De Bragança ao Algarve há hospitais em "estado de calamidade"

A realidade não é de agora. É de há anos. Há situações de "verdadeira calamidade" no SNS. Quem o diz são os presidentes das secções regionais da Ordem dos Médicos que denunciam ao DN situações que lhes chegam diariamente. A falta de profissionais, que advém dos salários baixos, de condições de trabalho e de projetos profissionais, a ineficiência de direções e administrações, a par da "ausência de liderança" da tutela, estão na base do problema. Amanhã o setor da saúde entra em greve. Hoje, o governo deve aprovar em Conselho de Ministros um novo Estatuto para o SNS.

No Hospital das Caldas da Rainha, os médicos de serviço às urgências num dos últimos fins de semana não tinham quem os substituísse no fim do turno e após 24 horas de trabalho. Na véspera da situação, o presidente da Secção Regional do Sul e Ilhas da Ordem dos Médicos, Alexandre Valentim Lourenço, recebeu um telefonema de um colega a pedir conselhos sobre como resolver a situação e o que dizer aos colegas para fazerem.

Nos últimos três fins de semana, várias maternidades da região da Grande Lisboa, como Setúbal e Vila Franca de Xira, etc., entraram em regime de contingência por falta de profissionais. As doentes que chegavam eram desviadas para a capital, nomeadamente para a Maternidade Alfredo da Costa, que, dizem-nos, "acabou também por encher". Nos dois hospitais do Algarve, Faro e Portimão, a escala da urgência de pediatria para outubro ainda não está completa, faltam médicos. Só dois asseguram o serviço. Numa situação destas, a urgência deveria encerrar, mas isso criaria um problema maior. "Era toda uma região sem urgências pediátricas públicas", diz o presidente da Secção do Sul.

Na região centro, o hospital da Guarda é a maior preocupação da Secção Regional da Ordem, o presidente Carlos Cortes, diz mesmo: "Há serviços que estão a desaparecer desta unidade por falta de médicos. É uma situação muito difícil. Todos os hospitais têm as suas dificuldades, mas uns mais do que outros. E este não tem tido apoio da tutela porque a situação é de há muito tempo." Mas há mais situações. "O hospital de Castelo Branco e o de Aveiro também estão com situações preocupantes."

No norte, as dificuldades começam no hospital de Penafiel, que desde que abriu está subdimensionado para a população que serve. A este problema junta-se o da falta de profissionais e "se continuar assim teremos de intervir", diz o presidente da Secção Regional do Norte, António Araújo. "Teremos de falar com o conselho de administração e contactar a tutela."

"Se a saúde dos portugueses fosse uma prioridade para o governo como foi a CP neste Orçamento, que recebeu 1,8 milhões de euros a mais e a Saúde recebeu 700 milhões, era possível resolver os problemas do SNS."

Em Bragança, a falta de médicos de família é de longa data e está prestes a tornar-se um problema maior, quando "daqui a dois ou três anos se reformarem os colegas que lá estão". No Porto, a Urgência Metropolitana de Psiquiatria, que já foi notícia, oito médicos demitiram-se, devido à falta de condições para doentes e profissionais e à "má articulação entre este serviço e o Hospital Magalhães Lemos" é outra preocupação. Mas há uma mais imediata: "As urgências gerais estão a encher e a ficar sem resposta, ainda não chegámos ao inverno", refere o presidente.

Por tudo isto, dizem, "o cenário que hoje se vive nas unidades do Serviço Nacional de Saúde [SNS] não é novo" e que os "hospitais ou o SNS - fazendo alusão a declarações da ministra Marta Temido na semana passada - não entraram em rutura por coincidência ou porque se está a discutir o Orçamento do Estado". A situação do SNS é uma realidade que "se tornou um círculo vicioso" e para a qual "não tem havido vontade política para resolver". Alexandre Valentim Lourenço dá um exemplo: "Se a saúde dos portugueses fosse uma prioridade para o governo como foi a CP neste Orçamento, que recebeu 1,8 milhões de euros a mais e a Saúde recebeu 700 milhões, era possível resolver os problemas do SNS."

Os três dirigentes apontam a falta de profissionais, os baixos salários, a ausência de condições de trabalho e de projetos profissionais, e administrações ineficientes, a juntar "à ausência de liderança por parte da tutela", como razões que conduziram ao estado atual.

