Uma creche que funciona com horário noturno, de segunda a sábado, durante todo o ano? Não existe nenhuma em Portugal, mas vai abrir na segunda quizena de dezembro, em Braga, o ‘Clube dos Pequenos’ por iniciativa do Centro Social Vale do Homem. O projeto da IPSS nortenha é um exemplo de inovação social que está a inspirar iniciativas semelhantes noutras regiões do país..“Se as instituições existem para servir a comunidade têm de inovar para se adaptarem às constantes mudanças vividas pela sociedade”. Este é o lema de Jorge Pereira, presidente do Centro Social Vale do Homem, uma instituição que deu os primeiros passos em Vila Verde, há 19 anos, e hoje serve seis concelhos do distrito de Braga, com valências diversificadas desde a infância à terceira idade, sem esquecer a deficência..Para o público sénior, o CSVH tem dois projetos igualmente inovadores em carteira. O primeiro é uma residência exclusivamente desenhada e adaptada a pessoas com demências e Alzheimer, que vai usar ferramentas de Inteligência Artificial. O segundo é um projeto de habitação colaborativa para seniores que queiram ou possam manter a sua autonomia, mas num espaço com serviços de apoio. O que têm em comum todos os projetos? “ A vontade de ir mais à frente no tipo de respostas que damos às pessoas”, responde Jorge Pereira..No caso da creche de horário alargado, “o objetivo foi dar resposta às necessidades sentidas pela população, nomeadamente, os trabalhadores por turnos ou com horários alargados do Hospital de Braga ou da Universidade do Minho, nas proximidades do estabelecimento, explicou. Isso ajudará, de resto, a explicar que mais de 60% dos inscritos na creche sejam filhos de funcionários do hospital e da universidade. A unidade vai funcionar entre as 6:30 e as 23:00 de segunda a sábado todos os dias do ano, exceto no Natal, e terá capacidade para 92 crianças. Cada criança só poderá frequentar o estabelecimento, no máximo, 11 meses, para garantir que têm, pelo menos, um mês de férias e há um período limite por dia em que cada criança pode ficar na creche..“É uma maneira de apoiar a autonomia financeira de muitas mães e famílias que, perante um trabalho por turnos que não se enquadra com os horários das respostas sociais-padrão, acabam por não conseguir aceitar as propostas de emprego, eternizando assim situações de pobreza”, contextualiza Jorge Pereira..No total, os trabalhos necessários para a construção e equipamento da creche custaram 2,3 milhões de euros, sendo que 820 mil euros são oriundos do PRR (Plano de Recuperação e Resiliência) e que o terreno foi cedido pelo município de Braga. A instituição que está envolvida no “creche feliz”, quer avançar para a gratuitidade , como o programa “creche mais feliz” e está, para isso, à espera que o centro distrital de segurança social aprove um acordo atípico de cooperação, para os casos de famílias de menores rendimentos..“O elevado nível de inscrições já registado vem demonstrar a carência que a sociedade tinha de uma resposta social deste tipo”, considera o responsável..Faro segue o exemplo.No outro extremo do país, no Algarve, as necessidades são idênticas e, por isso, em Faro, está igualmente a nascer um projeto da mesma natureza. E na região Centro, em Coimbra,existe um projeto do mesmo género que está também a dar os primeiros passos..“Numa região em que há uma elevada percentagem de empregos por turnos, desde a hotelaria à restauração, esta é uma carência há muito sentida”, disse a presidente da AIPAR (Associação de Protecção à Rapariga e à Família) de Faro, Filomena Rosa, em declarações ao DN. “Começámos por sentir essa necessidade não só nos nossos próprios funcionários, que trabalham por turnos, mas também das pessoas que apoiamos, mas cuja integração profissional fica muitas vezes comprometida, porque não têm com quem deixar os filhos para ir trabalhar”, disse. No caso da AIPAR, a experiência do CSVH, em Braga, está a funcionar como um farol para ajudar a passar “pela via sacra das candidaturas ao PRR, das licenças, e do lançamento do concurso público para a obra”. Com um custo avaliado em cerca de 1,5 milhões de euros, o financiamento do PRR vai ficar abaixo das expetativas, não indo além dos 160 mil euros, lamentou Filomena Rosa. Mas o executivo