Descrição de como célula se recicla vale Prémio Nobel da Medicina
Biólogo japonês Yoshinori Ohsumi foi escolhido pela Academia sueca. Há mais de 27 anos que investiga mecanismo da autofagia
Yoshinori Ohsumi estava no seu laboratório quando o telefone tocou. Do outro lado, a 8169 quilómetros de distância em linha reta, estava Thomas Perlmann, secretário do Comité do Prémio Nobel. Yoshinori Ohsumi, biólogo do Instituto de Tecnologia de Tóquio é o Prémio Nobel da Medicina deste ano, atribuído pela forma decisiva como contribuiu para que fossem conhecidos os mecanismos da autofagia celular. Uma dupla surpresa, como admitiu: o prémio em si e ter sido o único laureado (desde 2000 que o galardão é dividido, com uma exceção em 2010).
Em comunicado, a academia explicou esta segunda-feira que o laureado "descobriu e elucidou" sobre os mecanismos da autofagia [significa comer-se a si próprio], um "processo fundamental para a degradação e reciclagem dos componentes celulares". O conceito surgiu na década de 1960, quando os investigadores observaram pela primeira vez que a célula tinha a capacidade de destruir os seus próprios componentes. O termo de "autofagia" foi cunhado em 1963 por Christian de Duve, também ele distinguido com o Nobel da Medicina, em 1974.
Yoshinori Ohsumi, 71 anos, começou a investigar este mecanismo há mais de 27 anos, usando levedura para fazer uma série de experiências que permitiram identificar os genes essenciais para a autofagia. "É uma honra poder ser valorizado desta maneira porque eu fiz um estudo de medicina básica. Este prémio é o maior motivo de alegria e satisfação para um cientista", afirmou em conferência de imprensa.
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O que é autofagia? "É o processo pelo qual a célula degrada componentes para os transformar em nutrientes e energia, permitindo que sobreviva durante um curto espaço de tempo. A autofagia é um processo de sobrevivência que acontece todos os dias no nosso organismo, mas pode estar desregulada e aparecem doenças", disse ao DN Valdemar Máximo, investigador do Instituto de Patologia e Imunologia Molecular da Universidade do Porto (Ipatimup) e professor de biopatologia na faculdade de medicina.
A trabalhar na investigação da autofagia nas células cancerígenas, Valdemar Máximo explicou o efeito que este mecanismo pode ter em várias doenças. "Se a autofagiafor excessiva, a célula degrada-se e morre. Acontece nas doenças degenerativas. No caso do cancro, as células cancerígenas acumulam componentes mal formados. Se a autofagia funcionasse bem, a célula iria degradar as proteínas alteradas e aniquilá-las. Mas em muitos tumores não existe autofagia e a célula acumula defeitos e não morre."
Caminho para mais investigação
Se a autofagia não era desconhecida, o que não se sabia era como a célula o fazia. Esse é o grande feito de Yoshinori Ohsumi: descrever este processo. "Uma célula tem núcleo, citoplasma e membrana. Quando esses componentes, por exemplo as proteínas, estão alterados, as células produzem membranas que os envolvem. Forma como que um saco de lixo. O que faz a seguir é levar esse saco de lixo para um componente celular que é o lisossoma. Este tem enzimas que degradam o lixo. O que Yoshinori Ohsumi fez foi descrever o mecanismo como a célula de vê livre dos componentes indesejáveis. É muito importante porque ao sabermos que é assim que o mecanismo funciona, permite-nos controlá-lo", adiantou Valdemar Máximo.
O resultado deste trabalho é imenso, mas como o biólogo japonês reconheceu, em entrevista ao site oficial do Prémio Nobel, "ainda temos tantas perguntas", mais do que quando começou a investigar. Valdemar Máximo refere que o trabalho desenvolvido por Yoshinori Ohsumi "abre campo para muitas áreas importantes como cancro, doenças degenerativas e doenças autoimunes, embora ainda não se perceba bem o papel que a autofagia pode ter em cada uma delas". Esse será o trabalho que se irá desenvolver agora, um pouco por todo o mundo. Já estão a ser feitos testes com algumas drogas, mas ainda de forma muito preliminar em ratinhos de laboratório, com o objetivo de perceber que medicamentos podem ser criados no futuro para ativar ou anular a autogafia da células. Um caminho que será longo.