Aos 53 anos, Céline Abecassis-Moedas foi nomeada pró-reitora da Universidade Católica para a área da Inovação e Empreendedorismo, há uma semana, depois de uma carreira dedicada aos temas da estratégia e inovação, em que se doutorou, e de ter dirigido o seu programa de formação de executivos. Trabalhou na indústria da moda em Nova Iorque, foi consultora da AT Kearney em Londres, passou pelo MIT e leccionou na Queen Mary University of London. Agora, está empenhada em reforçar a multidisciplinaridade no ensino, porque acredita que é na interseção entre tecnologia, gestão e arte que a magia acontece. E diz que "a criatividade é como um músculo que se pode e deve exercitar"..Acaba de ser nomeada pró-reitora para a Inovação e Empreendedorismo da Universidade Católica. O que representa esta mudança para a inovação da Católica e para si?.Para mim é uma mudança de escala enorme, pois estava ligada a um das faculdades, a Católica Lisbon School of Business & Economics e agora estou na reitoria que gere 17 unidades, com duas escolas de negócios, duas de direito, uma de medicina, uma de enfermagem, uma de estudos políticos, enfim... Vai ser a oportunidade para reforçar ainda mais o trabalho interdisciplinar, pois sabemos que cada vez mais a inovação acontece na fronteira entre as várias áreas. Fui diretora do programa de formação de executivos durante seis anos e já há evidência de que é precisamente quando misturamos as áreas que a inovação mais importante acontece. Estive envolvida numa investigação de fronteira entre a engenharia, a gestão e a arte. E não tenho dúvidas de que essa interseção é o futuro..Porque diz que essa interseção é o futuro?.Dou-lhe um exemplo: um engenheiro que desenvolva uma tecnologia inovadora dificilmente vai ser bem sucedido se não tiver um bom modelo de negócio. Do mesmo modo, o produto também tem de ter uma componente de criação artística, ligada ao design e à estética na sua apresentação ao mercado, porque somos humanos e todos somos sensíveis à beleza. Engenharia, gestão e arte são as peças interligadas do motor que fazem o carro andar..Como é que a inovação corporativa ou social pode ajudar a gerir melhor os novos desafios da sociedade, como o aumento da longevidade? É uma área que tem estudado....Eu prefiro olhar para o aumento da longevidade não como um desafio, que também é, mas como uma oportunidade. Acho mesmo que a tendência de envelhecimento da população, nomeadamente na Europa, mas também na China, é um desafio da mesma amplitude que as alterações climáticas ou a Inteligência Artificial, por tudo aquilo que vai exigir de mudança e adaptação à sociedade. Nas empresas, na Segurança Social, na saúde, nos cuidados, no consumo e lazer e também nos projetos de vida. Por isso criámos a pós-graduação ‘Longevity Leadership’, que teve a sua primeira edição em julho deste ano e continuará em julho de 2025. O programa tem três perspetivas: primeiro aborda o impacto do envelhecimento sobre o mercado senior ou “the silver economy”, como dizem os americanos _ e há uma série de necessidades de consumo específicas para este grupo, desde saúde, seguros, até na moda. Depois, vem o desafio mais ambicioso, que é o da gestão de talentos, porque com a maior longevidade e aumento da idade de reforma, as empresas vão ter, pela primeira vez, três a quatro gerações a coincidir no mesmo espaço e é preciso desenvolver estratégias de inovação para tornar esta convivência pacífica e produtiva. O programa serve também para os recursos humanos prepararem melhor esse processo em cada organização. Por último, a longevidade também nos convoca para a necessidade de repensar o que queremos fazer na vida depois dos 50. Este programa de Longevity Leadership também é indicado para as pessoas que querem encetar uma segunda ou terceira carreira. Nesta fase, se calhar, já não é o dinheiro que as move, mas sim o reconhecimento, o causar impacto social ou ter um novo propósito de vida..Também há um impacto positivo....Sim, e é uma transição que é melhor sucedida se for feita de forma acompanhada. Para isso, o programa oferece essa rede de networking. É muito importante que as empresas tenham noção de que vão mesmo ter de ter estratégias, com maior flexibilidade, para manter pessoas mais velhas, até porque não existem jovens suficientes no mercado para substituir as pessoas e as competências que se vão aposentar. A IA não vai resolver tudo e é preciso maturidade para fazer as perguntas