho na floresta, mas demasiado lento.
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Um calor abafado reflete-se em finos pingos de suor na testa de um pequeno grupo de bombeiros, sentados numa clareira, à sombra, junto ao Quartel da Associação Humanitária de Figueiró dos Vinhos. Os dias assim trazem sempre memórias, más memórias. É junho, o mês em que tudo mudou, quando o fogo assomou com tamanha violência que varreu de cinza e morte estradas e aldeias do Pinhal Interior, em 2017.

É junho, mas desta vez há por ali um corrupio nunca visto: dezenas de militares do Exército e da Força Aérea ocupam agora um espaço onde, se estivessem todos ao mesmo tempo, a contagem do corpo ativo se quedaria pelos 75 elementos. Desde o início de junho que cada um dos três concelhos mais afetados pela tragédia de há sete anos anda numa roda viva, à conta das Cerimónias do 10 de Junho, que este ano decorrem repartidas por Pedrógão Grande, Castanheira de Pêra e Figueiró dos Vinhos. 

Em frente ao quartel, está montado o palco que há de acolher um concerto, não tarda. Entre esse anfiteatro e a sede dos BVFV, mora agora um monumento de Homenagem ao Bombeiro. É uma estátua em bronze, concebida pela escultora britânica Carolyn Morton, que há mais de uma década reside na região.

“Ainda está fresca”, brinca uma das 21 mulheres que integram o corpo ativo. Afinal, foi inaugurado há semanas, a 19 de maio, pelo aniversário da corporação. “Foi um repto que lançámos ao presidente da Câmara, no ano passado. E ele acolheu”, conta ao DN o comandante, Jorge Martins, exemplo claro de como o voluntariado e a causa humanitária podem ser inatos: também o pai foi bombeiro, também comandante. O filho, agora com 18 anos, acabou de fazer a recruta. A sobrinha, com apenas 6 anos, já se inscreveu na Escola de Cadetes e Infantes, reforçada pela “escolinha de bombeiros”, nas últimas férias da Páscoa.

Tragédia de Pedrógão Grande : Sete anos depois do fatídico incêndio que começou em Pedrógão Grande e alastrou aos concelhos vizinhos de Castanheiro de Pera e Figueiró dos Vinhos, provocado a morte a 66 pessoas.
Nuno Brites / Global Imagens

Aos 47 anos, Jorge conhece tão bem o fogo como a região onde nasceu e de onde nunca saiu, ao contrário de muitos da sua geração. Falta-lhes gente, pelo menos toda aquela que gostariam de ter, dentro e fora do quartel. “A grande diferença é que aquilo que ardia numa semana ou duas, agora arde num dia ou dois”, diz ao DN, quando lhe perguntamos pelo que mudou, na região, nos últimos anos, mas também pelo que mudou na prevenção e combate.

No centro do problema, continua a floresta. “Antigamente aproveitava-se tudo: o mato, as hortas. Depois havia gente, que mantinha as coisas cuidadas. Essa é a grande diferença, e é o que faz aumentar o combustível.” E, afinal, conclui que o dispositivo de combate no país “e praticamente o mesmo, embora nos tenham prometido, na altura, que seria muito maior, depois daquele fatídico 2017”.

Jorge lamenta que os anos passem e “perdemos sistematicamente a oportunidade de mudar, de melhorar”, nomeadamente nas condições que os bombeiros (não) têm. Ali, em Figueiró dos Vinhos, vale-lhes a autarquia, que definiu um conjunto de apoios a quem veste a farda: isenção de pagamento de IMI, de taxas diversas, da conta da água, um apoio para as rendas.

Não foi o caso dos bombeiros (que aguardam pela mexida no estatuto social), mas “terá sido o do ICNF, que cresceu muito”, considera o comandante, de olhos postos na estrada por onde ele e os camaradas seguiram para combater aquele fogo, há 7 anos, por onde saem todos os dias para acudir a outros, bem menores.

Tragédia de Pedrógão Grande : O território que ficou
Nuno Brites / Global Imagens

“Ouvi falar em milhões, mas vê-se muito pouco”

“Se não fosse o 17 de junho [de 2017] não tínhamos aqui o 10 de Junho. Foi a maneira que o Presidente da República arranjou (finalmente) de voltar a por o foco neste território.” Ao fim de sete anos, Dina Duarte já não tem ilusões sobre grandes mudanças. Mas reconhece que alguma coisa mudou, neste tempo. “Em 2017 isto estava abandonado. Agora está um pouco mais cuidado. Há, efetivamente, alguma gestão florestal a ser feita, algumas limpezas, alguns programas a serem aplicados.”

A presidente da Associação das Vítimas do Incêndio de Pedrógão Grande só teve a real noção da quantidade de projetos aprovados em fevereiro deste ano, quando Marcelo Rebelo de Sousa a chamou ao Palácio de Belém, anunciando a intenção de fazer ali as comemorações do Dia de Portugal. Também lá estava o então secretário de Estado da Valorização do Interior e Conservação da Natureza, João Paulo Catarino, e foi ele quem anunciou o rol de programas aprovados. “Ouvi falar em milhões. Mas na prática, vê-se muito pouco”, afirma Dina Duarte.

