Numa primeira observação, assemelham-se a enxames de ínfimas criaturas captadas pelo ‘olho’ de um microscópio vitoriano. As placas à guarda da londrina Royal Society integram, desde os anos de 1880, o acervo da instituição. Com o amparo da tecnologia do século XXI, a viagem virtual ao site da casa fundada em 1660 informa-nos que os exemplares microscópicos em mostra, seis no total, provêm do oceano Índico. Mais acrescenta que podemos adquirir uma litografia com a reprodução deste exemplar da ciência do século XIX. Na realidade, o sexteto de amostras oferece-nos uma visão microscópica sobre um brutal evento natural. O que vemos ampliadas são estruturas geológicas aprisionadas em secções transversais da lava expelida pelo vulcão Krakatoa. Nos anos de 1880, a Royal Society lançou uma empresa à escala mundial..Chamou-lhe comité especial para recolher testemunhos de Krakatoa. Na época, o mundo recuperava do sobressalto da noite de 26 para 27 de agosto de 1883. O âmago da Terra, no estreito de Sunda, entre as ilhas de Sumatra e Java, pertencentes às Índias Orientais Holandesas (hoje Indonésia), produziu um cataclismo de dimensão global..A erupção de Krakatoa resultou num estampido discernível na índica ilha Rodrigues, a quase 5000 Km de distância. A erupção elevou nos céus, a 27 Km de altitude, uma coluna de cinzas, expeliu material piroclástico, arremessou a dezenas de quilómetros fragmentos de pedra-pomes. Uma parede de água cavalgou todo o Oceano Índico, o Oceano Pacífico e agitou os litorais do Canal da Mancha. A onda de pressão acústica resultante da explosão final de Krakatoa circulou por três vezes o globo. No final do evento, sobrava o vazio onde antes imperava uma montanha de 882 metros. Contaram-se perto de 36 mil mortes. Nos céus alastrava um manto de poeiras atmosféricas com dióxido de enxofre, combinado com vapor de água, para gerar gotículas de ácido sulfúrico. As poeiras de cinzas alastraram das latitudes tropicais para as latitudes médias e polares. A Terra assistia aos mais magníficos pores do sol presenciados por olho humano. A tragédia que arrefeceu em perto de 1ºC a temperatura global (designado inverno vulcânico), trouxe a oportunidade a um clérigo, também cientista, de deixar testemunho futuro no estudo da ciência atmosférica. .Nascido em 1827 no reino do Havai, então governado por Kamehameha III, Sereno Edwards Bishop afadigava-se entre a sua agenda eclesiástica, política e científica. Defensor da anexação das ilhas Havaianas pelos Estados Unidos (o que aconteceria em 1898), Bishop, filho de missionários americanos, ligou-se à fação política que derrubou a monarquia. No campo da ciência, Edwards levou a sua verve ao jornal The Hawaiian Star. Ali discorria sobre vulcões e manchas solares. Também na imprensa, Bishop deu mundo ao fenómeno que observou nos céus havaianos semanas após a explosão de Krakatoa. A 5 de setembro de 1883, o cientista percebeu um halo difuso em torno do Sol. O clérigo descreveu-o com pormenor: um anel de borda interna esbranquiçada e com a parte exterior a raiar os vermelhos e roxos. Sereno fez a associação entre o halo solar e o tumulto atmosférico decorrente da explosão de Krakatoa..O também designado “anel de bispo”, seria detalhado num outro contexto e continente. Em 1886, a tese de doutoramento do meteorologista suíço Albert Riggenbach deteve-se no fenómeno atmosférico. Aquele que foi coautor de um dos primeiros atlas de nuvens, em 1896, e fotógrafo pioneiro ao serviço da meteorológica (captou as primeiras imagens de nuvens Cirros), detalhou as circunstâncias para a ocorrência de halos solares. Trata-se de um fenómeno ótico causado pela dispersão da luz solar nas partículas de aerossóis e cinzas vulcânicas na atmosfera. Estas partículas, ao serem expelidas pelas erupções, podem refletir e refratar a luz, criando um anel luminoso em torno do sol, semelhante a um arco-íris circular..Se a ciência encontrou uma explicação para os halos solares e a sua ligação à atividade vulcânica, a arte deu-lhes forma nas aguarelas do etnógrafo, geógrafo, viajante e pintor alemão Eduard Pechuël-Loesche. Halos solares, crepúsculos de tons oníricos e outras manifestações óticas mereceram a arte de Eduard. Aguarelas que encontraram o livro de 1888 do físico alemão Johann Kiessling. Estudo sobre fenómenos crepusculares para explicar a perturbação ótica-atmosférica observada após a erupção de Krakatoa tem uma extensão de título proporcional à dimensão do trabalho de Pechuël-Loesche, multiplicado em dezenas de pinturas. Um afã na fixação daqueles céus multicoloridos que também tomou de febre criativa o britânico William Ascroft. A partir de Chelsea, Ascroft esboçou a pastel milhares de céus. O pintor, nascido em 1832, trabalhava então para o comité instituído pela Royal Society. A arte fixava um céu sintetizado na verve do poeta britânico Gerard Manley Hopkins no artigo que escreveu para a revista Nature em 1884: “Acima do verde, surgiu um brilho vermelho, mais amplo e robusto; era suavemente tigrado. Nas listas a cor era mais rosada e, nos canais, onde o azul do céu brilhava espreitava a cor malva. Acima de tudo isto bailava um vago lilás”.