certas e para interpretar bem as respostas, não confiaria a alguém inexperiente tarefas complexas a envolverem IA. Este é um tema muito forte neste momento. Fiz uma apresentação sobre isto recentemente no Silver Economy Forum, em Berlin, e também no Global Peter Drucker Forum, em Viena..Qual é o papel do empreendedorismo social?.Acho que há muito campo para o empreendedorismo social. Mas é preciso ter ideia de que a inovação social também pode ser feita por empresas com fins lucrativos, não apenas por ONG. Por exemplo, na área da longevidade há cada vez mais plataformas para ajudar pessoas com mais de 50 anos a encontrarem o trabalho mais adequado para si..Como é que a Católica está a impactar a comunidade de inovação?.Há dias, na Web Summit, foi tornado público um ranking no qual a Católica é apontada como a entidade que mais empreendedores formou em Portugal. Tenho imenso orgulho de pertencer a esta universidade e de fazer parte desse esforço para incrementar a inovação em Portugal. A Católica está particularmente empenhada no tema da Inovação e tem, por exemplo, um centro específico para a inovação social, o Yunnus Social Innovation Center..Considera-se uma pessoa criativa e inovadora?.Sim, acho que sempre gostei de fazer as coisas de um modo um pouco diferente. Quando fiz o doutoramento há 25 anos, o mais normal seria seguir a via académica, mas optei por procurar a experiência corporativa, numa empresa tecnológica em Nova Iorque, ligada à indústria da moda, a Lectra. E depois em Londres, fui consultora na AT Kearney. Só voltei à academia quando já tinha acumulado conhecimento da realidade empresarial com outra perspetiva e riqueza. Os meus primeiros trabalhos publicados foram justamente sobre inovação e estratégia..Da sua experiência, como é que as estratégias de inovação impactam positivamente as organizações, o negócio?.Impactam muitíssimo. Estou envolvida num estudo, financiado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, com mais três pessoas sobre a sustentabilidade na indústria têxtil e visitei cerca de uma dezena de empresas na região Norte, que formam um verdadeiro ‘cluster’ de inovação. E o que posso dizer é que, a partir da tradição e do know how técnico que o país tem neste domínio, Portugal conseguiu inovar e alcançar uma posição de relevo internacional, muito acima de países como a Alemanha, a França ou a Dinamarca. Temos jovens muito bem formados nas áreas de engenharia e engenharia química que estão a usar fibras mais sustentáveis, algodão orgânico, e a apostar na reciclagem de tecidos velhos para fazer novos. Também há processos inovadores, que estão a ser usados para tingir os tecidos, que gastam menos água e energia e usam químicos naturais..Como avalia a cultura de inovação portuguesa: incipiente, média, forte?.É muito difícil medir a inovação, porque tem várias dimensões. Mas os portugueses são bastante criativos. A tecnologia é que nunca foi o ponto forte, mas isso agora está a mudar e, se continuar a desenvolver-se, creio que há condições e terreno para florescer a inovação..Quem vai à frente: empresas, academia, administração pública, IPSS?.Creio que as empresas e a academia já interiorizaram bem a necessidade de inovação. A administração pública não é um universo que conheça bem. Na Católica e noutras universidades portuguesas, sobretudo ao nível dos mestrados e MBA, a inovação está presente há já bastante tempo. Há 15 anos, por exemplo, dava uma cadeira de ‘consulting project’ em que munia os alunos de metodologia para resolver problemas concretos de uma empresa e durante um programa intensivo de 12 semanas, cada equipa trabalhava para apresentar a solução para uma empresa..Nasce-se inovador ou a inovação também se aprende?.É um pouco as duas coisas. Mas eu costumo dizer que a criatividade é como um músculo que se exercita. Há quem não seja muito musculado à partida, mas se trabalhar e exercitar, mais tarde ou mais cedo será..Tem uma carreira internacional, três filhos, e é casada com o ex-comissário Europeu da Inovação e atual presidente do município de Lisboa, Carlos Moedas. Também precisam de muita inovação para a gestão familiar?.Eu diria que sim, somos todos muito multidisciplinares e multiculturais. Os meus filhos falam três línguas, o meu marido é engenheiro, eu sou da economia e gestão. E foi interessante acompanhá-lo quando ocupou esse cargo, porque já era a minha área. Acho que sim, temos a inovação no nosso ADN.