Estamos no Bolo, a aldeia de Castanheira de Pêra onde ela e o marido, o pintor João Viola, mantêm a Quinta da Nogueira, onde aliás estavam a 17 de junho, quando o fogo varreu a aldeia do Nodeirinho, onde o casal reside habitualmente. À volta, já não há sinais de terra queimada. O verde traiçoeiro dos eucaliptos toma conta da paisagem.

Tragédia de Pedrógão Grande : Sete anos depois do fatídico incêndio que começou em Pedrógão Grande e alastrou aos concelhos vizinhos de Castanheiro de Pera e Figueiró dos Vinhos, provocado a morte a 66 pessoas.
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“Entre isto e nada é preferível isto. Entre isto e a ambição é muito pouco”, sublinha Dina, determinada a continuar “a velar não só pela memória dos que partiram (66, no total), como a zelar por um território que precisa de pessoas cá, e que seja resiliente”.

Essa é, de resto, a matriz da associação neste momento: “Capacitar as pessoas para, num qualquer evento que voltasse a acontecer, as pessoas tenham, pelo menos, alguma formação-base de como agir”. 

Porque se houve certeza que ficou depois do fogo foi a de que muitos morreram a fugir de casa, quando, lá, estariam, afinal, mais seguros.

Entre cursos diversos e o clamor pelo território, a AVIPG vai “apagando vários fogos”, como diz a presidente, ela própria habituada a “viver com o fogo” desde criança, naquela aldeia encostada à serra da Lousã.

“Mas fogo com aquela violência, aquela rapidez e capacidade destruidora, nunca tínhamos visto. E o que me assusta, a mim, enquanto cidadã, é saber que não estamos fora de isso voltar a acontecer”, receia.

Faltam pessoas, sobram projetos

António Henriques cumpre o primeiro mandato enquanto presidente da Câmara de Castanheira de Pêra, o mais pequeno dos três concelhos. Sabe que vive numa espécie de corrida contra o tempo, por forma a salvar a terra de um continuado despovoamento. 

Fala ao DN no bar da Praia das Rocas, a piscina de ondas artificiais idealizada por um antecessor, inaugurada em 2005. Em fundo, o ensaio da Banda do Exército que, nessa noite, há de criar memórias no público das redondezas. Encara a comemoração do 10 de Junho no território como “uma oportunidade de o promover e fazer com que olhem para ele, para que possamos ter um Portugal completo”.

O que quer dizer com isso? “Que há uma necessidade de efetivar programas mais estruturais, além daqueles que já existem, para que este tipo de territórios tenham o mesmo tipo de oportunidades do litoral”, a coesão territorial, no fundo.

O grande problema ali chama-se população. Hoje, como em 2017. O autarca acredita que o incêndio daquele 17 de junho “foi uma consequência de décadas de despovoamento, que culminaram na desertificação. Este território ficou abandonado, sem gestão florestal - perigosamente encostado aos aglomerados populacionais e às estradas - associado a um efeito climatérico que fez acontecer aquela tragédia”.

Ao contrário de outras vozes, António Henriques considera que a desgraça “fez com que passassem a olhar para estes territórios de forma diferente”. Aponta um conjunto de projetos no âmbito da floresta, mas reconhece “uma dificuldade na efetivação”, e estabelece uma relação diretamente com “o facto de Castanheira de Pêra ter sido um péssimo exemplo no aproveitamento de fundos comunitários”.

“Andámos perdidos no tempo”, lamenta, sustentando que não fizeram “nenhuma candidatura a programas como o Condomínio da Aldeia, ou a Áreas Integradas de Gestão da Paisagem, tão pouco a uma área empresarial”.

Tragédia de Pedrógão Grande : O território que ficou
Autarca António Henriques
Nuno Brites / Global Imagens

O autarca garante que, nestes dois anos e meio, fez essa corrida: “Temos agora 36 aldeias candidatadas ao Condomínio (10 já adjudicadas), uma AIGP  identificada e um condomínio empresarial que aguarda apenas pelo visto do Tribunal de Contas.” Mas todos esses processos demoram muito tempo. Tempo que Castanheira não tem. “É por isso que eu sou defensor de um Simplex de execução, e de uma maior fiscalização”, afirma António Henriques.

Na verdade, tomando por exemplo o Condomínio de Aldeia (cujo objetivo é dar apoio e resiliência às aldeias localizadas em territórios vulneráveis de floresta, através de um conjunto de ações destinadas a assegurar a alteração do uso e ocupação do solo, além da gestão de combustíveis em redor dos aglomerados populacionais), demora cerca de dois anos a concretizar.

Quando perguntamos ao presidente da Câmara o que mais lhe faz falta no território, dispara imediatamente para “o capital humano”. “Pessoas. É tudo o que precisamos. Já sabemos que as pessoas só se fixam se houver emprego.”

O concelho tem atualmente 2765 habitantes. Já teve menos: os Censos 2021 mostravam menos 106 pessoas. António Henriques fala de fluxos migratórios relevantes, de origens distintas, desde os nórdicos até “uma comunidade brasileira de grande expressão, que temos acolhido de muito bom grado”. Por cada nascimento a autarquia atribui um apoio financeiros de dois mil euros.

dnot@dn.pt

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