Cientista portuguesa ganha bolsa para investigar relação entre nutrição e fertilidade
Qual é a relação que os nutrientes utilizados pelas células podem ter no processo reprodutivo? A pergunta parece simples, mas a ciência ainda procura respostas. Já se sabe uma coisa: "Há uma ligação direta entre nutrição e fertilidade." Agora, de que forma é que os nutrientes atuam na fisiologia humana, como é que estes se desenvolvem e afetam o funcionamento dos órgãos que interferem no processo de reprodução é que ainda não se sabe. Mas é precisamente isto que a cientista portuguesa, Zita Santos, de 38 anos, bióloga, se propõe investigar, tendo recebido recentemente uma bolsa "Starting" do Conselho Europeu de Investigação, no valor de 1,5 milhões de euros, para criar o seu próprio laboratório e desenvolver a sua atividade.
Na partida para esta viagem, que terá início já em janeiro de 2023 no Instituto de Medicina Molecular João Lobo Antunes (iMM), em Lisboa, Zita Santos, até agora investigadora pós-doutorada na Fundação Champalimaud, sabe que o percurso será longo. "Imagino que nos próximos cinco anos, e ainda no âmbito da investigação com a mosca da fruta, consigamos ter definido e respondido às primeiras perguntas que colocámos: quais são os processos celulares que são afetados pelos diferentes nutrientes e quais são as moléculas produzidas pela linha germinal que levam o sinal ao cérebro que permite melhorar a reprodução?", explica ao DN. E só a partir daqui é que a investigação poderá passar para ratinhos e depois para humanos.
O tempo não é definível nesta fase, como diz, a cientista portuguesa, "podemos levar dez anos até descobrirmos algo". A expectativa, e sem querer criar falsos entusiasmos, é poder-se desvendar um pouco mais sobre o processo de ação dos nutrientes no organismo humanos e que a informação recolhida possibilite "a otimização dos tratamentos de fertilização in vitro (FIV), através da manipulação dos nutrientes ou através de tratamentos nutricionais ou dietéticos", refere.
Zita Santos, que se descreve como sendo uma pessoa que sempre foi curiosa, "desde pequena", e que, portanto, cedo soube que "isso me iria levar ao caminho da ciência e da investigação", escolheu a biologia como formação base. Licenciou-se na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e assim que terminou o curso decidiu avançar com o doutoramento na área da biologia celular, e no âmbito da fertilidade, no Instituto Gulbenkian da Ciência, em Oeiras.
Segundo explica, "sempre achei muito interessante estudar os processos celulares, mas percebendo sempre porque é estes acontecem no organismo". Durante o doutoramento, quis saber mais sobre a fertilidade masculina, porque, refere, "existem umas estruturas dentro das células que são importantes para formar o flagelo do esperma, quando há um problema na formação dessas estruturas o esperma torna-se imóvel e não consegue chegar ao óvulo e foi isso que procurei estudar, que processos moleculares - ou melhor, que "tijolos" ou elementos, são precisos para se construir a estrutura, que é, no fundo, esse flagelo". Agora, vai focar-se na fertilidade feminina.
Mas entre nutrição e fertilidade já se sabe que há uma ligação direta, nomeadamente entre a quantidade de proteína que um organismo ingere e o output reprodutivo (número de ovócitos produzidos pelo animal). A investigadora explica que esta área já foi explorada por outros laboratórios, em ratinhos e em humanos, tendo as conclusões apontado para o facto de "a quantidade de proteína ingerida ser muito importante para a eficiência reprodutiva, embora não se saiba ainda em que processo é que isto acontece, se é na ovulação ou não". Isto em relação à proteína, mas o que acontece com os nutrientes com açúcares ainda não se sabe. E é isso que quer descobrir.
No doutoramento, "a minha investigação focou-se muito na biologia celular, mas já me interessava muito sobre a relação entre o que se passa numa célula e como se passa desta para todo o organismo". Zita Santos diz querer perceber "como é que as dietas ou os nutrientes com açúcares - porque tal como acontece com as proteínas, os açúcares também são necessários na nutrição, é toda uma questão de equilíbrio - são utilizados pelas células, para que estas desempenhem as suas funções e gerem oócitos em quantidade e em qualidade suficientes para desenvolverem o processo de reprodução".
Ou seja, "quero saber como é que as funções desempenhadas pelas células vão acontecendo durante a geração dos óvulos e influenciam a fisiologia do animal, porque, nesta fase, vamos trabalhar com a mosca da fruta", continuando, de forma entusiasmada: "Quero saber como é que os óvulos dizem ao cérebro que aquele animal tem de continuar a comer determinada quantidade de um nutriente que os órgãos falem melhor entre si e o organismo conseguir reproduzir-se".
É sentada a uma mesa numa das salas do iMM que a investigadora portuguesa vai contando o percurso até aqui e o que espera vir a atingir, assumindo que o prémio agora recebido do Conselho Europeu de Investigação "é muito prestigiante e vai permitir-me começar o meu laboratório como investigadora independente, vai permitir-me fazer as minhas próprias experiências, colocando em prática as minhas ideias e as minhas questões, e criar a minha equipa de investigação". O que aí vem, não consegue predizer, mas a ciência e a vida são assim mesmo. Por agora, vai partir de um modelo que criou com a investigação do seu doutoramento, que, no fundo, "é um modelo que permitirá explorar precisamente as perguntas que queremos - como é que os nutrientes atuam?; Onde é que atuam?; Quais são as funções celulares em que são necessários e como é que essas funções são reguladas e que impacto têm na fertilidade?".
Como diz, "começamos com um modelo simples para depois irmos avançando para outros níveis de complexidade". A base da investigação centra-se, nesta fase, "na mosca da fruta. As pessoas acham estranho, questionando até o porquê de um inseto tão pequeno, mas 60% dos genes que existem na mosca da fruta também existem nos genes dos humanos, e com uma vantagem de que são facilmente manipuláveis, quer a nível da dieta, quer a nível da genética e neuronal. Portanto é um animal que do ponto de vista experimental tem muitas vantagens", explica.
Especificando ainda que vai "começar pela fertilidade feminina, com as fêmeas, porque a produção de oócitos femininos, que está subjacente à fertilidade feminina, é um processo fenomenal para estudar estas interações complexas, uma vez que requer uma nutrição elevada e equilibrada e a ação combinada de múltiplos órgãos controlados por hormonas.
"A formação de oócitos é uma exibição extraordinária da comunicação e da função do nosso organismo como um todo. Assemelha-se a uma orquestra. Todos os músicos se juntam, tal como os órgãos do nosso corpo, para tocar a mesma melodia. Para alcançar o seu objetivo final, os músicos precisam de instrumentos, tal como as células precisam de nutrientes. Estes instrumentos têm de estar equilibrados e em perfeita sintonia", diz Zita Santos.
"Por um lado, porque os processos metabólicos são altamente conservados em todos os organismos vivos, este trabalho permitir-nos-á compreender os mecanismos gerais pelos quais a nutrição afeta as funções dos animais. Por outro lado, as disfunções metabólicas, incluindo a obesidade e a diabetes, estão ligadas a muitas condições humanas, incluindo a infertilidade feminina".
O importante, acredita, é que "este trabalho poderá ajudar a revelar novas estratégias terapêuticas possíveis para combater esta condição", que é infertilidade feminina. A investigação sobre a fertilidade masculina virá a seguir.