Centros comerciais a céu aberto poderão ser o futuro das zonas históricas
A aposta em centros comerciais a céu aberto nos centros históricos poderá representar uma revitalização dos negócios de proximidade no futuro pós-pandemia, sugere o investigador João Barreta, sublinhando a necessidade de articular respostas nesta área no Plano de Recuperação.
Em declarações à agência Lusa, o especialista em Urbanismo Comercial destacou que o comércio de proximidade "tem a vantagem que antes lhe era apontada como grande handicap [obstáculo], ou seja, trata-se de comércio ao ar livre".
João Barreta defendeu o conceito de "urbanismo comercial 360º", que envolve regenerar os centros históricos, revitalizar os comércios existentes e promover os centros comerciais ao ar livre, com a articulação de vários intervenientes.
"Já sugeri a ideia de urbanismo comercial 360º, precisamente como forma de preparar o comércio de proximidade dos centros históricos para as incertezas do futuro", indicou João Barreta, numa referência à sua proposta apresentada para o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), numa lógica de continuidade de programas de incentivos a projetos de urbanismo comercial.
No seu entender, no pós-pandemia será importante haver apoios a vários níveis: nos investimentos autárquicos nos espaços públicos, nos investimentos dos empresários nas suas lojas, nos investimentos em ações de marketing, e nos investimentos comuns entre autarquias e associações para os modelos de gestão de centros comerciais a céu aberto.
"A inclusão do urbanismo comercial 360º no PRR seria, em minha opinião, uma hipótese viável a considerar, já que envolvia todas as partes, todos os atores, mobilizava para uma causa comum e contemplaria os necessários apoios para a imprescindível preparação e adaptação do comércio de proximidade para novos tempos que se revelarão exigentes para todos", frisou.
O especialista - que está a desenvolver um estudo sobre esta área no contexto da crise pandémica, analisando a articulação entre a oferta e a procura - apontou quatro cenários possíveis para o comércio de proximidade no futuro: "descomércio", "mais comércio", "comércio mais" e "neocomércio".
O 'neocomércio', referiu, "será o cenário ideal", assentando na ideia de que "só se vende aquilo que de facto alguém compra" e que não pode vingar o "compram-nos tudo aquilo que está à venda".
De acordo com João Barreta, o "neocomércio" será o comércio da procura, em que a oferta se deverá adaptar àquilo que o consumidor pretende, resultando numa espécie de "nova indústria" ou "indústria do comércio", baseada no cruzamento de múltiplas necessidades das procuras.
O cenário relativo ao "descomércio", referiu, "nunca teria sido equacionado" antes da pandemia, mas "doravante convirá ter como um dos cenários prováveis", com uma certa desconstrução do comércio de proximidade, em que, mesmo existindo procura e oferta, o comércio não acontece: "Quem antes vendia deixa de o poder fazer e quem antes comprava também fica impedido de tal ato".
No cenário "mais comércio", poderá haver um desequilíbrio "entre aquilo que haverá à venda e aquilo que há que comprar", porque, devido ao encerramento de vários estabelecimentos comerciais, abrirão "novos comércios" com critérios de índole mais imobiliária e financeira, em detrimento de critérios de natureza mais económica e social, numa lógica de "abrir por abrir", com foco no imediato e sem grande sustentabilidade.
João Barreta afirmou que mesmo os comércios existentes revelaram "alguma impreparação para lidar com as múltiplas condicionantes que lhes foram sendo suscitadas" neste último ano, quer pela procura, quer pelas entidades governamentais.
No cenário "comércio mais", haveria uma triagem e a procura seria determinante para gerar comércios: "Um comércio mais preparado, mais eficaz, mais eficiente, mais responsável, mais seguro, mais confiável irá, portanto, ter de emergir. A procura terá um papel muito importante para determinar aquilo que os comércios deverão ser", explicou.
O comércio especializado para turistas nas zonas históricas das cidades portuguesas não conseguiu adaptar-se na pandemia, encontrando-se em "estado de hibernação" à espera que a "tormenta passe", ao invés do comércio tradicional, que ganhou outra importância.
João Barreta explicou que o comércio que estava a ser uniformizado para não residentes, em 2019, está "em estado de choque". "Na sua maioria, ainda não se adaptou: a procura que tinha como origem o turismo praticamente terá desaparecido e a oferta está na expectativa de que tudo regresse àquilo que muitos consideram o 'novo normal'", referiu.
De acordo com o especialista, mestre em Gestão do Território, a ideia de proximidade "ganhou uma importância decisiva" no contexto pandémico, reforçando a confiança e a segurança dos consumidores.
"Os consumidores de antes transformaram-se, por força da insegurança e da desconfiança face à situação pandémica, em meros compradores que adquirem o básico e o essencial, claro que quanto mais perto de casa melhor, sem querer correr quaisquer riscos", salientou João Barreta, referindo que o setor alimentar foi o que mais cresceu, a par das farmácias.
O investigador lembrou que, devido à alteração de hábitos de consumo, muitas pessoas passaram a cozinhar em casa, dando prioridade à aquisição de alimentos em mercearias de bairro, embora se mantenham as idas a médias e grandes superfícies.
João Barreta considerou que a crise atual "constitui uma oportunidade" para os pequenos empresários do comércio tradicional. "Mostrou ter oferta que responde à procura, revelou-se disponível, adaptou-se e, acima de tudo, disse 'presente', transmitindo a segurança e a confiança pelas quais a procura tanto anseia. A oportunidade traduziu-se em afirmar-se perante a sociedade, perante a procura, perante a concorrência", assinalou.
No fim da pandemia, considerou, seria importante "não deixar esmorecer o entusiasmo" gerado no comércio local.
Sobre o encerramento de alguns negócios que estavam dependentes do turismo, João Barreta reconheceu que se devia compreender o que se "vivenciava antes da pandemia" : "Os negócios dependentes de uma procura protagonizada pelo turismo são uma situação que merece uma análise diferente. Foram negócios que cresceram de forma proporcional ao 'boom' do turismo, sendo que a queda abrupta deste fez com que muitos negócios pura e simplesmente parassem e alguns tenham mesmo cessado", observou.
Relativamente ao futuro pós-pandemia, João Barreta sublinhou que há muito trabalho a fazer e que os poderes governamentais devem refletir mais sobre o comércio local. "O trabalho que nos espera, como sociedade, passa em primeiro lugar por reconhecer a situação de alguma 'anormalidade' que já se vivia há algum tempo (daí ser 'velha'), antes da pandemia, e tratar de fazer acontecer um 'novo normal'. A nível dos poderes governamentais (administração central e local) e no que concerne ao comércio de proximidade, há que refletir com o que nos está a acontecer e, acima de tudo, aprender, aprender muito", indicou.