A partir do próximo dia 1 de julho, a poderosa Direção-Geral de Recursos de Defesa Nacional (DGRDN) — que foi o cerne da Operação Tempestade Perfeita, que investigou suspeitas de corrupção — vai ser dividida em duas: a Direção-Geral de Recursos Humanos da Defesa Nacional (DGRHDN) e a Direção-Geral de Armamento e Património da Defesa Nacional (DGAPDN). Regressa, assim, à organização original que, em 2015 (ano do decreto regulamentar que fundiu a Direção-Geral de Pessoal e Recrutamento Militar com a Direção-Geral de Armamento e Infraestruturas de Defesa), o governo de Passos Coelho se viu obrigado a quebrar em nome da racionalização e redução de custos na administração pública, impostos pela troika. Nunca foram conhecidos publicamente os resultados proporcionados pela reorganização, mas fonte oficial do Ministério da Defesa Nacional (MDN) garantiu ao DN que nesta medida, “por se tratar de uma cisão, mantendo-se no essencial os cargos dirigentes, o impacto financeiro é inexpressivo, podendo ascender a um máximo de 17 613,92€ por ano”.O gabinete do ministro Nuno Melo, que assinou a cisão, diz que este “processo de extinção da DGRDN, em duas novas direções-gerais, assenta num conjunto de soluções previamente articuladas com as áreas governativas da Presidência do Conselho de Ministros e da Administração Pública, que pressupõe, nomeadamente, a neutralidade do impacto financeiro da medida e do número de cargos dirigentes que resultam deste processo de reorganização”.Estrutura sobredimensionada e desadequadaPara este efeito, clarifica, “com a criação das duas novas direções-gerais, os atuais 10 cargos dirigentes da DGRDN passam a cinco na DGRHDN e a outros tantos na DGAPDN, distribuídos do seguinte modo: os atuais três cargos de direção superior existentes (de 1.º e 2.º grau) passam para quatro, por forma a prover o número mínimo de dirigentes superiores em cada direção geral (1 diretor-geral e 1 subdiretor-geral em cada uma das novas DG); os atuais sete cargos de direção intermédia passam para seis, compreendo cada direção-geral três direções de serviços (operando-se a extinção de um cargo, por forma a compensar mais um cargo de direção superior). De acordo com o decreto-lei que aprova a nova estrutura orgânica, o objetivo desta reorganização é o de “conferir uma maior coerência, agilidade e capacidade de resposta” aos serviços que estavam centralizados na DGRDN e que o Governo classifica de “sobredimensionada” — com “um extenso leque de atribuições, que incluiu matérias tão díspares como recursos humanos (aspetos estatutários, recrutamento, regulação, formação, incentivos, reinserção profissional, profissionalização, saúde militar, assuntos sociais, assistência religiosa), deficientes militares, antigos combatentes, armamento e equipamento (incluindo a Lei de Programação Militar), infraestruturas e património (incluindo a Lei das Infraestruturas Militares), qualidade e ambiente — e “desadequada face à resposta que se espera da Defesa nacional, num contexto nacional, europeu e internacional atualmente muito exigente”.Marcas da Operação Tempestade PerfeitaNa mira do Governo, no entanto, está mais do que tornar os serviços mais eficientes. Porque a DGRDN ficou marcada pela Operação Tempestade Perfeita, uma investigação conduzida pela Polícia Judiciária e pelo Ministério Público, que culminou na acusação de 73 arguidos (43 pessoas e 30 empresas), entre os quais o antigo diretor-geral e outros altos quadros, por crimes como corrupção ativa e passiva, peculato, branqueamento de capitais e falsificação de documentos, num esquema envolvia a manipulação de procedimentos de contratação pública, com adjudicações fraudulentas de obras e serviços, a prevenção da corrupção está entre as prioridades.Segundo o diploma que define a mudança, esta “vai, também, ao encontro da agenda sobre integridade, transparência e combate à corrupção, em particular no que respeita às garantias de rastreabilidade dos atos e procedimentos da Administração Pública e de todos os órgãos do Estado”. Nesse sentido, continua, nas novas estruturas “são consagrados mecanismos de prevenção da corrupção, nomeadamente aqueles que resultam da Estratégia Nacional Anticorrupção 2020-2024 e do regime geral da prevenção da corrupção, e em particular os destinados a promover a igualdade, transparência, livre concorrência, imparcialidade, legalidade, integridade e a justa redistribuição de riqueza, bem como ir ao encontro das recomendações do Tribunal de Contas para prevenção de riscos de corrupção na contratação pública, em especial concentração da contratação em menos procedimentos e adesão a mecanismos de centralização de compras, destacando-se a possibilidade de criação de serviços de controlo interno e de contratação pública, promovendo a centralização dos processos aquisitivos de bens, serviços e empreitadas”.O setor da Defesa em Portugal é, segundo relatórios internacionais que avaliam a transparência e integridade, de alto risco de corrupção, como é exemplo a última avaliação da Transparency International, que apontou falta de transparência nos processos financeiros, dificultando a supervisão e a responsabilização; ausência de salvaguardas contra a corrupção nas operações militares; e processos de aquisição vulneráveis a práticas corruptas. Recorde-se o caso mais emblemático que desencadeou o inquérito que deu origem à Operação Tempestade Perfeita: a requalificação do antigo Hospital Militar de Belém, em 2020, ano da pandemia de covid-19, cujo custo inicial de 750 mil euros escalou para cerca de 3,2 milhões de euros, sem a devida autorização da tutela.Muitos inquéritos, mas nenhum resultadoDepois do escândalo, o MDN anunciou ter intensificado as ações de inspeção e auditoria interna. Em 2023, a então ministra da Defesa disse ao DN estarem em curso 29 inspeções destinadas a avaliar e reforçar os mecanismos de controlo interno. O gabinete de Helena Carreiras indicou que as inspeções deveriam ser concluídas entre o final de 2023 e o primeiro semestre de 2024, com as consequências a serem determinadas pela tutela após a conclusão de cada uma delas. O DN já questionou Nuno Melo sobre os respetivos resultados, mas estes ainda não foram divulgados publicamente. Essas inspeções abrangem áreas como empreitadas de obras públicas, contratação pública, fluxos financeiros e sistemas de controlo interno. Deste processo, foram abertos processos disciplinares também aos funcionários envolvidos, tendo o diretor-geral sido suspenso “com fundamento de aposentação” e dois ex-diretores de serviços despedidos. Decisões essas, assinadas já por Nuno Melo.Além disso, uma auditoria específica foi solicitada ao Tribunal de Contas para analisar a atuação da holding IdD-Portugal Defence durante o período em que foi presidida pelo ex-secretário de Estado da Defesa, Marco Capitão Ferreira, que está constituído arguido noutro inquérito.Entretanto, em maio de 2024, Nuno Melo, anunciou uma auditoria adicional para apurar responsabilidades relacionadas com licenciamentos para as atividades de comércio e indústria de bens e tecnologias militares concedidos pelo MDN desde 2015, somando-se às inspeções já em curso. Sobre esta, também não há ainda resultados.