Chef António Loureiro: "Sinto algo especial quando cozinho e recebo as pessoas na minha cidade”
Uma noite de verão em Guimarães é sinónimo de boémia. Nesta altura do ano, a cidade nortenha recebe centenas de turistas e emigrantes que regressam ao país para as férias. Resultado: uma vida noturna agitada, com bares cheios, especialmente nos dias de jogo do Vitória na Liga Conferência, competição em que clube atingiu a fase de grupos no último mês de agosto - feito inédito para o emblema vimaranense.
As esplanadas de estabelecimentos históricos de Guimarães, como o Cantinho do Tio Júlio, ficam concorridas, assim como as reservas para a sala um dos mais importantes restaurantes da cidade-berço: A Cozinha, do chef António Loureiro, o único detentor de uma estrela Michelin na região do Minho - e que este ano renovou o feito pelo sexto ano.
“Acho que a estrela Michelin serve para duas coisas: uma é alimentar o ego da equipa e do chefe de cozinha; a outra é para aumentar a procura. Realmente há uma diferença muito grande do antes e do depois no que diz respeito à procura. Obviamente estamos a falar do melhor guia a nível mundial, que tem a maior projeção a nível mundial e que traz gente não só do país mas de todo o mundo”, afirma o chef, que recebeu a reportagem do DN em seu restaurante.
António Loureiro abriu A Cozinha em 2016, após anos de estudo e trabalho na restauração. O chef conta que, no começo de seu percurso procurou aprender sobre a cozinha tradicional portuguesa, não só do norte, mas também de outras regiões do país onde trabalhou, como o Alentejo e o Algarve, antes de ter contacto com outras culturas através de experiências fora de Portugal.
“Fui para fora para tentar entender qual seria a identidade da minha cozinha, pensando que lá fora iria encontrar tudo. Na verdade, a conclusão que cheguei era que minha identidade era aqui, na minha região, meu país, os nossos produtos e a nossa herança cultural e gastronómica”, diz o chef que, no menu do restaurante, conta com o fornecimento de produtores locais da região do Minho e extrai o máximo possível de todas as componentes nas suas criações. A política rende ao restaurante também o Green Key, galardão desenvolvido pela Foundation for Environmental Education (FEE), que reconhece empreendimentos sustentáveis.
Falemos na carta: a degustação no restaurante de Loureiro começa com as entradas frias, com um snack que contém elementos de uma salada (tomate coração de boi, cebola e pimentos) acompanhados de uma sopa fria de pepinos. Seguem-se pratos que utilizam o melhor da costa e do interior do Minho: do mar da região de Viana do Castelo e Esposende chega o sarrajão, peixe similar ao atum, acompanhado de algas crocantes e que configura um fresco snack de verão. É também da costa que vem a cavala, principal estrela de um dos pratos mais surpreendentes do restaurante.
“É um dos favoritos dos nossos clientes, às vezes as pessoas vêm cá noutras alturas do ano e perguntam pela cavala, mas mas só servimos de junho a setembro”, diz Loureiro.
A cavala é acompanhada de sorbet de tomate, ganache de galinha, bolacha de avelã e gelatina de Alvarinho. Afinal, A Cozinha está próxima de algumas das melhores regiões produtoras de vinho verde do país. É o único prato mantido na carta desde a abertura do restaurante, mas, como disse o chef, só é feito na época do verão.
Já do campo, a região minhota está bem representada, tanto nas entradas quanto num dos pratos principais, já que a mesma carne chega à mesa em dois momentos. Nas entradas, parece tratar-se de uma parte nobre de um presunto de porco preto, mas não: o que é servido é um tártaro da carne de vaca, por cima de um bolo lêvedo feito diariamente na casa e acompanhado de um puré de limão. Nos pratos principais, a carne vem já preparada, acompanhada de um pequeno ecossistema com couve flor, brócolos, cogumelos e jus feito com os ossos da carne.
“Nós só usamos raças autóctones. Costumo usar maronesa, minhota e arouquesas, são algumas das minhas favoritas por aqui, embora existam outras tantas, como a barrosã, que também são ótimas”, diz.
Com tanto amor pela região onde cresceu e consolidou-se como um dos principais nomes do meio gastronómico em Portugal, António Loureiro afirma que, mesmo com propostas para trabalhar em outros centros do país, o seu lugar é Guimarães.
“Já tive algumas oportunidades e propostas para ir para outro local, muita gente pergunta-me porque é que não vou para Lisboa ou Porto abrir um restaurante, mas é algo que nunca me tentou. Até porque eu não ia encontrar aquilo que encontro aqui com a mesma facilidade que hoje eu tenho. E não sei se iria ter mesmo o gozo: sinto algo especial quando cozinho e recebo as pessoas na minha cidade”, conclui o chef.
nuno.tibirica@dn.pt