Descoberto mecanismo que permite reduzir resistência a fármaco usado no combate a cancros da mama e do ovário
Avanço conseguido por equipa do investigador Helder Maiato no i3S permite reduzir em cerca de metade a dose terapêutica de taxol, mantendo a mesma eficácia e reduzindo potenciais efeitos secundários. Além disso, foi identificado um biomarcador que poderá permitir antever como o doente vai reagir à terapia.
Fármaco usado no tratamento de todos os tipos de cancro da mama, mas também no do ovário e outros, o taxol significou um avanço notável na terapia e aumentou consideravelmente a sobrevivência, em especial nos casos de cancro mamário. A exposição a médio e longo prazo a este fármaco, no entanto, levanta problemas relacionados com a resistência do organismo à terapia ou efeitos secundários indesejados, comprometendo muitas vezes o tratamento. Agora, um avanço de relevo chega dos laboratórios do Instituto de Investigação e Inovação em Saúde i3S, no Porto, onde uma equipa liderada pelo investigador Helder Maiato, professor na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP), descobriu um mecanismo que permite diminuir em cerca de metade a dose de taxol a administrar, mantendo a mesma eficácia terapêutica e podendo assim reduzir consideravelmente os riscos da exposição.
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O propósito da administração de taxol num paciente com cancro "é controlar a proliferação celular, ou seja, evitar que as células se dividam em excesso", tentando impedir assim o avanço das células cancerígenas, recorda Helder Maiato em conversa com o DN. Para isso, o fármaco tem como alvo no organismo "umas estruturas do esqueleto da célula designadas por microtúbulos e a proteína que os constitui, a tubulina, que são essenciais em vários processos celulares, como é o caso da divisão das células", explica.
A tubulina "é um alvo terapêutico para vários tipos de cancro, principalmente mama e ovário", e o objetivo do taxol é atuar na estabilização dos microtúbulos por ela constituídos. "Apesar de terem um sucesso elevado, as terapias baseadas no taxol não atuam só nas células cancerígenas, mas sim em todas as células, com efeitos secundários que podem ser particularmente relevantes, por exemplo, no sistema nervoso periférico (levando, por vezes, à perda de sensibilidade nas mãos ou nos dedos). Além disso, muitas vezes os doentes acabam por desenvolver resistência ao taxol", descreve o cientista, lembrando que "mais de 90% dos óbitos em cancro devem-se a resistências às terapias atualmente disponíveis".
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Ora, estes microtúbulos sobre os quais o taxol atua funcionam como uma espécie de GPS celular, orientando os cromossomas na direção correta. Neste estudo liderado pelo investigador do i3S, e já publicado na revista Journal of Cell Biology, demonstrou-se que em alguns cancros este sistema de navegação, o chamado código da tubulina, está alterado.
O grupo liderado por Helder Maiato estuda há vários anos estes microtúbulos, dos quais se sabe agora que apresentam enorme diversidade. "Diferentes microtúbulos associam-se a diferentes proteínas nas células", refere. E foi ao estudar como essa diversidade se manifestaria na divisão celular que Danilo Lopes, primeiro autor desta publicação, encontrou um mecanismo no código da tubulina que "permite diminuir para cerca de metade a dose do taxol, mantendo a mesma eficácia, e, ao mesmo tempo, aumentar a sensibilidade das células ao fármaco, reduzindo a resistência e os efeitos secundários".
A chave está num processo chamado destirosinação, que mais não é do que remover um aminoácido de nome tirosina, que faz parte do código dos microtúbulos. "Essa destirosinação inibe uma proteína que é importante para a correção de erros durante a divisão celular e potencia o efeito do taxol, permitindo reduzir para metade a exposição ao fármaco", detalha Helder Maiato.
Até há pouco, diz o investigador, "pensava-se que o taxol atuava especificamente para impedir a divisão celular". Atualmente, no entanto, crescem evidências entre a comunidade científica de que o taxol não impede propriamente a divisão das células, antes "causa uma divisão completamente caótica". "É esse caos que inviabiliza a atividade das células filhas", diz, fazendo com que estas não proliferem - travando assim os avanços dos tumores.
Ora, a equipa do i3S descobriu que "a combinação do taxol com a destirosinação faz com que a divisão celular seja ainda mais caótica", possibilitando a diminuição da dose de taxol e dessa forma diminuir os efeitos indesejáveis nas células saudáveis. Apesar de este mecanismo de regulação ter sido descoberto por via de manipulação genética, Helder Maiato e o seu grupo já identificaram também "um composto com elevado potencial terapêutico" para atuar como fármaco nesta via.
Um biomarcador que sinaliza o sucesso provável da terapia
Além dessa potencial novidade terapêutica, os investigadores descobriram ainda uma outra alteração que pode funcionar como um biomarcador para sinalizar como o doente oncológico reagirá ao tratamento com taxol: a acetilação dos microtúbulos. A partir da biópsia feita ao doente no início do diagnóstico, consegue determinar-se se essa alteração da tubulina está alta ou baixa e "as pessoas que apresentam níveis elevados de acetilação têm uma boa probabilidade de responder bem ao taxol".
Numa era em que a medicina se quer cada vez mais personalizada, este biomarcador - a ser validado por um estudo clínico com vários doentes - "permitirá aos clínicos utilizar o taxol de uma forma mais precisa", de acordo com a resposta expectável do doente, ou eventualmente descartá-lo quando as hipóteses de sucesso se afiguram muito reduzidas.
rui.frias@dn.pt
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