Neste momento, "não há como fixar médicos e outros profissionais no SNS. Não há como competir com a valorização que os privados fazem dos profissionais ou até com o que os médicos podem ter nas unidades estrangeiras que cá vêm recrutá-los", argumentam, sublinhando que os médicos "vivem hoje o que chamamos de sofrimento ético. Ou seja, estou a trabalhar em más condições, estou exausto, mas se sair os meus doentes ainda ficam piores. Então vou continuar", refere Alexandre Lourenço. Mas só o fazem até um dia, "aquele em que saem do SNS e já não regressam".

Há quem diga que, se o SNS já não estava bem, os cortes sofridos no período da troika ainda o destruíram mais. Em 2018, António Arnaut, advogado, ex-ministro socialista, pai do SNS, juntamente com o médico e deputado do Bloco de Esquerda João Semedo, ambos já falecidos, lançaram um apelo em livro: Salvar o SNS, propondo a discussão para a mudança, para uma nova Lei de Bases da Saúde, já que os tempos não eram os mesmos de há 30 anos. O tema saltou para a agenda política, o governo criou um grupo de trabalho, liderado pela ex-ministra da Saúde, Maria de Belém, e uma nova lei de bases foi aprovada em setembro de 2019.

A partir daqui, havia que regulamentar e criar um novo Estatuto do SNS, o qual ditará as regras de como será financiado, gerido e até que tipo de empenhamento quer dos profissionais e das entidades centrais e locais, para iniciar mudanças. Este é um dos documentos que falta há dois anos e que o primeiro-ministro, António Costa, disse que será hoje aprovado em Conselho de Ministros. O documento tem sido uma bandeira da esquerda, mas, ao que apurámos, "ontem ainda ninguém tinha visto o documento". Os presidentes das secções regionais da Ordem dizem não haver muito mais tempo para medidas, porque os relatos de situações "duras", de "grande complexidade" e de "fragilidade do SNS" chegam todos os dias.

No sul maternidades em contingência todos os meses

"Neste momento, as especialidades que estão em pior situação na Secção do Sul são as que têm urgências com alguma importância, como medicina interna, pediatria, que está um desastre em toda a região sul, e obstetrícia", refere o presidente, Alexandre Lourenço. "Não são só as unidades noticiadas, como Setúbal e Vila Franca de Xira que estão mal. Há outras. A nível de maternidades na área da Grande Lisboa estamos em contingência todos os meses. Nos últimos três fins de semana, as maternidades desta área tiveram de recusar doentes umas das outras, todas estavam em contingência", refere.

A situação "é muito complexa. A maternidade do Hospital São Francisco Xavier perdeu idoneidade por não ter o número mínimo de médicos, que é de três, para assegurar a urgência. E, neste momento, ainda não tem condições para retomar a idoneidade", explica, já que a atribuição da idoneidade é feita pela Ordem e com base no número mínimo de médicos necessários ao serviço. Acrescentando: "Este serviço esteve várias vezes a trabalhar só com os internos. Ficavam sozinhos e isto não pode acontecer. Quem os orienta? De quem é a responsabilidade se algo acontecer? Foi o que aconteceu nas urgências de obstetrícia de Setúbal e de Vila Franca, que tiveram de encerrar. Mas quando uma maternidade encerra é um descalabro para as outras".

Mas se a situação é um descalabro na obstetrícia na área da Grande Lisboa, "a da pediatria ainda é mais forte". Alexandre Lourenço indica que são especialidades com características distintas. "São especialidades que têm um índice de feminização muito grande - mais de 90% dos pediatras são mulheres e obstetras são mais de 80%", explicando: "Normalmente, só depois de se formarem é que a maioria das médicas procura ter filhos e há unidades em que, por vezes, têm várias profissionais no período legal de licença de maternidade ao mesmo tempo e não podem pedir às outras profissionais que façam mais de três bancos por semana, porque também têm filhos, algumas têm de os deixar sozinhos. Quando começam a ter disponibilidade para urgências, a partir dos 50 anos, é quando por lei podem começar a redução do tempo de urgência e continuam a faltar profissionais." Ora isto, "sem qualquer crítica, causa problemas a um serviço, mostrando que o que é preciso são mais recursos humanos".