municipal comprometeu-se a apoiar parte da obra, que terá de estar concluída até março de 2026 para poder receber o financiamento comunitário..O horário alargado levanta questões de adequabilidade às necesidades das crianças. Sobre este ponto, Filomena Rosa diz que o horário em concreto ainda não está definido, mas vai ter em conta as necessidades das famílias. “O facto de a creche estar aberta desde manhã não obriga a que os pais deixem a criança logo de manhã. Se entrarem no emprego às 15h, podem aproveitar esse período para ter tempo de qualidade com os seus filhos”. Nas respostas-padrão disponíveis no mercado essa flexibilidade não existe de todo, o que faz com que muitos pais acabem mesmo por não passar tempo nenhum com os filhos, acrescenta a presidente da AIPAR, professora de profissão, que se diz apostada em “procurar sempre uma visão de futuro para as respostas sociais”..Casa da Alegria 6.0: um lar moderno para doentes de Alzheimer.Será o equipamento mais avançado e desenhado de raiz para acolher pessoas com Alzheimer e vai usar ferramentas de Inteligência Artificial..A Casa da Alegria 6.0 é um projeto “pensado e construído de raiz para acolher exclusivamente pessoas com demência e Alzheimer e será o mais moderno do país”, assegura o presidente do Centro Social Vale do Homem. A designação “6.0” pretende assinalar um passo de inovação “à frente de tudo o que já existe”. O novo equipamento social, que será localizado em Braga, está ainda em fase de projeto e será candidato aos fundos do Portugal 2030, mas a equipa já está montada, disse Jorge Pereira em entrevista ao DN. “A conceção da arquitetura e do tipo de serviços a disponibilizar está a ser preparada há já algum tempo, com recurso a parcerias com entidades ligadas a esta área a nível nacional e internacional”..O projeto prevê um centro de estimulação da mente, em que com recurso a Inteligência Artificial, o doente de Alzheimer possa experimentar várias experiências sensoriais, como uma ida à praia, sentir a brisa, as ondas do mar, estar num concerto ou regressar a um tempo que lhe traga memórias felizes. A ‘Sala da Reminiscência’ - que já existe na primeira Casa da Alegria da instituição - é também um exemplo de como guiar os utentes através do tempo para tentar reavivar as memórias mais longínquas que são justamente aquelas a que estes doentes têm mais facilidade em aceder. Nessa sala existem objetos antigos como telefones com fios, máquinas de costura a pedal, máquinas de escrever e onde se retoma a rotina do chá à mesa, tudo com o propósito de colocar os utentes mais em contacto com as suas memórias mais antigas, o que também lhes proporciona mais auto-confiança e facilita a sua conexão com os outros..Esse será apenas um dos aspetos diferenciadores da Casa da Alegria 6.0, diz Jorge Pereira, que espera avançar com a escritura do terreno já em janeiro. O equipamento apostará também em terapias de estimulação cognitiva e física, componentes essenciais na abordagem a esta patologia degenerativa..Mas não só. Aproveitando a vasta área onde se implanta o CSVH, existe também um jardim de ervas aromáticas que tem indicações terapêuticas, ajudando a acalmar utentes que são, muitas vezes, psicologicamente agitados..A primeira Casa da Alegria foi oficialmente inaugurada em setembro. No total, o centro social de referência no distrito de Braga movimenta um volume de negócios anual de 5 milhões de euros, que deverá crescer no próximo ano em 50%. Os 340 utentes diretos deverão passar para 500 em 2025 – fruto dos vários projetos em carteira -, mas a abrangência é superior, envolvendo cerca de 3 mil utentes. O centro não só tem serviços ao domicílio como também se desloca às juntas de freguesia para consultas de diagnóstico de saúde e fazer aconselhamento sobre nutrição, explica Jorge Pereira..Para manter várias estruturas de apoio social em funcionamento, com uma tónica de inovação em várias frentes, e manter 200 funcionários “é preciso uma gestão muito profissional, somos uma IPSS mas a gestão tem de ser como uma empresa”. Cada projeto tem de ter “um estudo minucioso de viabilidade e depois criatividade e trabalho em rede para ir buscar os parceiros certos na comunidade para fazer os impossíveis possíveis”, resume Jorge Pereira.