Condenações são "mais prováveis" quando as vítimas são menores

Socióloga Isabel Ventura analisou acórdãos e encontrou sexismo na jurisprudência. Juíza do Constitucional fala de evolução na lei
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As condenações pelo crime de importunação sexual "são mais prováveis quando as vítimas são menores do que se forem adultas", afirma ao DN a socióloga Isabel Ventura, que analisou acórdãos sobre crimes sexuais desde o Código Penal de 1886 até aos nossos dias para a tese de doutoramento "Medusa no Palácio da Justiça: imagens sobre mulheres, sexualidade e violência a partir dos discursos e práticas judiciais". A tese, que em breve será publicada em livro, mostra algum sexismo latente nas decisões judiciais e "desigualdade na interpretação das leis". Isabel Ventura recorda um acórdão de 2016 do Tribunal da Relação de Coimbra em que o homem que assediou disse para a mulher assediada: "Estás cada vez melhor! Comia-te toda! És toda boa! Pagavas o que me deves!". "O Tribunal reconhece que estas expressões não são corretas mas desvaloriza, alegando que são grosserias mas não são crime".

"A sociedade portuguesa ainda é sexista, homofóbica e racista", sustenta. Isabel Ventura não acredita, por isso, num eventual efeito contágio da catadupa de acusações por assédio e abuso sexual em Hollywood para o nosso país. "Não estão reunidas ainda as condições para que tal aconteça. O assédio implica uma situação de poder. No caso em concreto, as vítimas que agora denunciaram o produtor Harvey Weinstein também têm poder. E para chegar a este desvelamento público é um processo longo e que implica um empoderamento emocional e pessoal".

A socióloga sublinha o estigma que recai sobre as mulheres que acusam, que são sempre tão desacreditadas. "A credibilidade da acusação articula-se sempre com a credibilidade da pessoa que está a ser acusada. No caso de Harvey Weinstein sabia-se que era de trato hostil com toda a gente. Mas veja-se o que aconteceu quando a Amber Heard acusou Johnny Depp de violência doméstica. Ela estava a acusar um homem muito amado em todo o mundo, por homens e mulheres".

Considerando a jurisprudência portuguesa que estudou, a socióloga concluiu que nas acusações de violência sexual, seja qual for o crime -violação, importunação ou coação sexual - há um traço em comum: "uma desconfiança generalizada em relação a quem se queixa, até porque geralmente são mulheres e há a ideia de que estão a fazer isto para afetar um homem, seja no sentido de o conquistar ou de o prejudicar".

A juíza Clara Sottomayor, do Tribunal Constitucional, vê alguma evolução na sociedade portuguesa no combate ao assédio sexual e moral. "A atual lei, a nº73/2017, transformou em contraordenação muito grave o assédio sexual no local de trabalho, sem prejuízo da responsabilidade penal que vier a ser aferida. Sempre que a empresa tiver conhecimento dos factos está obrigada a intentar uma ação disciplinar contra o trabalhador suspeito de assédio. Há neste enquadramento uma maior proteção da vítima".

Por outro lado, salienta, " as testemunhas da vítima, normalmente os seus colegas, passaram a estar protegidas por lei, o que é importante porque é natural que as pessoas receiem retaliações".

Clara Sottomayor sublinha que o assédio sexual pode abranger um vasto leques de crimes e incluir a coação sexual (punível até cinco anos de prisão) - que acontece muito nos casos de abuso de autoridade - e a importunação sexual (punível até um ano ou com multa até 120 dias), que pune contactos sexuais não desejados ou propostas sexuais não desejadas.

A juíza do Tribunal Constitucional também não antevê uma avalanche de processos na área do assédio sexual por causa da onda de denúncias que está a varrer Hollywood. "Portugal está num caminho próprio, em fase de maturação social e a dar mais força às vítimas. Mas é um caminho nosso".

Quanto ao eventual receio de surgirem muitas denúncias falsas, a juíza é perentória: "As denúncias falsas são em número irrisório na criminalidade sexual. A tese da denúncia falsa não tem credibilidade, segundo estudos realizados".

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