As especialidades de pediatria e de obstetrícia-ginecologia são das mais carenciadas na região sul do país. Alexandre Lourenço diz que são escolhidas maioritariamente por mulheres e muitas preferem fazer só medicina de consultório.

A questão não passa só por aqui, há também a atividade em si: "A urgência de pediatria tem muito afluxo, muito trabalho, mas sem gravidade. Só menos de 3% é que resulta em internamentos. Portanto, são profissionais que trabalham muito, com baixos salários e com poucas condições para terem a sua vida pessoal. Portanto, facilmente também são aliciados por empresas e hospitais privados para fazerem só medicina de consulta - ou seja, o consultório começa às 09h00 acaba às 16h00 ou às 17h00, não fazem urgências, podem ir buscar os filhos à escola e estar com eles. Isto é uma necessidade social e quando fazemos as contas por especialidades verificamos que são precisos mais recursos nos hospitais."

Alexandre Valentim Lourenço dá o exemplo do serviço de pediatria de Évora, "onde foram formados dois ou três especialistas nos últimos seis anos, "mas nenhum ficou lá. E porquê? Porque estes especialistas também podem fazer um contrato com empresas de prestação de serviços ou individualmente com o hospital, recebendo 70 euros à hora num turno de 24 horas nas urgências. Recebem o triplo do ordenado do que se estivessem nos quadros da casa".

Para o presidente da Secção do Sul, o facto de quem faz parte do SNS receber 12 euros à hora e quem faz o mesmo serviço por outsourcing receber 70 euros "é incrível. Assim não é possível reter os médicos no SNS", criticando o discurso "retórico do governo de que faltam médicos. É claro que faltam médicos nos hospitais, mas os médicos que hoje faltam estavam lá. E se lhes continuamos a dar ordenados de 1600 euros limpos quando noutros sítios ganham muito mais, então não temos armas para contrapor", sustentando: "Por isso é que uma das reivindicações dos sindicatos da classe, que a ordem acompanha, vai no sentido de transferir os cerca de 150 a 200 milhões de euros que se paga às empresas privadas para assegurarem pessoal nas urgências para os ordenados de quem está nos quadros e para as horas extra que têm de fazer. As medidas da tutela são propostas e aprovadas sem realismo."

Mas há mais uma preocupação. Esta já com o OE 2022, que ainda não foi aprovado. "Há uma medida que prevê que quem faça acima de 500 horas extra por ano receba acima dos 50%, em vez de ser 12 euros à hora ser 18, mas as empresas privadas mantêm os 70 euros. Temo que isto irrite algumas pessoas que saiam mais depressa do SNS."

Na Grande Lisboa, pediatria e obstetrícia são um problema, no Algarve também, mas há outras unidades, como "Beja, para a qual já não temos solução. Se vamos lá e retiramos idoneidade a alguns serviços só agravamos o problema", admite. "Neste momento, em muitos hospitais a força de trabalho é 70% dos internos, se os tirarmos haverá muitos mais picos de crise." Portalegre tem algumas necessidades, mas contrata cerca de 75% da atividade a empresas de fora, "o que de certa forma resolve os problemas e temos ajudado a fixar ali alguns médicos estrangeiros". No entanto, e comparando este distrito com outros diz: "Ali faltam dois médicos de família, são cerca de 2 mil pessoas sem médico, mas em Sintra faltam médicos para 40 mil utentes e na Amadora para 70 mil. E isto é um problema de há muito tempo."

Os presidentes das secções concordam que todas as unidades têm dificuldades, mas umas mais do que outras, "algumas estão em calamidade permanente". E se durante a pandemia, não era possível que os profissionais rescindissem contratos, agora, sem estado de emergência, a Ordem receia que as rescisões comecem e agravem ainda mais algumas situações.

No centro, hospital da Guarda em risco de perder serviços

Na Secção Regional do Centro, Carlos Cortes, diz haver três unidades que "são grandes preocupações. O que foi denunciado há dias no hospital de Leiria é o que se está a passar nos hospitais da Guarda, de Castelo Branco e Aveiro". Mas ainda há "queixas por falta de médicos do hospital de Viseu e do Centro Universitário de Coimbra". Em relação à Guarda, a secção está a preparar até uma intervenção. "É uma situação muito difícil, o hospital não consegue reter os profissionais. As equipas começam a ficar desfalcadas e quanto mais ficam, menos os colegas querem ir para lá. Há quem vá e fique dois a três meses, e à conta disto há serviços que estão a desaparecer do hospital."

