Coordenador do Plano para a Saúde rejeita que este seja "um falhanço", mas admite que não avança “à velocidade que deveria”
As perguntas levantadas pelos deputados eram muitas, mas os dez minutos dados a Eurico Castro Alves para a resposta a todas fizeram o coordenador do Programa de Emergência e Transformação da Saúde (PETS) dizer que “precisava de muitos mais dez minutos para poder responder a tudo". "Portanto vou responder às questões de execução do plano e tentar desmistificar algumas informações que têm veiculado”.
O médico, que integra os quadros do Hospital Universitário Santo António, no Porto, e que é também presidente do Conselho Regional do Norte da Ordem dos Médicos, confrontado pela deputada do PS, Sofia Almeida, e outros sobre o facto de o PETS estar a ser “um falhanço”, começou por admitir que “o plano foi desenhado com grande ambição.”. Agora, “se irá ou não concretizar-se? Acredito que sim”, afirmou ainda, porque “a maneira como está desenhado e traçado tem todas as condições para que seja executado na totalidade.”
Eurico Castro Alves contestou mesmo a avaliação de que está a ser um falhanço. “Não é um falhanço”, disse aos deputados. “O plano foi preparado para mudar o Serviço Nacional de Saúde”, dando como exemplo “os tempos de espera nas urgências hospitalares que baixaram em 30%”, acrescentando : “Não estou a fazer aqui propaganda de nada. São dados dos serviços.”
Elogiou ainda a construção dos Centros de Atendimento Clínico que, considera, “vieram melhorar a resposta aos doentes menos urgentes e libertar os profissionais de saúde para tratarem de facto os doentes urgentes”. “O plano é perfeito? Não. Mas foram dados passos para se mudar a situação do SNS e a resposta ao cidadão”.
No entanto, assume que, de facto, as medidas não estão a ser executadas à velocidade que deveriam e aí aponta mesmo o dedo ao Governo, dizendo que não sabe porque tal está a acontecer e que o Governo deve fazer “um esforço” para que a execução do plano seja cumprida. “Os membros do Governo são responsáveis pela aplicação do plano. Agora, se este falhou? Não considero”, reforçou na sua declaração. “Considero que tem muito mais para andar e é injusto que se diga que está abrir as portas ao privado”, respondendo à deputada do Bloco. “Não é essa a sua motivação nem prioridade. A prioridade é elevar ao máximo a capacidade do SNS no acesso dos doentes aos cuidados e só depois de esta estar esgotada, contar então com o setor social e privado”, disse.
OncoSTOP teve sucesso no início
Questionado ainda pelos números que têm sido dados pelo Governo sobre o número de doentes oncológicos em lista de espera para uma cirurgia, o médico assumiu que “o programa OncoStop foi um sucesso na sua fase inicial. Conseguimos acabar com a lista de espera”, ressalvando até que “houve tempos em que os doentes morreram por falta de acesso à cirurgia no tempo adequado e isso hoje não está a acontecer”, mas que os números “são um processo dinâmico. Todos os dias entram e saem doentes”.
No entanto, assume que “é muito importante que se continue a execução do plano, pois há uma vertente que ainda não foi implementada para a área das cirurgias, que é o SINAS (Sistema Nacional de Avaliação na Saúde), que já deveria estar no terreno”, e ainda não está e, segundo explicou, “é um mecanismo que vai trazer grande eficácia à questão das listas de espera”, referindo-se aqui à oncologia pediátrica, já que os deputados manifestaram preocupação em relação às listas de espera para cirurgia para crianças. “Há um conjunto de medidas que estão a evoluir mais lentamente e era bom que isso se resolvesse, nomeadamente na oncologia infantil”.
Eurico Castro Alves relembrou aos deputados que ainda muito recentemente, num relatório da OCDE, Portugal foi classificado como sendo dos melhores na prestação de cuidados entre os 194 países que compõem esta organização e que tal deve ser “motivo de orgulho”, mas tem uma certeza: “O plano não é uma panaceia para se resolver todos os problemas da Saúde. Os problemas da Saúde não vão acabar. Vão existir sempre, porque o propósito de todos nós é que os doentes sejam melhor tratados e todos da mesma maneira”. Aliás, o desígnio deste plano “não foi criar obstáculos, mas a preocupação de chegar o mais depressa possível aos doentes”.
“Teorias da conspiração”
No tempo que lhe foi dedicado, Marisa Matias disse mesmo a Eurico Castro Alves que “ninguém acredita que a sua participação neste plano tenha sido apenas de 23 dias, tal como disse na sua declaração” e que “este plano foi pensado para destruir o SNS” e favorecer outros “interesses” do próprio médico junto da Santa Casa da Misericórdia do Porto, dizendo que este tinha cargos na administração desta.
A estas acusações o médico respondeu: “Sou um médico do serviço público, deixei a atividade privada há muito tempo, e, enquanto médico, o meu único propósito, neste momento, é a defesa da profissão médica e do SNS, e enquanto cidadão o meu único propósito é melhorar os cuidados prestados aos utentes”.
Em relação à sua atividade na Santa Casa, o médico disponibilizou-se a deixar um email enviado ao provedor da Santa Casa em que manifestava indisponibilidade para fazer parte de qualquer órgão da Santa Casa, já em 2021. Sobre a alegada incompatibilidade referida por alguns deputados, nomeadamente por "assumir funções em órgãos representativos da Ordem dos Médicos e o estar a trabalhar para o Governo”, o médico rejeita que haja incompatibilidade dizendo “há dezenas de colegas meus que foram dirigentes da OM e que trabalharam para o Governo, alguns deles assinam o documento contra mim relativamente à incompatibilidade”, argumentando ainda que, “independentemente dos partidos, os médicos têm de estar presentes na sociedade e dar o seu contributo. Este é o meu desígnio”.
Sobre a afirmação de Marisa de Matias de que era “o ministro sombra”, considerou “extremamente injusto e até perverso alegarem que sou ministro sombra. A Sra ministra está desde sempre ligada à área da Saúde e notabilizou-se sempre como uma técnica e e pessoa honesta e competente. Não me parece bem que se afete a dignidade das pessoas”.
Por fim, Eurico Castro Alves fez questão de lembrar no Parlamento que os médicos têm sido muito “maltratados” por todos os governos e que “são fundamentais, não só pelo seu trabalho, mas pela sua participação na sociedade”, dizendo que ele próprio, como médico, não vai "deixar de participar na sociedade, seja por que partido for. Senhora deputada do Bloco, não concordo com o seu partido, mas se o BE precisar de mim cá estarei. Os médicos têm de ser ouvidos”, disse, explicando que com isto não está "a fazer a apologia de que os médicos têm de mandar, mas que os governos têm de contar com os médicos". "Os médicos foram extremamente maltratados nos seus ordenados, a sua auto estima foi-se degradando e também compete agora aos senhores deputados resolverem este problema”.