Cerca de 3500 médicos podem deixar de fazer horas extra nas urgências já em novembro
Nesta semana, o diretor executivo do Serviço Nacional de Saúde (SNS) anunciou que novembro seria "o pior mês para o SNS", caso não houvesse um acordo entre sindicatos médicos e Ministério da Saúde. Mas qual o impacto que pode ter no SNS o facto de todos os médicos que entregaram escusas para não fazerem mais horas extras do que as previstas por lei (150) começarem a cumprir essa demanda a 1 de novembro?
O DN perguntou a um dos sindicatos da classe, a Federação Nacional dos Médicos (FNAM), que ontem se sentou à mesa no Ministério da Saúde, na João Crisóstomo, e que não saiu satisfeito com a reação da tutela, sobre que "tragédia anunciada" de estaria a falar. E a resposta recebida foi: "Uma boa parte dos serviços de urgência vão ter de encerrar. Há alguns que já anunciaram que em certas áreas vão ter de encerrar aos fins de semana por tempo indeterminado", afirmou ao DN a presidente da FNAM, Joana Bordalo e Sá.
De acordo com esta estrutura, e como já tinha sido anunciado, cerca de 2500 médicos entregaram minutas de escusas para mais horas extras, entre setembro e outubro, mas desde esta altura, e para entrar em vigor já a 1 de novembro, "estima-se que, pelo menos, mais mil médicos comecem a cumprir esta escusa", refere a dirigente, tendo em conta as minutas que chegaram aos três sindicatos da federação. Ou seja, em novembro cerca de 3500 médicos poderão deixar de fazer urgência externa, o que quer dizer que são sensivelmente metade dos médicos que hoje fazem urgências no SNS.
Segundo explicou a médica, dos cerca de 21 mil médicos que trabalham no serviço público, só cerca de 7500 é que fazem urgência externa, ora se estes serviços são assegurados, sobretudo, com horas extraordinárias, havendo muitos médicos que nesta altura do ano já vão com 500 ou 600 horas extraordinárias, "estamos a falar de muitos serviços que vão ter de encerrar. Este movimento de recusa de horas extras começou nos hospitais periféricos, nomeadamente com um grupo de colegas do Hospital de Viana de Castelo, mas já chegou aos hospitais centrais, como São João e Santa Maria".
Destaquedestaque"Na quinta-feira ficámos a saber que, no Hospital São João, todos os médicos e internos de Medicina Interna que fazem urgência entregaram minutas de escusa para mais horas extras, e que grande parte dos médicos de Medicina Intensiva também".
Joana Bordalo e Sá dá mesmo o exemplo do maior hospital do Norte, São João, no qual o diretor executivo foi presidente do Conselho de Administração até há um ano, que "todos os médicos e internos de Medicina Interna que fazem urgência entregaram minutas de escusa para mais horas extras, e que grande parte dos médicos de Medicina Intensiva também".
Mas a dirigente sindical refere outro exemplo no Norte: "Na quinta-feira a nossa caravana (por nem mais uma hora extra) esteve no Hospital de Gaia e ficámos a saber que todos os médicos de anestesia entregaram escusas, que 70% dos cirurgiões também e muitos médicos de Medicina Intensiva fizeram o mesmo". No Hospital de Penafiel, "já não há serviço de cirurgia aos fins de semana, mas a partir de 1 de novembro deixa de haver ginecologia e obstetrícia na urgência por tempo indeterminado".
Em Lisboa e Vale do Tejo, no maior hospital do país, Santa Maria, a esmagadora maioria dos médicos do Serviço de Ginecologia-Obstetrícia está a cumprir essa escusa, e os cirurgiões também. A médica fala ainda dos médicos de Medicina Interna e dos internos que fazem urgência no Hospital Amadora-Sintra, mas também dos que são da área da pediatria nas unidades da Margem Sul.
"Estas unidades já funcionavam em rotatividade, mas a indicação que temos é que os serviços ao fim de semana vão ter de fechar mesmo e sem saberem por quanto tempo. Veja, estes são os dados que nos chegaram, mas isto é da responsabilidade do Governo". As áreas mais afetadas com os pedidos de escusa são, precisamente, as que têm de assegurar as urgências, como Medicina Interna, Cirurgia, Anestesia, Ortopedia, Pediatria e Ginecologia-Obstetrícia.
Quando perguntamos se um eventual acordo no domingo não poderá travar esta situação, a presidente da FNAM diz: "Não sei. Não sabemos se o ministério vai enviar por escrito a contraproposta a que se comprometeu. Se enviar, iremos lá no domingo, se não enviar foi mais uma ronda de negociação infrutífera, andamos nisto há 18 meses", mas, destaca, "se enviar os documentos é preciso vê-los porque, muitas vezes, há coisas que ficam implícitas nas palavras e que depois não ficam escritas".
DestaquedestaqueProposta conjunta dos sindicatos tem três pontos: reposição do horário de 35 horas semanais para todos os médicos que quiserem, reposição salarial, com aumentos de 30% para todos os médicos e a reposição das 12 horas de urgência.
Ontem foi dia de mais uma reunião entre sindicatos médicos e ministério da Saúde, durante a qual as estruturas apresentaram uma proposta conjunta com três pontos reivindicativos, nomeadamente a reposição do horário de 35 horas semanais para todos os médicos que quiserem, reposição salarial, com aumentos de 30% para todos os médicos, a proposta do ministério visava este aumento para médicos hospitalares que fazem urgências, e a reposição das 12 horas de urgência, que desde a troika passaram a 18, mas como medida temporária e nunca mais foi alterada.
Tanto a FNAM como o Sindicato Independente dos Médicos (SIM) já avisaram que aceitam que tais medidas sejam postas em prática de forma faseada, mas ontem, Jorge Paulo Roque da Cunha saiu da reunião a acreditar que será possível chegar a um acordo na reunião agendada para domingo às 17:00, considerando que, depois da proposta que apresentaram e o estado atual do SNS, que a tutela não deixará escapar essa hipótese.
No final da reunião, o ministro Manuel Pizarro voltou a afirmar a disponibilidade da tutela para chegar a um acordo, mas avisou também que "a existir tem de ser um acordo equilibrado, que seja bom para os portugueses, para que vejam aumentado o seu acesso à saúde, bom para o SNS, permitindo reorganizar o seu funcionamento, e que compense os profissionais."