Carlos Cortes dá como exemplos os serviços de oftalmologia, de gastroenterologia, de cardiologia e ortopedia, sublinhando até que a falta de profissionais está a fazer que a Guarda esteja "a perder a diferenciação que tinha, porque hoje os doentes têm de fazer quilómetros para irem às consultas que o hospital já não consegue dar resposta, já cheguei a dizer que é um hospital dos transportes", pormenorizando: "A urgência deixou de ter ortopedia. Os doentes têm de ir para Viseu, são tratados e reencaminhados de novo para a Guarda, mas depois também há o outro lado. Viseu tem a sua área de influência, se começa a receber os doentes da Guarda deixa de ter capacidade de resposta."

O dirigente da Ordem diz que já notificaram o Ministério da Saúde sobre a situação e que nada tem sido feito. "O hospital da Guarda não tem sido ajudado nem apoiado pela tutela. De todas as unidades do centro, a da Guarda é a que necessita de mais ajuda e o ministério não a tem dado."

O médico critica a estratégia de planificação de vagas para especialistas, dizendo que "tem de haver mais atenção da tutela, porque se há três ou quatro especialistas que se formam em Coimbra ou em outro hospital do litoral, para onde abrem vagas, ao mesmo tempo que abrem para a Guarda, é obvio que ninguém quer ir para lá. Foi o que aconteceu há uns anos em gastroenterologia que é das especialidades mais carenciadas. A tutela abriu vagas para a Guarda, mas também para Coimbra onde se tinham formado os internos. Logicamente que optaram por ficar ali".

A questão das vagas já levou esta secção da Ordem a intervir há três anos. "Tivemos de intervir e o ministério voltou atrás no mapa de vagas, mas a atitude mantém-se. Neste ano, as vagas também são muito menos do que as necessidades. Parece que há uma vontade política de fazer desaparecer o hospital da Guarda. Todas as intervenções do ministério ou a falta delas levam-nos a pensar isso."

Para Carlos Cortes, os problemas no SNS não são de agora. "Estiveram silenciados durante a pandemia porque estávamos todos focados na resposta pandémica. Agora, está tudo a acalmar e começam a sobressair de novo, mas ainda pior, porque neste período nada foi feito."

Acredita mesmo que o embate será mais forte. "Estamos num período muito sensível. Vamos entrar no inverno e ou resolvemos algumas situações rapidamente ou estas agravam-se mais." No caso da Guarda, se tiver de dar resposta "a doentes com gripe e aos doentes crónicos, o hospital não está preparado. Há serviços que não conseguem dar resposta, e quando falo em resposta falo na atividade programada em ambulatório, porque em relação à urgência todas as semanas tenho queixas de médicos a dizer que não têm os mínimos necessários nalgumas especialidades".

Norte: Penafiel e Bragança são preocupações

Na Secção Regional do Norte há duas grandes preocupações, uma delas já foi notícia, oito médicos que asseguravam a Urgência Metropolitana do Porto (UMP), nas instalações do Hospital de São João, demitiram-se. Uma situação que não é tanto pela falta de profissionais, mas pelas instalações em que funciona a UMP, "muito insuficientes", e pela "falta de articulação entre a UMP e o Hospital Magalhães Lemos", que deve receber os doentes destinados ao internamento. António Araújo, presidente da Secção Norte, diz que esta situação já poderia ter sido resolvida pela ARS Norte. "A urgência funciona no São João, mas depende da ARS que já deveria ter arranjado uma solução, porque há muito que a relação entre a UMP e o Hospital Magalhães Lemos é conturbada. Há que encontrar uma solução de funcionamento para o hospital e para os doentes que são vistos na UMP e que necessitam de internamento."

Por um lado, o médico diz perceber que "o hospital está muito assoberbado de doentes. Tem um número de casos sociais muito grande e tem dificuldade em acomodar todos os doentes que acorrem à UMP. E isto tem provocado demoras nas transferências e os doentes ficam em situações muito precárias na UMP, colocando, por vezes, em causa a integridade física dos doentes e dos profissionais".

