Os últimos dias entregaram-nos duas notícias da ciência portuguesa de olhos postos no espaço. A seis anos-luz, o planeta Barnard b, com metade da massa de Vénus, foi descoberto por uma equipa que conta com a participação de vários investigadores do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço. Mais próximo, a estrela brilhou para o físico português Vitor Cardoso, que passa a coordenar um Centro de Excelência na Dinamarca, empenhado na investigação de ponta em observação de buracos negros e aspetos quânticos da teoria da gravidade..Barnard b, o exoplaneta nosso “vizinho” descoberto com colaboração portuguesa.Edward Emerson Barnard destacou-se como astrónomo na segunda metade do século XIX, início da centúria seguinte. O norte-americano iniciou uma carreira de fotógrafo para, mais tarde, se render aos mistérios do universo. O que começou como uma paixão amadora e um telescópio construído em casa, levaria Barnard a inscrever o nome entre os maiores astrónomos do seu tempo. Edward criou uma base fotográfica de nebulosas escuras para, em 1916, descobrir a estrela de Barnard. A distar seis anos-luz, esta estrela é a segunda mais próxima do Sol depois do sistema triplo Alfa Centauri. Contudo, ao contrário deste, Barnard é um sistema estelar com apenas uma estrela. A 1 de outubro último, uma equipa internacional, que conta com vários investigadores do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA), entidade que congrega investigadores das universidades de Lisboa, Coimbra e Porto, anunciou a descoberta de um planeta com metade da massa de Vénus em órbita da estrela de Barnard. .A descoberta do exoplaneta Barnard b, com base no método das velocidades radiais (deteta exoplanetas medindo pequenas variações na velocidade – radial – da estrela, devidas ao movimento que a órbita desses planetas imprime na estrela), mereceu publicação na revista Astronomy & Astrophysics e resultou de dados obtidos em mais de 150 observações com o ESPRESSO. Este, é o espectrógrafo que tem por objetivo procurar e detetar planetas semelhantes à Terra, instalado no Very Large Telescope (VLT) do Observatório Europeu do Sul (ESO), instalado no Chile. Trata-se de uma instalação emblemática para a astronomia do velho continente e um dos telescópios óticos mais avançados do mundo. As observações que levaram à descoberta do Barnard b prolongaram-se por cinco anos..André Silva, investigador do Departamento de Física e Astronomia da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, um dos coautores do artigo “A sub-Earth-mass planet orbiting Barnard’s star”, comenta a propósito da descoberta: “A utilização de uma nova técnica, desenvolvida durante a minha tese de doutoramento, permite uma maior precisão na medição da velocidade radial e tem potenciado este tipo de deteções nos últimos anos”..“Mesmo que tenha demorado muito tempo, estivemos sempre confiantes que iríamos encontrar alguma coisa”, comenta Jonay González-Hernández do Instituto de Astrofísica das Canarias, o primeiro autor do artigo..“A equipa tinha como objetivo procurar planetas na zona de habitabilidade da estrela de Barnard, uma anã vermelha. Este tipo de estrelas são frequentemente alvo de observações, pois são mais pequenas e menos quentes do que o nosso Sol, sendo por isso mais fácil detetar planetas rochosos de menor massa em seu redor”, sublinha o comunicado emanado pelo IA. O Barnard b demora pouco menos de três dias e quatro horas para completar uma órbita e está cerca de 20 vezes mais próximo da sua estrela-mãe do que Mercúrio está do Sol. Mas como a estrela de Barnard é 2500 graus menos quente do que o Sol, o planeta tem uma temperatura a rondar os 125 °C – ainda assim demasiado quente para poder suster água líquida, o que o coloca fora da zona de habitabilidade da estrela de Barnard. Além de confirmar este exoplaneta, a equipa detetou ainda indícios de mais três candidatos que podem orbitar a estrela de Barnard, “mas serão precisos mais dados para confirmar a sua existência”, sublinha a dupla de autores..A estratégia do IA na área da deteção e caracterização de exoplanetas, atualmente em plena implementação com os espectrógrafos ESPRESSO e NIRPS e com a missão espacial Cheops, da Agência Espacial Europeia, “irá continuar no futuro próximo, com a nova geração de instrumentos e missões espaciais com forte envolvimento do IA. Isto inclui as missões espaciais da ESA PLATO e ARIEL, com lançamentos previstos para 2026 e 2029, respetivamente, e com o espectrógrafo ANDES previsto entrar em funcionamento no início da década de 2030, quando for instalado no maior telescópio da próxima geração”, adianta a IA. “É expectável que o ANDES permita a deteção de substâncias químicas nas atmosferas de planetas semelhantes à Terra, o que