Ciência, algoritmos e preconceitos de género
Londa Schiebinger, professora e investigadora de história da ciência na Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, está habituada a fazer conferências e a dar entrevistas sobre o seu trabalho e foi isso que fez, há uns tempos, em Espanha. De regresso a casa, resolveu usar o Google Translate - "não falo espanhol", explica - para poder ler a entrevista que tinha dado a um órgão de comunicação social naquele país. "Fiquei chocada", recorda. Na tradução do texto para inglês, o pronome pessoal "ela" (she, em inglês) era automaticamente transformado em he (ele). "Dei-me conta de que o algoritmo para a tradução automática tem este enviesamento que assume a forma masculina por defeito".
Londa Schiebinger contou ontem a pequena história na Fundação Gulbenkian, durante o V Simpósio Internacional da AMONET, a Associação Portuguesa de Mulheres Cientistas, sobre o tema A Dimensão do Género na Ciência e na Sociedade, para ilustrar como o preconceito está por todo o lado, e onde menos se espera.
Depois daquele episódio, a investigadora contactou a Google, reuniu-se com os programadores e eles ficaram tão espantados quanto ela. "Eles próprios não se tinham dado conta disso, mas olhando para o problema explicaram que poderia ser resolvido".
O trabalho para solucionar a questão ainda decorre. "A Google, enquanto empresa, tem uma política de igualdade de género, mas o seu algoritmo, de forma não intencional, assumiu o preconceito", afirma a investigadora. A explicação acaba por ser simples: como está programado para acertar o maior número de vezes possível e como há mais cientistas homens do que mulheres - embora isso esteja a mudar, com Portugal a ocupar um dos lugares mais favoráveis neste ranking- o próprio algoritmo "aprendeu" e incorporou essa realidade, para otimizar suas probabilidades de acertar.
Para Londa Schiebinger, aquela foi também a confirmação de que o seu projeto "Inovações de género na ciência, saúde e medicina" é um bom caminho para chegar a uma sociedade mais igualitária, não só em termos de oportunidades para homens e mulheres, mas também na abordagem dos mais diversos estudos, ou na saúde, em que as especificidades biológicas dos homens e das mulheres devem ser tidas em conta, como defende.
Poucas mulheres cientistas na liderança
A maioria dos doutorados em Portugal são mulheres (62%) - a média europeia é de 45% - e na ciência elas representam 45% de todos os investigadores do país, bem acima da média mundial (28%). Na Alemanha, por exemplo, a percentagem de mulheres cientistas é ainda mais exígua: 27%. "Apesar disso, as mulheres cientistas em cargos de liderança em Portugal é muito pequena", diz Maria João Bebiano, presidente da a Associação Portuguesa de Mulheres Cientistas, AMONET. Ajudar a mudar essa realidade é um dos objetivos da associação.