No entanto, "isto não obsta a que a ARS não tivesse já arranjado solução para conciliar as duas situações". Mas preocupação maior é a que se vive no Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa, o antigo hospital de Penafiel, que "está subdimensionado para a população que serve desde que abriu e necessita de apoio e de uma visão estratégica da tutela, para que se minimize o número de doentes que acorrem ao hospital".

"O que verificamos da ação deste ministério é que existe uma falta de liderança e de estratégia muito grande. Nunca houve propriamente um diploma que fosse estratégico para o sistema de saúde em geral e para o SNS."

António Araújo sustenta que esta unidade "há muito que deveria ter tido o apoio da tutela. "É um hospital que pelas suas carências estruturais, face à população que serve, já deveria ter sido apoiado pela tutela de forma especial." Mas o dirigente da Ordem vai mais longe nas críticas: "O que verificamos da ação deste ministério é que existe uma falta de liderança e de estratégia muito grande. Nunca houve propriamente um diploma que fosse estratégico para o sistema de saúde em geral e para o SNS." O médico enumera as situações que considera estarem na origem da realidade que se vive nas unidades públicas do país: "Subfinanciamento do SNS. Todos os hospitais têm problemas graves em termos orçamentais; ausência de autonomia das instituições, os hospitais continuam muito dependentes, quer para qualquer ato de investimento quer para a contratação de pessoal, do Ministério das Finanças. Isto limita muito o desenvolvimento de estratégias sustentáveis para que as unidades possam responder às carências das populações que servem."

À pergunta sobre o que poderá acontecer se nada for feito a curto e médio prazo, o dirigente da Ordem responde que já está a acontecer: "A sangria de médicos do serviço público e, mais importante do que isso, o risco de se colocar em causa a qualidade dos atos médicos praticados e a vida dos cidadãos que acorrem aos hospitais." No entanto, reconhece, em relação a outras unidades, que no norte não há hospitais em risco de perder serviços por falta de profissionais. "Agora, não quer dizer que não aconteça a médio prazo." E dá outro exemplo: "Outra das grandes preocupações é a situação de Bragança na medicina familiar, que dentro de três a quatro anos perderá uma grande parte dos especialistas, que se reformam. Já alertámos para a situação, não há nada como colmatar estas saídas agora. Não vai ser na altura que vamos conseguir recrutar os médicos necessários. E o mesmo acontecerá nos hospitais de Trás-os-Montes e Alto Douro, que têm especialistas muito envelhecidos que vão para a reforma."

António Araújo diz que o relato de situações por parte de colegas chegam de muitos outros hospitais da região, não quer particularizar, mas uma das preocupações de agora são as urgências gerais de muitas unidades que, "ainda não chegámos ao inverno, e já estão cheias". Isto porque os centros de saúde não têm resposta para os utentes, o que também é de há muito.

Para o presidente da Secção Norte, "a falta de condições de trabalho, as horas extraordinárias pedidas aos médicos, enfermeiros e a outros profissionais, os baixos salários e a incapacidade de corresponder com projetos a que estes se possam dedicar, leva a que o SNS não consiga responder aos anseios da população nem às expectativas de quem lá trabalha". Por isto, sublinha, "é importante uma estratégia de fundo da reforma do SNS".

As reações aos relatos da Ordem dos Médicos

O DN contactou as entidades que mais foram referidas nos relatos dos presidentes das secções regionais da Ordem dos Médicos.

O que diz a tutela

O DN contactou o Ministério da Saúde para saber se comentava as críticas dirigidas pelos presidentes das secções regionais. E o ministério respondeu, argumentando que "o Governo tem procurado reforçar sistematicamente os recursos humanos no SNS. De dezembro de 2015 até 30 de setembro de 2021 houve um aumento de 28 924 novos trabalhadores. Em relação ao pessoal médico, quando sobre comparamos setembro de 2021 com setembro de 2020, temos um saldo líquido positivo de 1.684 médicos especialistas no SNS. Se compararmos setembro de 2021 com dezembro de 2015, o SNS tem mais 3.997 médicos especialistas".