abre a porta à deteção de biomarcadores”, continua a equipa da IA..Vitor Cardoso é especialista em buracos negros e ondas gravitacionais. -- Foto: LEONARDO NEGRÃO.Físico português Vitor Cardoso vai coordenar Centro de Excelência na Dinamarca.Vai reunir investigação de ponta em observação de buracos negros e aspetos quânticos da teoria da gravidade, situa-se na Dinamarca e completa as visões do físico e filósofo dinamarquês Niels Bohr e do físico teórico alemão Albert Einstein para a interação gravitacional. O novo Centro de Gravidade, sediado no Instituto Niels Bohr, da Universidade de Copenhaga, contará com inteligência portuguesa. O físico e especialista em buracos negros e ondas gravitacionais Vitor Cardoso que recentemente deu à edição nacional o livro O Eclipse do Tempo, vai coordenar o novo Centro que, estima-se, entrará em funcionamento no próximo ano. No seio da equipa internacional de investigadores que trabalharão com o português encontram-se Emil Bjerrum-Bohr, Troels Harmark e Niels Obers (do Instituto Niels Bohr), Alessandra Buonanno (diretora do Instituto Albert Einstein) e Maarten van de Meent (investigadora nos dois institutos citados)..Sobre o novo cargo adianta Vitor Cardoso: “Estou muito orgulhoso e feliz por poder continuar a nossa investigação em física gravitacional com esta bolsa da Danish National Research Foundation (DNRF). Isto não teria sido possível sem o trabalho e a dedicação da minha atual equipa e investigadores principais, e de toda a ciência que já foi feita”..“Não sei as coisas que vamos conseguir fazer, as descobertas que nos aguardam, mas o caminho é excitante e novo, e acho que é isso que devemos pedir. O Instituto Niels Bohr está há sete anos a tentar conseguir um Centro de Excelência da DNRF, e estou obviamente orgulhoso e feliz por tê-lo conseguido agora. Estes centros influenciam imenso a dinâmica da comunidade e fazem crescer o número de jovens talentos na área”, acrescenta o também Professor Catedrático e Professor Distinto do Departamento de Física do Instituto Superior Técnico..As funções que Vitor Cardoso vai assumir no Instituto Niels Boh são-nos detalhadas pelo próprio: “O meu cargo implica dirigir toda a estrutura. Claro que, enquanto cientista, tenho a incumbência de estudar espectroscopia dos buracos negros, ou o que é equivalente, perceber a forma como os buracos negros vibram e a informação que podemos retirar das observações dessas vibrações. Ou seja, tal como conseguimos inferir que é um piano quando ouvimos o som vindo da corda de um piano”..Sobre os desafios a que se propõe no Centro de Gravidade, detalha Vitor Cardoso: “Desde a última década que temos acesso a uma nova forma de perceber o universo. Conseguimos captar ondas gravitacionais, que nos permitem ‘ver’ o universo de uma forma totalmente nova. Este é um momento único para a nossa espécie e civilização. O Centro de Gravidade quer aproveitar este momento e as capacidades únicas dos membros para ir mais à frente na nossa perceção do mundo, e sobretudo para evoluir no conhecimento da gravidade. Das quatro interações fundamentais, a gravidade é especial, muito especial. Está ligada ao início do universo e a todas as coisas que correm mal nas nossas teorias: o interior de buracos negros, singularidades e talvez à razão pela qual o universo se expande de forma peculiar ou até aquilo que nos parece ser matéria escura”..O trabalho de investigação de Vitor Cardoso foi distinguido três vezes pelo European Research Council. Em 2015, foi agraciado pelo Presidente da República com a Ordem de Santiago D’Espada, pelas suas contribuições para a ciência. É membro fundador da Sociedade Portuguesa de Relatividade Geral..O Centro de Gravidade contará com um financiamento público de oito milhões de euros para seis anos, renovável por mais quatro anos e uma equipa de mais de 30 investigadores. Este é um dos 13 novos Centros de Excelência anunciados recentemente pela DNRF. Momento assinalado pelo presidente da instituição, Dorthe Dahl-Jensen: “Passámos por um processo longo e minucioso antes de selecionar os 13 candidatos. Estes candidatos foram agora convidados a iniciar negociações contratuais. Acreditamos que todos eles têm potencial para criar resultados inovadores no seu campo de investigação”..A DNRF recorre a um processo de candidatura em duas fases para o estabelecimento de novos Centros de Excelência. A primeira fase é um concurso aberto, onde todos os interessados podem apresentar candidaturas. Nesse contexto a “DNRF recebeu 166 propostas gerais. Destes, 25 candidatos foram convidados a apresentar propostas completas e, destes, 13 candidatos foram convidados a iniciar negociações contratuais para estabelecer novos Centros de Excelência”, conclui a instituição dinamarquesa.