Cientista do i3S ganha bolsa milionária do Conselho Europeu para investigar alteração das células
"Como é que o processo de divisão das células se adaptou a alterações no número de cromossomas que ocorreram ao longo da evolução?” Esta foi a pergunta certa descoberta pela equipa do investigador Helder Maiato, coordenador do grupo de investigação dedicado à Dinâmica e Instabilidade Cromossómica, do Instituto de Investigação e Inovação em Saúde da Universidade do Porto (i3S), que ganhou três milhões de euros e cinco anos para mais uma investigação, através da atribuição de uma bolsa do Conselho Europeu - European Research Council Advance Grant. A investigação vai assentar no estudo da evolução das células em duas espécies de veados geneticamente idênticas - uma com seis cromossomas e outra com 46, como os humanos - e tentar obter respostas que permitam perceber melhor o cancro e tratá-lo.
Ao DN, Helder Maiato, também professor catedrático convidado da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP) e autor de mais de uma centena de publicações científicas, confessa que “esta bolsa é um balão de oxigénio”, sobretudo “numa altura em que a ciência fundamental tem sido tão maltratada”. E explica: “ Os engenheiros procuram respostas e soluções. Os cientistas procuram perguntas e ficamos muito fascinados com a descoberta da pergunta certa, original, e com o facto de através desta podermos fazer alguma diferença com os resultados que esperamos alcançar.”
Mas a pergunta certa traz consigo já muitos anos de investigação e, por isso mesmo, Helder Maiato considera que a bolsa agora atribuída é uma forma de reconhecimento do que têm feito ao longo destes anos. "É o reconhecimento de que temos andado a pensar bem, porque não premeia, digamos assim, o futuro, mas o passado e o que foi feito até aqui”, afirmou.
O ERC Advance Grant não vale só pelos três milhões de euros que irão financiar a investigação - “já que um dos grandes quebra-cabeças da ciência é o seu financiamento” -, mas também pelos cinco anos que dá aos investigadores para procurar resultados. Como explica o investigador do i3S, “o contrato deste projeto foi fechado ontem (segunda- -feira) e terá início a 1 de janeiro de 2025, e a duração de cinco anos, o que é uma novidade para a investigação científica”.
Helder Maiato sustenta: “Ter um horizonte temporal de cinco anos para concluir um projeto é maravilhoso, normalmente temos um ano e meio, dois ou três no máximo para investigar. Mas o tipo de trabalho que se pode fazer num horizonte temporal curto é completamente diferente daquilo que se pode fazer num horizonte temporal mais alargado. Há outro tipo de margem de erro que nos permite explorar os imprevistos.”
E continua: “Hoje, quando concorremos a uma bolsa temos de ter o projeto praticamente acabado, tão claro e sem equívocos em relação ao que nos propomos fazer, que quase não se assumem riscos, tão necessários em ciência, porque é neles que estão, muitas vezes, as grandes fronteiras do conhecimento e os maiores desafios.”
Estudo sobre divisão celular poderá levar a respostas sobre o cancro
Para responder à pergunta certa - “Como é que o processo de divisão das células se adaptou a alterações no número de cromossomas que ocorreram ao longo da evolução?” -, a equipa de Helder Maiato vai estudar duas espécies geneticamente idênticas de veado (em que uma conta com seis cromossomas e a outra com 46, como os humanos) e tentar perceber os desafios com que cada espécie tem de lidar na altura da divisão das células.
O investigador conta que a verdadeira motivação do trabalho é compreender os mecanismos de evolução a nível celular, já que “uma das características que nos diferencia dos chimpanzés é a diferença no número de cromossomas”, explicando: “Nós herdámos dois cromossomas dos chimpanzés que se fundiram e deram origem a um cromossoma distinto em humanos. O ser humano tem 46 cromossomas (23 pares) e o chimpanzé tem 48 (24 pares). E isto levanta questões: a fusão de dois cromossomas deu-nos alguma vantagem na sobrevivência da espécie? Os processos de divisão celular são mais eficientes? Há mais erros ou menos? E haver mais ou menos erros é uma desvantagem?”
Todas estas perguntas vão ser transpostas para as duas espécies de veados, onde a diferença no número de cromossomas é mais acentuada. Os genomas destas duas espécies já foram sequenciados, agora “estamos a ressequenciar as regiões mais repetitivas que ainda não se conhecem, em conjunto com um consórcio americano”.
Para já, sabe-se que “ambas as espécies divergiram de um ancestral comum que tinha 70 cromossomas e que, por exemplo, os veados são os mamíferos que apresentam a menor incidência de cancro. Mas será que o que tem seis cromossomas consegue viver mais tempo sem cancro? Parece haver alguma vantagem em haver menos cromossomas, mas quão menos”?
O investigador destaca que “a cereja no topo do bolo seria perceber qual o número mínimo de cromossomas que uma célula de mamífero pode tolerar e, em laboratório, através da engenharia genética, vão fazer a fusão de cromossomas para perceber esse limite. “Vamos tentar criar uma célula de mamífero com um único cromossoma, para perceber se é possível compactar toda a informação genética num só cromos- soma, à semelhança do que acontece naturalmente em alguns insetos”.
Helder Maiato diz estar “absolutamente convencido de que a nossa pergunta, por enquanto meramente básica, terá repercussões fundamentais para compreendermos e tratarmos o cancro no futuro”.