O que diz a Unidade de Saúde Local da Guarda

O DN contactou esta unidade para saber o que tinha a comentar aos problemas referidos pelo presidente da Secção do Centro, e a resposta é contrária ao relato da Ordem. No email enviado ao DN, o presidente da ULS da Guarda, João Pedro Barranca, explica: "A ULS da Guarda está a trabalhar em consonância com a ARS do Centro e com o Ministério da Saúde para mitigar o problema da fixação dos médicos. E foram colocados uma anestesiologista, uma reumatologista e um hematologista. A nível de MGF foram colocados 9 médicos. Este ano, a ULSG conseguiu colocar médicos para diversas especialidades muito superior ao número de médicos que foram recrutados em anos anteriores, alocando médicos para áreas que nunca existiram na ULSG. Por esta razão, consideramos sem fundamento as afirmações do presidente da Secção do Centro".

O que diz o Centro Hospitalar Universitário do Algarve

O diretor clínico do CHUA, Horácio Guerreiro, reconheceu ao DN as dificuldades que o Centro Hospitalar Universitário do Algarve tem tido nos últimos anos devido à falta de recursos humanos, nomeadamente no que toca a pessoal médico e na especialidade de pediatria, dizendo mesmo: "Não é fácil resolver a situação, há muitos profissionais que ficam sentidos com o que se ganha no SNS, pois ganha-se mais através de empresas de serviços ou nos privados", sublinhando que o CHUA tem tentado tudo, sobretudo na área da pediatria, para recrutar mais profissionais, quer através da tutela, de vagas para os quadros, de empresas de serviços e até através de contactos com outros hospitais. Para Horácio Guerreiro, a esperança é que a proposta constantes no OE 2022 ajude a resolver a situação. "Há uma proposta que vai muito ao encontro do que o hospital propôs também à tutela". Segundo explicou ao DN "as urgências pediátricas do CHUA funcionam em dois hospitais, no de Faro e de Portimão. Logo temos de ter sempre quatro equipas por dia que assegurem os serviços. Neste momento, temos 4 médicos de dia e 3 à noite, com alguns médicos de medicina geral e internos. Os médicos de clínica geral também já fazem esta urgência há muito tempo e estão rotinados na atividade", mas, reconhece, não é isto que o Colégio de Pediatria define para a atribuição de idoneidade. "Temos tido reuniões com o colégio de pediatria e com a Secção Regional do Sul na tentativa de podermos resolver a situação", afirma. Como disse, resolver a falta de médicos não tem sido fácil. Por isso, Horácio Guerreiro elogia o trabalho e o esforço de quem lá está, dos profissionais que, mesmo tendo já passado o limite de idade para as urgências as continuam a fazer, "são um pilar no serviço". E elogia também a neonatologia, que "presta cuidados de muita qualidade".

ARS Norte e o Centro Hospitalar do Oeste

A ARS Norte respondeu ao DN estar "prevista para esta semana uma nova reunião entre a Coordenação Regional para a Saúde Mental da ARSN e a Coordenação da Urgência Metropolitana de Psiquiatria do Porto (UMPP) com o objetivo de procurar soluções para alguns constrangimentos identificados nesta Urgência". O Centro Hospitalar do Oeste, o DN não recebeu qualquer resposta sobre as situações referidas na unidade das Caldas da Rainha.

O retrato das especialidades em números

Para a Ordem dos Médicos a análise para a falta de médicos é simples. Basta olhar para os médicos inscritos na Ordem com menos de 70 anos nas especialidades mais carenciadas, como: anestesiologia (1752), destes 665 trabalham fora do SNS; dermatovenereologia (328), destes 187 trabalham fora do SNS; ginecologia e obstetrícia (1351), destes 748 trabalham fora do SNS; pediatria ( 1754), destes 655 estão fora do SNS; radiologia (869), destes 509 não trabalham no SNS; medicina geral e familiar (7050), destes 1469 trabalham fora do SNS. Segundo a Ordem, esta análise pode ser feita especialidade a especialidade, a qual só vai demonstrar que uma parte muito significativa dos médicos especialistas se encontra a trabalhar fora do SNS. Dando como exemplo: "Se apenas 600 dos médicos de medicina geral e familiar que trabalham fora do SNS optassem por trabalhar nele haveria médicos de família para mais 1,140 milhões de utentes". Ou seja, todos os portugueses teriam médico de família.

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